Projecto Vercial

Fernando Echevarría


Fernando Echevarría

Fernando Echevarría nasceu a 26 de Fevereiro de 1929 em Cabezón de la Sal. Cursou Humanidades em Portugal, Filosofia e Teologia em Espanha. Exilado em Paris desde 1961, parte para Argel a fins de 1963, regressando àquela cidade em meados de 66. Aí reside desde então.

Obras publicadas: Entre Dois Anjos – (1956); Tréguas para o Amor (1958); Sobre as Horas (1963), Círculo de Poesia, Moraes Editores; Ritmo Real (1971), Edição de 85 ex. 45,5 x 31,5, numerados de 1 a 85, em papel Arches, feita em França, sendo as dez gravuras originais a relevo tiradas e da autoria de Flor Campino. Todos os exemplares são assinados pela artista e pelo autor; A Base e o Timbre (1974), Círculo de Poesia. Moraes Editores; Media Vita (1979), Brasília Editora; Introdução à Filosofia (1981), Edição do autor; Fenomenologia (1984), Edição do autor; Figuras (1987), Afrontamento/Poesia; Poesia, 1956 – 1979 (1989), Afrontamento/Poesia. Reedição dos livros compreendidos entre aquelas duas datas; Livro (1991) poema com texto impresso em serigrafia no "Atelier 87", em Paris, e 8 litografias de Jorge de Sousa, executadas pelo mesmo à mão sobre "Chine appliqué" na sua oficina. Foram tirados 40 exemplares em "Vélin de Rives BFK3, numerados e assinados pelo artista e pelo autor, mais 10 exemplares fora do mercado; Sobre os Mortos (1991), Afrontamento/Poesia; Poesia 1980 (1984), Afrontamento/Poesia (reedição corrigida e aumentada dos livros publicados entre aquelas duas datas); Uso de Penumbra (1995), Afrontamento/Poesia; Geórgicas (1998), Afrontamento/Poesia; Introdução à Poesia (2001), Afrontamento/Poesia.

Antologias Portuguesas em que está representado: Antologia – Prémio Almeida Garrett de 1954, Ateneu Comercial do Porto, 1957; Alma Minha Gentil, Organizada por José Régio e Alberto de Serpa, Lisboa, Portugália Editora,1957; Na Mão de Deus, Organizada por José Régio e Alberto de Serpa, Lisboa, Portugália Editora, 1958; Líricas Portuguesas, "3a série, Selecção, prefácio e notas de Jorge de Sena, Lisboa, Portugália Editora, 1958; 20 Anos de Poesia Portuguesa, Organização, prefácio e notas de Pedro Tamen, Lisboa, Moraes Editores, 1977; Líricas Portuguesas, II Vol. Selecção e apresentação de Jorge de Sena, Lisboa, Ed. 70, 1983; Poetas escolhem Poetas, Colectânea de Poesia Portuguesa (1970 -1990), Prefácio e selecção de textos de António Rebordão Navarro e Orlando Neves, Porto, Lello & Irmão, 1992; Eros de Passagem – Poesia Erótica Contemporânea, Selecção e prefácio de Eugénio de Andrade, Porto, Campo das Letras, 1997;

Antologias estrangeiras: Antología de la Nueva Poesía Portuguesa, de Angel Crespo, Ediciones RIALP, S.A., Madrid,1962; Antología de la Poesía Portuguesa Contemporánea, de Angel Crespo, Tomo II, Madrid, Ediciones Júcar, Colección Los Poetas, 1981; Poesia Portuguesa Contemporânea, Organizada por Carlos Nejar, São Paulo, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores, s/d, 1982; Puerto del Sol, Vol. 29, no 1 , Spring 1991, Special Supplement, Depositions Portuguese Writers & Artists, Editorss Richard C. Zimler, Kevin Mcllvoy, Ed. by Kevin Mcllvoy, Dep. of New Mexico State University, Puerto del Sol, 1994.

Colaborou nas revistas: Anto, nº 1; Graal, no 1; Eros, 14-15; Cavalo Azul, 9; Colóquio / Letras, nos 47, 94, 103, 113-114, 135-136; A Phala – Um século de Poesia (1888 – 1988); Hífen, Cadernos de Poesia, nos 2, 4, 6, 8; Limiar, Revista de Poesia, 2.

Prémios: Grande Prémio de Poesia do Pen Club em 1981 por Introdução à Filosofia; Grande Prémio de Poesia Inasset em 1987 por Figuras; Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores em 1991 por Sobre os Mortos.

