Todos os anos, na véspera do feriado municipal, na vila
dos Arcos de Valdevez, já o sol se tem posto faz algum tempo depois do
jantar, formam-se grupos alegres de diversas redondezas, principalmente de
rapazes e raparigas, o que não significa que não se agrupem também uns
quantos mais idosos, que de maneira alguma querem deixar de participar na
antiga tradição...
Toda esta gente se dirige á freguesia de Ermelo , em
peregrinação.
Alguns, para o percurso, empunham bengalas, outros,
bordões de caminheiros.
Há ainda quem não abdique do seu “farnelzinho” onde
o vinho é sem duvida indispensável para ajudar a vencer as dificuldades do
percurso.
Existe lá uma igreja romântica, restos de um mosteiro
grandioso que se erege entre moradias que devem remontar ao principio da
Nacionalidade, ou talvez a tempos mais idos, um monumento vetusto, com
mostras de pedreiras trabalhadas, obras posteriores que os frades não
puderam acabar. Impõe-se também uma imagem de S. Bento, o celebrado S.
Bento do Ermelo a que todos os Arcoenses são particularmente devotos.
Trata-se de uma graciosa imagem de madeira, policromada e dourada, de cariz
popular, que deve Ter uns duzentos anos, apresenta-se como uma das mais
relevantes imagens beneditinas do Alto Minho.
Para conferir vivacidade á longa caminhada, os “caminheiros”
vão cantando:
São Bentinho do
Ermêlo;
Eu, p’ro ano hei-de vir,
Ou casado ou solteiro,
Ou criado de servir:
São Bentinho do Ermêlo,
Quem me dera lá chegar...
No meio do seu terreiro,
Cinco voltas hei-de dar...
São Bentinho do Ermêlo,
Aceitai-me a romaria,.
Eu venho de muito longe,
Não se vai lá cada dia...
S. Bento é padroeiro das terras vezelianas. Toda a
historia destas terras está ligada à Ordem Beneditina.
Os frades negros nidificaram ali. Fundaram mosteiros,
foram senhores de verdadeiros latifúndios, praças, arrotearam, eles mesmo,
grandes extensões de terreno. Radicaram e mantiveram o culto do padroeiro.
E o povo instituiu o seu santo curandeiro para todos os « males ruins »,
mas com especialidades curativas para essas incómodas excrescências na
pele das mãos denominadas “cravos”.
Consta que os “cravos” nascem nas mãos de quem
aponta e conta as estrelas ou os pontos luminosos que surgem de noite. O
senhor S. Bento (os santos ,aqui, têm todos respeitosamente senhoria...) é
protector contra essas malezas. Não só nos livra delas quando nos
apoquentam como até, por sua intercessão, serve para nos livrar de tais
tentações quando menos cuidadosos. Em paga da tutela o santinho paga-se em
ovos (é tradicional assim dizer, confirmado por séculos de
experiência...), e por essas lindas flores tão queridas o nosso povo,
chamadas cravos.
Oferendam-lhe por isso, ovos ou cravos só que as
mulheres lhe reservam exclusivamente os cravos de cor vermelho e os homens
os de cor branca, pela simples razão de não existirem cravos azuis. É do
rito. Exactamente como as “promessas” de cera: as promessas femininas
distinguem-se porque são marcadas com uma pintinha de vermelho; a dos
homens com uma pinceladinha de azul celeste bem destacada.
Quanto aos ovos, as contas são também rituais: nunca
menos de três, mas podem ser múltiplos de três: seis, nove ou uma dúzia
conforme a promessa ou a generosidade do “milagre” recebido.
A caminhada é dura e é de preceito faze-la pelos velhos
caminhos, tal como a fizeram já os pais, avós e os que geraram a esses...
.
Não vale utilizar as estradas traçadas no século
passado. Assim, partindo dos Arcos: os romeiros subiam a costeira chegavam
ao Alto de Murelhões seguiam em direcção do lugar do castanheiro calçada
do proja, Caltada, Nossa Senhora da Luz, Senhora dos Milagres, Gração,
descia-se a volta do rio Lima, passava-se por debaixo de Vilarinho e
chegava-se a Ermelo.
É preciso ser bom caminheiro. Há que chegar lá, fazer
a romaria: dar as voltinhas prometidas (três, cinco, sete , nove, sempre em
número ímpar),à volta da capela e da direita para a esquerda.
Mostrar e depor, em seguida, a oferenda no altar do
santinho... mas, tudo isto, terá de ser executado antes do nascer do sol!
A particularidade desta imagem de S. Bento é que tem na cabeça, um
pequenino chapéu de feltro, de cor preta, com a copa abaulada, tipo côco, que
é de tirar e pôr! O devoto chega ao pé dela, e reza-lhe. Depõe-lhe no altar
as oferendas. Depois, respeitosamente, tira-lhe o chapéu, persigna-se com ele,
beija-o e torna a colocar-lho na cabeça.