Filomena Cabral nasceu no Porto em 1944. Poeta, ficcionista e jornalista, viveu em Angola na década de 60. Foi co-fundadora da revista Serpente. Apesar de ter começado pela poesia (1976), revela-se plenamente na ficção, sobretudo a partir do romance Tarde de mais Mariana (1985). Tem colaborado em vários jornais e revistas, destacando-se O Primeiro de Janeiro, Jornal de Notícias, O Comércio do Porto, Diário de Lisboa, Jornal de Letras e Letras & Letras.
Tem sido convidada a participar em festivais Internacionais de Poesia (Yverdon Suíça e Strugga Macedónia), em congressos internacionais de língua e literatura portuguesa (Universidade de Santiago de Compostela, Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de São Paulo Assis, Pontifícias Universidades de São Paulo e Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal de Campinas).
Ganhou o Prémio Especial de Literatura Portuguesa 1993, da Associação Paulista de Críticos de Artes, São Paulo, Brasil. A Câmara Brasileira do Livro (Brasília) atribuiu-lhe um Diploma de Mérito Cultural em 1994, pela presença na Feira Internacional de Cultura de Brasília. Foi nomeada sócia da Academia Lusíada de Ciências Letras e Artes, em São Paulo.
Obras publicadas: Sol intermitente (Porto, 1976); Poemas do Amor e da Morte (Porto, 1977); Muxima (Porto, 1979); Iluminuras (Lisboa, 1987). Ficção Staccato (novela, Porto, Brasília Editora, 1981); Os Anjos andam nus (Lisboa, Ed. Ulmeiro, 1985); Tarde de mais Mariana (romance, Prémio ICentenário do BB&I; Porto, 1985 2ª edição, 1986, Ed. Afrontamento); Um Homem de Sonho (novela, Lisboa, Ed. Rolim, 1986); Elegia para um Corpo Adormecido (Porto, Ed. Afrontamento, 1988); Maldamor (romance, Lisboa, Pub. Europa-América, 1988); Amatus (Porto, Ed. Afrontamento, 1990); Obsidiana (romance, Pub. Europa-América); Finale (Porto, Ed. Afrontamento, 1992); Prantos (romance, Lisboa, 1990; Prémio Eça de Queirós, 1ª menção, Câmara Municipal Lisboa, 1992, Difel); Madrigal (romance. Prémio da Associação Paulista de Críticos de Artes, Brasil; Lisboa, 1993, Difel); Angola, no entretanto do tempo, Urila-o-kimbi (novela, Lisboa, Difel, 1994); Um Amor Cortês (romance, Porto, Campo das Letras, 1996; Rio de Janeiro, Bertrand/Brasil, 1997); Em Demanda da Europa (romance, Porto, Campo das Letras, 1997); Viagem. Memória e Sertão e Ouro. Honor, Corsários, Ilusiones (dois romances em conjunto, Lisboa, Difel, 2000); O Grito da Garça (teatro, Campo das Letras, 2001); Mar Salgado (Difel, 2002); Oklahome Blue (romance, Campo das Letras, 2005); A Noite Transfigurada (romance, Edições Afrontamento, 2006); Ornato Cantabile (romance, Edições Fólio, 2007); Vertigem (romance, Editorial Teorema, 2009); Ardor Selvagem (romance, Edições Afrontamento, 2010); Os Pavões de Gori (romance, Editorial Teorema, 2010).
UM AMOR CORTÊS
(...) É, Um Amor Cortês, um romance construído sob a forma de ensaio, a partir de uma alegoria feita sobre a narrativa romanesca do amor cortês. insinuando-se nesta obra, neste romance, um traço bem próprio da ficção pós-moderna que é a modelização paródica, modelização essa muito bem conseguida (...) Há uma espécie de encenação do poder criativo da escrita, que é o poder de nomear, criativo, de resto; logo nas primeiras páginas, a propósito de uma personagem, diz: "Nomeio-a, com toda a clareza, e na medida em que o faço tomo posse dela, num exercício primevo de domínio", e acrescenta: "Ordenei que abrisse a porta primeira. Empunhou a chave, O tempo rodou...", ai está encenada a criação, a narrativa (...) A formulação alegórica contida neste romance é o pretexto para uma re-elaboração da História, a História portuguesa que se torna fábula, que se torna narrativa, assim se incorpora Um Amor Cortês num filão da actual ficção portuguesa que se fixa num Portugal mitificado do passado, o Portugal da verdadeira Portugalidade secular, hoje em ruínas, que só a phala portuguesa poderá resgatar (...)