Está traduzido em francês, castelhano, inglês e romeno.

Bibliografia passiva: "Dossier Fernando Echevarría", 16 de Outubro 1991; AMADO, Teresa, "Fernando Echevarría, Introdução à Filosofia, in Colóquio/Letras, 70, Nov. 1982; AMARAL, Fernando Pinto, "O peso e a leveza em F. Echevarría", in Limiar / Revista de Poesia, 2, Porto; CARVALHO, Gil Noses de, "F. Echevarría, Sobre os Mortos", in Colóquio/Letras, 125 – 126, Julho – Dezembro,1992; COELHO, Eduardo Prado, Sobre as Horas, in Seara Nova, Nov. 1964; " F. E. : como quem deu por si em pensamento", Expresso, 23 Abril 1988; "Elogio da atenção" (Sobre os Mortos), Público, 18 Set. 1992; O Cálculo das Sombras, Ed. Asa, 1997; CRUZ, Gastão, A Poesia Portuguesa Hoje ,Lisboa, Plátano Editora, 1973; GUERREIRO, António, "O murmúrio dos mortos" Expresso,21 Março 1992; GUIMARÃES, Fernando, A Base e o Timbre , in Colóquio/Letras, 20, Julho de 1974; A "Mesa da Palavra Comércio ra" (acerca de dois sonetos de Fernando Echevarría) O Comércio do Porto, 16 Julho 1981; Europe – Littérature du Portugal, Avril 1984; F. Echevarría: uma torrencial arquitectura" in JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, 3 Maio 1988; "Echevarría: a descoberta dos seres" (Poesia 1956 – 1979) JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, 9 Janeiro 1990; "Entre o conceito e a palavra", JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, 11 Maio 1994; "Espírito do lugar e consciência do ser", in JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, 22 Maio 1996; "Os conceitos puros em Fernando Echevarría", in A Poesia Contemporânea Portuguesa e o fim da Modernidade, Lisboa, Caminho, 1989; LE GENTIL, Georges, La Littérature Portugaise, ouvrage complété par Robert BRÉCHON, Paris, Editions Chandeigne, 1995; LEPECKI, Maria Lúcia, "O Santo dos Santos ou o espaço e o tempo", Diário de Notícias – "Cultura" 28 Agosto 1988; LOPES, Pires F., "F. Echevarría, Uso de Penumbra et al. , in Brotéria, vol. 143, Ag;– Set. 1996; MARINHO, Maria de Fátima, A Poesia Portuguesa nos Meados do Século XX – rupturas e continuidades, Lisboa, Caminho, 1989; MARTINHO, Fernando B. Pessoa e a moderna poesia portuguesa – do "Orpheu a 1960, Lisboa, ICLP – ME, 1983; "Dez Anos de Literatura Portuguesa" (1974 – 1984)", in Colóquio/Letras, 78, Março 1984; Tendências Dominantes da Poesia Portuguesa da Década de 50, Lisboa, Edições Colibri, 1996. MORÃO, Paula, "O sombrio Lugar do Pensamento – F. Echevarría, Fenomenologia, Expresso, 25 Maio 1985; Viagens na Terras das Palavras, Lisboa, Edições Cosmos, 1993. NUNES,Etelvina Pires Lopes, "Emmanuel Levinas e Fernando Echevarría: uma aproximação", in Revista Portuguesa de Filosofia da UCP, Braga, 1992; REYNAUD, Maria João, "Fernando Echevarría, Figuras, in Colóquio/Letras, 107, Janeiro – Fevereiro 1989; ROSA, António Ramos, "Fernando Echevarría e o espaço imaginário", in A Poesia Moderna e a Interrogação do Real, I, Lisboa, Arcádia, 1979; "O Conceito de criação na poesia moderna – tópicos para um itinerário", in Colóquio/Letras, 56, Julho 1980; "Fernando Echevarría: entre o movimento e a imobilidade", in Incisões Oblíquas – Estudos sobre a Poesia Portuguesa contemporânea, Lisboa, Caminho, 1987; "O Espaço da Morte", in JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias -, Lisboa, 22 Junho 1993; "Fernando Echevarría Poesia 1956 – 1979 e Poesia 1980 – 1984, in Colóquio/Letras, 135 – 136, Janeiro – Junho 1995; SAN – PAYO, Patrícia, "O valor da voz passiva" Poesia 1956 – 1979, in Expresso , "Revista", 20 Janeiro 1990; SIMÕES, João Gaspar, "Fernando Echevarría Entre Dois Anjos, in Crítica II, Poetas Contemporâneos (1948 – 1961),Lisboa, Delfos, s/d. "O Primeiro Poema Abstracto", in "2o Caderno de Cultura", Diário de Notícias, Lisboa, 24 Set. 1981.

