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Gabriel Pereira de Castro


Gabriel Pereira de Castro (1571-1632) nasceu em Braga e faleceu em Lisboa. Ordenado presbítero, estudou Direito em Coimbra, foi professor, desembargador do Porto e da Casa da Suplicação, corregedor do Crime e procurador-geral das Ordens Militares. Escreveu vários tratados de Direito, poesias em português, latim e espanhol, assim como o poema heroico em oitava rima Ulisseia ou Lisboa Edificada publicado por seu irmão, Luís Pereira de Castro, em 1636.

Obras: Decisiones Supremi, Eminentissimeque Senatus Portugalliae (Lisboa, 1621); De Manu Regia Tractatus (2 tomos, Lisboa, 1622-1625); Ulisseia ou Lisboa Edificada (Lisboa, 1636); Monomachia sobre as Concórdias que os Reis Fizeram com os Prelados de Portugal (Lisboa, 1738).




Gravura da edição da Ulisseia

ULISSEIA OU LISBOA EDIFICADA

CANTO I

As Armas e o varão que os mal seguros
Campos cortou do Egeu e do Oceano,
Que por perigos e trabalhos duros
Eternizou seu nome soberano:
A grã Lisboa e seus primeiros muros
(De Europa e largo Império Lusitano
Alta cabeça), se eu pudesse tanto,
À Pátria, ao mundo, à Eternidade canto.

.............


CANTO VII

No mais fundo do Tejo um sumptuoso
Palácio o Rio habita, de luzentes
Satiras e cristal puro e lustroso,
Que as paredes faziam transparentes.
Aqui foi avisado o Tejo undoso
Que junto de suas líquidas correntes
Ulisses numa lapa repousava,
E logo o centro pelo ver deixava.

Manda um Tritão, que do húmido aposento,
De escamas de ouro lúcidas vestido,
Saindo fora, dê sonoro alento
Co'a negra boca a um búzio retorcido.
Voa nas asas do ligeiro vento
0 som por várias partes repetido;
Deixam as naturais concavidades,
Para acudir, as húmidas Deidades.

De vestes roçagantes, e luzidas
De um cristal mole e moles esmeraldas,
Um sai vestido, e outro guarnecidas
De escamas de ouro as nítidas espaldas.
Outros camisas brancas têm vestidas
De congelada escuma, e nas grinaldas
As Ninfas vão aljôfar enlaçando
No coral fino, em suas ondas brando.

Chegam aonde o Tejo os esperava
Num sólio altivo, claro e preeminente,
Na sala cujo tecto carregava
Em colunas de massa transparente.
Ali sobre urnas de ouro se encostava,
Saindo de cada uma uma corrente;
Por falar-lhe a cabeça sacudia
E o chão de aljofre e pérolas cobria.

Conta-lhe como Ulisses é chegado
E à Lusitânia um século famoso
Em que há-de ser do Tejo subjugado
De ambas as Tétis o temido esposo;
Que quer ir visitá-lo acompanhado
Das Deidades do rio caudaloso.
Todos o aprovam e ele, nesse instante,
Os passos move; os Deuses vão adiante.

Pisando sai as húmidas areias
O velho Rio, numa verde cana
Arrimado, entre o coro das Nereias,
Coroado de junco e de espadana.
As Náiades famosas e as Napeias
Descem das fontes de onde o Tejo mana;
Vão com ele as Oréades e as Drias
E a verde alma das plantas Amadrias.

Mil vezes salve, ó Ulisses venturoso,
Ao sábio Grego diz o antigo Rio,
Que este porto será por ti famoso
Da plaga austral além do Norte frio,
Quando os peixes de prata c mar furioso
Reconheçam meu largo senhorio,
Quando vencedor pise o Tejo ufano
A cerviz dura ao túmido Oceano.

Ergue a nobre cidade, e não te espante
O grão furor de Górgoris valente,
Por minhas ondas passarás avante,
Onde armas acharás e ousada gente.
Eu por guia te irei sempre diante,
Humilhando esta túmida corrente,
Que quando este ditoso peso a oprima
Correrão minhas ondas para cima.

Mandou então o Rio venerando
A Legeia, que toque a doce lira
E o suave instrumento acompanhando
Co'a branda voz que o Céu e a Terra admira
Reconte a profecia que, cantando,
Os segredos do Fado a Prótio ouvira,
Como abriria à lusitana gente
O mar, té as roxas portas do Oriente.

Canto VII, 60-68


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