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António Serrão de Castro


António Serrão de Castro (ou Crasto) nasceu em 1610 e faleceu em 1684. Poeta cristão-novo, foi acusado pela Inquisição e preso durante dez anos. Escreveu na prisão a obra Os Ratos da Inquisição, publicada por Camilo Castelo Branco em 1883. Heitor Gomes Teixeira publicou em 1977 uma bibliografia do poeta acompanhada de uma seleção de textos inéditos com a reprodução do fac-símile de um dos textos. A obra de Heitor Gomes Teixeira tem por título de As Tábuas do Painel de um Auto (António Serrão de Castro) (Lisboa, 1977).




A UMA DAMA QUE DESMAIOU DE VER UMA CAVEIRA

Já fui flor, já fui bonina
Agora estou desta sorte,
Fui o retrato da vida
Agora sou o da morte.

GLOSA

Se desmaias de me ver,
eu também de ver-te a ti,
pois qual tu te vês me vi,
e qual me vês hás-de ser;
esta caveira hás-de ter,
se te imaginas divina,
que eu também quando menina
fui um sol, fui uma aurora,
e se sou caveira agora,
já fui flor, já fui bonina.
Se me viras primavera,
sendo üa inveja das flores,
então mais te dera horrores,
então alento te dera;
secou esta verde hera
um cruel sopro da morte,
porque com seu braço forte
tudo prostra, tudo humilha,
que eu ontem fui maravilha,
agora estou desta sorte.

Ver-me ontem era ventura,
Hoje ver-me horrores dou;
Hoje üa caveira sou,
ontem flor da fermosura.
Foi tal a minha pintura,
tão valente e tão subida,
tão forte e tão presumida,
tão corada, tão fermosa,
que soberba e vangloriosa
fui o retrato da vida.
Acabou-se este portento,
já este sol se eclipsou,
já esta flor se murchou,
já se acabou este alento.
Como a vida foi um vento,
inda que correu tão forte,
acabou-se de tal sorte,
que sendo com meu ornato
ontem da vida retrato,
agora sou o da morte.


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