Sobre a sua obra diz Robert Bréchon em La Littérature Portugaise de Georges Le Gentil:

«L'euvre que Fernando Echevarría (1929) édifie avec patience depuis plus de trente ans n'a pas d'équivalent dans la poésie européenne d'aujourd'hui. À demi espagnol, d'abord destiné à la prêtrise, vivant depuis longtemps à Paris, il trace d'un trait sûr, dans une forme impeccable (beaucoup de ses poèmes sont des sonnets), les figures de la transcendance et du sacré. Rien de circonstanciel, de sentimental ou de sensuel dans cette poésie cérébrale, même pour célébrer un objet, un paysage, un corps. Certains de ses titres semblent des provocations: Introduction à la philosophie, De l'épistémologie, Discours de la méthode, Phénoménologie, etc. Mais le poète ne "traite" pas des sujets philosophiques, il dessine, en vers, les blasons des divers modes de connaissance. Exprimant des idées abstraites à l'aide de métaphores, d'allégories et de toutes sortes de procédés rhétoriques, il énnonce la dialectique de la présence et de l'absence d'être. Et cette poésie plus prophétique que didactique n'est pas exempte d'une émotion mystique: elle chante la condition de l'homme vivant "dans la mémoire de Dieu».




ANTOLOGIA BREVE


SOBRE AS HORAS


Ver-te dourava
o corpo da pupila.
A sombra. E as estátuas
por onde ver-te vinha
animal. E parava
redondo na retina.

*

O grande movimento era-nos sempre
margem de olhar um rio.
Ia-se-nos perdendo
ver algum navio
entrar nas águas de tê-lo
alguma vez ouvido.
Ou, se quiserem, havia o movimento.
E, à volta dele, o rio
estava perto de sermos
lugar. Ponto de frio
de onde os amantes sempre
partiram esquecidos.

Sobre as Horas


A BASE E O TIMBRE

Iluminar-se a análise
por trás de cada ponto da pupila
desembacia a base
de ver. E ver culmina
na ordem luminosa por onde as mãos se fazem
inteligência que desliza
e arde quase
no material que surge análise
da ciência divina.
*
Benzo-me em nome da melancolia,
ciência teológica que funda
sermos a história reflectida
de não haver nenhuma,
senão a de um espelho que ilumina
os pensamentos da sua face pura
e onde sermos pensados nos inclina
a ver história onde só há leitura
do esquecimento e da melancolia,
ciêncas da lógica absoluta.

A Base e o Timbre

FIGURAS


A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento.

I
À noite, os animais que tinham ido
beber o brilho que lhe vem da noite,
paravam a cheirar. E a ouvir o ruído
crescer do sítio de onde corria a fonte.
À noite os animais eram antigos.
E, à volta deles, tudo o mais que fosse
assentava na sombra. E estendia um sítio
onde o tempo crescia para longe.


II

A luz dos animais sobe da negra
solidão que os estrutura.
E os constrange à tristeza
dessa escuridão primordial que os funda.
A luz dos animais sobe. Segrega
o conciso halo de enxúndia
com que a lavração da gleba
percorre os membros da corpulência nua.
E a luz dos animais pára. Os assenta
dentro da exterioridade pura
de os vermos sós. Na certeza
do peso ruminante da estatura.

Figuras



Vai distraído. O ângulo
mensura o ritmo de desfasamento
de que surge a deriva crepuscular do espaço
quando é mais tensa a altura do silêncio.
Vai distraído. Vai iluminado
pela crueza de lugar que o vento
enreda a seus pés, deixando
toda a espessura do sono ao movimento.
Vai distraído. E a distracção é um santo
país de conhecimento.

*

O sopro dos retratos cada instante
à substância de havê-los se ilumina.
Que surdem todos dessa antiguidade
que vem acima
varrer vestígios de irmos de passagem
onde se oculta a ondeação de enigma.
O sopro dos retratos é quase luz. Ou quase
penumbra de tez. Em vias
de modular a ebúrnea claridade
de forma a subsistir a nostalgia
de estarmos indo para a antiguidade
que o sopro dos retratos traz acima.

