D. João Gonçalves Zarco da Câmara (1852-1908) nasceu e faleceu em Lisboa. Formou-se em engenharia no Instituto Industrial e trabalhou na administração dos Caminhos de Ferro. Dedicou-se à dramaturgia e ao jornalismo, tendo sido considerado o maior dramaturgo da geração finissecular. Escreveu cerca de quarenta peças de teatro, entre traduções e adaptações de romances, como o Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco.
Obras: Teatro Nobreza (1873); D. Brízida (1888); D. Afonso VI (1890); Alcácir Quibir (1891); O Burro do Senhor Alcaide (1891); Os Velhos (1893); Pântano (1894); A Toutinegra Real (1895); O Ganha-Perde (1895); O Beijo do Infante (1898); Rosa Enjeitada (1901); Os Dois Barcos (1902); O Poeta e a Saudade (1903); Casamento e Mortalha (1904); Meia-Noite (1909). Prosa El-Rei (1895); O Conde de Castelo Melhor (1903); Contos do Natal (1909). Poesia A Cidade (1908).
D. João da Câmara segundo Raul Brandão
D. João da Câmara é um dos maiores dramaturgos portugueses: as suas obras ficarão no nosso teatro porque são profundamente humanas. E ele não dispõe de grandes efeitos: a sua arte não arrasta pelo tablado mantos de púrpura; pelo contrário, quase sempre traz um vestido tão coçado que se lhe vê - a alma imortal. Porque os farrapos desfazem-se, leva-os o vento: a alma não; essa é eterna.
E dia a dia este grande escritor avança no caminho da Verdade: os tipos dos seus dramas, à medida que descem na escala social, enchem-se de grandeza. A piedade transborda-lhe da alma e ilumina-lhe todas as figuras.
Poucas peças modernas resistirão ao tempo: mais alguns anos e serão velharias de museu. Diversa será, porém, a sorte dos Velhos, da Triste Viuvinha, da Meia Noite e da Rosa Enjeitada, que é um dos mais belos dramas que eu tenho visto na minha vida.
É que D. João da Câmara é um poeta e os poetas adivinham: sabem onde se encontra a verdade e vão descobri-la através de todas as máscaras. As vezes sofrem. Melhor: tinta espalhada sem dor, só tinta fica.
E como é uma rápida impressão que me pedem, eis o que sinto ao ouvi-lo ou ao lê-lo, depois de ter passado pela barafunda de tantos literatos, todos eminentes, e que me enchem de admiração e de cansaço: parece que topo uma fonte, aberta em rocha viva, donde corre um fio de água límpido e frígido como um fio de lágrimas. Apaga-me a sede!
Raul Brandão, Álbum Áçoreano, 1903