Surge neste romance, como nos dois anteriores, especialmente em 'Madrigal', o Anjo da História interpretado por Walter Benjamin, que atravessa o texto, a metáfora do anjo da História a atravessar o romance; o pessimismo da visão da História, de Benjamin, para quem o progresso implica sempre destruição, impregna esta trilogia do começo ao fim, como uma espécie de metáfora ao serviço da narradora para a leitura do presente, para a leitura de Portugal, e para ler no fundo, toda a cultura ocidental, mas, apesar do pessimismo implícito na visão da História de Benjamin, esse Anjo da História parece permitir uma brecha de esperança através do instrumento precioso que é a língua portuguesa (...).
Isabel Pires de Lima (UP), texto de apresentação do livro (fragmento), 1996
MADRIGAL
Este livro de Filomena Cabral é diferente dos outros (...) é um livro em que há uma protagonista que é escritora, várias vezes apresentada como tal, que medita e dialoga com duas personagens, uma é o profeta, outra o cavaleiro dos sonhos, mas esse profeta e esse cavaleiro (...) essas figurações várias vezes apresentam programas, raciocínios, e o livro, todo ele, é apresentado como sendo um diálogo tríplice de duas personagens e da personagem central, a qual não e inteiramente una visto que há diversos avatares, diversas configurações da personagem (...).
É Madrigal uma peregrinação histórica e geográfica. Na peregrinação histórica. percorremos Platão. Ovídio. faz-se referência à Chanson de Roland a Arnaut Daniel, de que é transcrito o verso do madrigal, "estão mortos os que não amam", e que serve de mote a todo o livro. A personagem central é designada como sendo Angélica; angélica aqui tem vários significados, sendo sugerido o nome, por exemplo por Angelus Novus, de Paul Klee, acerca da qual Walter Benlamin escreveu uma meia página que ficou, sendo pois um nome que equivale a uma personagem (...). Segundo a interpretação de Walter Benjamin do quadro de Klee, o progresso tem uma contrapartida que é a destruição, e acontece que o anjo está voltado para o passado, vendo portanto o aspecto negativo de tudo; a visão é fundamentalmente pessimista, é-o em Walter Benjamin e também em Madrigal, há uma dialéctica entre progresso e regresso que se levanta a cada tempo, como em W. Benjamin; aliás, Benjamin é aqui muito importante, o livro é muito influenciado pelo pensamento dele, é de W. Benjamin que se tira a caracterização de Baudelaire, como a ideia de que há uma alegoria (mais profunda que a barroca) que vê a morte de tora para dentro.
Por outro lado, o livro passa-se no tempo e simultaneamente não se passa no tempo, quer dizer, tudo é concebido como sendo uma metáfora, a personagem sente-se a viver no sonho de outrem, e por outro lado a personagem habita uma metáfora, o romance é uma metáfora construída de dentro para fora (...) e no meio de tudo isto há qualquer coisa que aparece constantemente, a experiência de vida angolana, a vida de Luanda, reaparece três vezes, como paisagem com a função de uma lugar eterno (...) O livro é o próprio romance a escrever-se, a própria fantasia a produzir-se, a própria experiência literária a consuma-se (...), a romancista refere a produção artificial, no pequeno mito, o dos rosavos, os novos escravos, artificialmente produzidos (...). Uma figura que é frequentemente usada, a ironia. é mais uma vez utilizada. A autora aproxima a ironia que está a construir da ironia romântica, nomeadamente da obra romântica alemã em que o autor se descobre si próprio.
(...) A parte final, toda ela, é de reflexão acerca da História, acerca do determinismo, acerca de qual o destino, mas tudo isto do ponto de vista de uma escritora. (...) Ficamos perante uma obra de meditação (...) diante de um romance da actualidade, um romance dos tempos que estamos a viver. Este livro inaugura uma fase, não há dúvida que se encerrou o ciclo anterior.
Óscar Lopes (UP) texto de apresentação do livro (fragmento), em Janeiro de 1994.