Figuras


SOBRE OS MORTOS



IN MEMORIAM


a meu pai


Cada dia te víamos andando
mais para dentro de ti mesmo. O tempo
ia ficando parado
à medida que o sangue, mais pequeno,
circulava num espaço
que já era seu próprio esquecimento.
A certa altura, a placidez do campo
lavrava teu rosto. Que terreno
era então ver-te olhando,
como se olhar e o fio do centeio
fossem a luz do ano
com nostalgia de parecer eterno.
Foi essa a idade em que haver sido amado
pelo pão, pelo vinho e pelo vento
te trouxe a crestação com que o trabalho
deu tez ao sonho, e honradez e peso
a ficares assim, em paz sentado,
marceneirando teu próprio pensamento.
E, aos poucos, por ele madrugando,
seguiste ainda mais por ele adentro,
de forma que, hoje, nem te vemos. O halo
onde foste minguando é só aceno
de quem se foi pensando
até ao outro lado de si mesmo.

Do outro lado de si mesmos, cantam.
Desde outra margem sua voz arriba,
imperceptivelmente alcandorada
nessa tensão em que o cristal é cima.
Como essa margem se está excedendo. Que alta
se cumpre a melodia
por onde a inteligência fundou haver montanhas
de que nos chega somente a nostalgia.
Que as vozes que, do outro lado de si mesmas, cantam
deixam os ecos propagar-se à santa
alcandoração da disciplina.

Sobre os Mortos


USO DE PENUMBRA



INTERIOR

Os espelhos estudam pelo inverno
o brilho do seu timbre envelhecido.
Auscultam nimbos últimos. No intento
de sugerirem cantos, quando os vidros

ângulos abrem fundos ao silêncio
e o crescimento dum lugar antigo.
A luz, depois, recolhe-se ao momento
de estar ensimesmando os tempos idos.

Que, frágeis, fulgem, quase nem reflexos
de um mundo sonolento de vestígios.
Depois ainda, a superfície um vento

esculpe. Efígies e apagados signos
adormecem em paz. Enquanto o espelho
atento guarda a escuridão do sítio.



VÉNUS

Subleva-se no verbo uma brancura
onde sucumbem subtis
trampolins de alvaiade com que a espuma
se exalta na penumbra e nos quadris.

E impugna o púbis. O assusta quase
no aperto da sua tumidez
batida pelo mar feliz da frase
que se ergue do triunfo do que fez

com Vénus firme a resistir ao meio
da onda aonde se debate a trança.
E de onde o desafio do seu seio

emerge, enquanto o justo ritmo avança
na só brancura duma espuma escrita
que ambas instrui e que uma só visita.



ULTIMA CANÇÃO

Uma alegria a atravessar a pena.
Enquanto a pena se desembacia
e a sua luz deixa a negrura, que era
tão invisível. Mas transparecia.
Uma alegria que pesa.
Sobe, difícil, pela paz. E brilha
a despedir-se do amor da orquestra
indo a um silêncio que quase ainda trila.
Depois, quando a alegria cessa de estar sujeita
ao peso da atmosfera, sobe ainda.
E deixa a base do silêncio aberta
para a pena impregnar sua alegria.

Uso de Penumbra




GEÓRGICAS

(Três poemas)


Da nossa própria noite se levanta
aquela imóvel espécie de negrura
onde tudo é possível – as galáxias,
ou pulsar nulo de galáxia alguma.
E até a expansão, a criar alta
invisibilidade. Mas que suga,
quanto o assunto for mais denso, a graça
de um maior brio de altura.
E a outra noite pela nossa canta,
não luzes de prestígio, a só penúria
que, quase instrumental, se exerce. Instaura
um dentro fora de dimensão alguma.
E é de aí que a noite se levanta
e o mundo da insistência continua.

p. 9




Tem a secura virtual do luto
a sua luz implícita.
E o ímpeto convulso
que há-de inflamar a energia
do estrépito compacto. Para o susto
percutir a dureza de faísca.
Alastra estar para eclodir o mundo.
Ou, nem nebulação de massa ainda,
essa iminência de secura e luto
condensa acaso o seu rastilho estrita.

p. 11



A luz inerte susta
o horizonte. Baixo
negrume de caruma
surpreende-se por trás do
nevão. Aonde, escura,
a mágoa afunda o pasmo.
E este o bosque. A oculta
Imensidade de halo
Que a luz inerte susta,
exígua, como o campo.

p. 106


Fernando Echevarría, Geórgicas, Porto, Afrontamento, 1998.


Voltar à página inicial

Site apoiado pelo Alfarrábio da Universidade do Minho | © 1996-2015 Projecto Vercial