Projecto Vercial

Marquesa de Alorna


D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre, Marquesa de Alorna nasceu em Lisboa no dia 31 de outubro de 1750 e faleceu em Benfica no dia 11 de outubro de 1839. Tendo o seu pai sido preso, acusado de participar no atentado ao rei D. José, Leonor, de oito anos, entrou com sua irmã para o convento de Chelas, vindo somente a sair após a morte do Marquês de Pombal. Casou com o Conde de Oeynhausen e viajou por Viena, Berlim e Londres. Enviuvou aos 43 anos de idade, vivendo com algumas dificuldades económicas, dificuldades estas que não a impediram de se dedicar à literatura. Adoptou na Arcádia o nome de Alcipe. Traduziu a Arte Poética de Horácio e o Ensaio sobre a Crítica de Pope. É considerada uma poetisa pré-romântica. As suas obras foram publicadas em 1844 em seis volumes com o título genérico de Obras Poéticas.

Bibliografia: Clara Rocha, As Máscaras de Narciso, p. 95. Marquês de Ávila e de Bolama, A Marquesa de Alorna, Lisboa, 1916; João Jardim de Vilhena, A 4.ª Marquesa de Alorna (Alcipe), Coimbra, 1931; Hernâni Cidade, prefácio a Poesias e Inéditos, Sá da Costa, Lisboa, 1941.



SONETOS


1

Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.

Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.

Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.

E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.


2

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.


3

Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.

Veio a noite os objectos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
fui coa ausência da luz esmorecendo.

Neste espaço, em que dorme a Natureza.
porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?

Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!


OUTROS POEMAS



Sozinha no bosque
com meus pensamentos.
calei as saudades,
fiz trégua aos tormentos.

Olhei para a Lua,
que as sombras rasgava,
nas trémulas águas
seus raios soltava.

Naquela torrente
que vai despedida,
encontro, assustada,
a imagem da vida.

Do peito, em que as dores
já iam cessar,
revoa a tristeza,
e torno a pensar.





Como está sereno o céu,
como sobe mansamente
a Lua resplandecente
e esclarece este jardim!

Os ventos adormeceram;
das frescas águas do rio
interrompe o murmúrio
de longe o som de um clarim.

Acordam minhas ideias,
que abrangem a Natureza;
e esta nocturna beleza
vem meu estro incendiar.

Mas, se à lira lanço a mão,
apagadas esperanças
me apontam cruéis lembranças,
e choro em vez de cantar.



OFERENDA AOS MORTOS

Aquele outeiro sombrio
está de névoas coberto;
escorre entre canas, perto,
fraco e murmurando, um rio.
Naquele negro pinhal,
como tocha funeral,
brilha modesta candeia,
que ao pastor pobre alumeia
com a luz embaciada.
Vem por corvos arrastada
a Tarde.
A luz apenas das estrelas arde!...
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...

Das frestas dos edifícios
vergonhoso mocho voa,
e com seus uivos atroa
os Génios dos malefícios;
saem Fadas peregrinas
a dançar sobre ruínas,
e vêm por entre perigos
gnomos, trasgos, inimigos.
Alumeia
o pirilampo incerto esta coreia.
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...

Estão todas apagadas
as luzes da Outra-Banda;
pelas praças ninguém anda,
vagam as sombras caladas.
Naquele triste convento
dobra o sino sonolento;
o ar cos sons esmorece.
O horizonte empalidece:
o vapor autumnal

cobre-o de um véu fatal,
sombrio.
Suspira o vento e nasce o calafrio
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
(...)

Com teu clarão moderado
que objecto me estás mostrando,
que me estás afigurando,
crepúsculo descorado?
Sombra majestosa e cara,
que nas mãos da Parca avara
enches todo o meu sentido!
Es tu, Armínio querido?
Se te retrata a saudade,
apaga as cores a realidade.
Entretanto,
o teu túmulo lava este meu pranto.
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...

Sobre o teu marmóreo altar,
onde oculto me magoas,
de plátano cinco c'roas
venho hoje depositar.
Recebe Armínio a mais pura;
duas leve-as a ternura,
de meu pranto comovida,
a Márcia, a Lília querida;
aos dois penhores
dos nossos tristes, doces amores,
condoída,
of'reço duas, of'recera a vida.
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...


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