João de Deus de Nogueira Ramos nasceu em São Bartolomeu de Messines, Algarve, no dia 8 de março de 1830 e faleceu em Lisboa no dia 11 de Janeiro de 1896. Frequentou o curso de Direito na Universidade de Coimbra e, acabado o curso, dedicou-se ao jornalismo e à advocacia em Coimbra, Beja, Évora e Lisboa. Ligado inicialmente ao ultra-romantismo, depressa o abandonou seguindo uma estética muito própria. As suas poesias foram reunidas na colectânea Campo de Flores, publicada em 1893, incluindo-se nesta duas obras anteriores: Flores do Campo e Folhas Soltas. Dedicou-se à pedagogia, resultando daí a Cartilha Maternal, publicada em 1876 e tendo como fim o ensino da leitura às crianças. Foi um dos grandes amigos e admiradores de Antero de Quental.
A VIDA
Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
a luz que nesta vida me guiava,
olhos fitos na qual até contava
ir os degraus do túmulo descendo.
Em se ela anuviando, em a não vendo,
já se me a luz de tudo anuviava;
despontava ela apenas, despontava
logo em minha alma a luz que ia perdendo.
Alma gémea da minha, e ingénua e pura
como os anjos do céu (se o não sonharam...)
quis mostrar-me que o bem bem pouco dura!
Não sei se me voou, se ma levaram;
nem saiba eu nunca a minha desventura
contar aos que inda em vida não choraram ...
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A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
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AROMA E AVE
Eu digo, quando assoma
o astro criador:
Deus me fizesse aroma
de alguma pobre flor!
E digo, quando passa
uma ave pelo ar:
Deus me fizesse a graça
de asas para voar!
Aroma da janela
me evaporava eu,
me respirava ela
e me elevava ao céu!
E quem, se eu fosse uma ave,
me havia de privar
a mim da luz suave
daquele seu olhar?
ADORAÇÃO
Vi o teu rosto lindo,
esse rosto sem par;
contemplei-o de longe, mudo e quedo,
como quem volta de áspero degredo
e vê ao ar subindo
o fumo do seu lar!
Vi esse olhar tocante,
de um fluido sem igual;
suave como lâmpada sagrada,
bem-vindo como a luz da madrugada
que rompe ao navegante
depois do temporal!
Vi esse corpo de ave,
que parece que vai
levado como o Sol ou como a Lua,
sem encontrar beleza igual à sua,
majestoso e suave,
que surpreende e atrai!
Atrai, e não me atrevo
a contemplá-lo bem;
porque espalha o teu rosto uma luz santa,
uma luz que me prende e que me encanta
naquele santo enlevo
de um filho em sua mãe!
Tremo, apenas pressinto
a tua aparição;
e, se me aproximasse mais, bastava
pôr os olhos nos teus, ajoelhava!
Não é amor que eu sinto,
é uma adoração!
Que as asas providentes
do anjo tutelar
te abriguem sempre à sua sombra pura!
A mim basta-me só esta ventura
de ver que me consentes
olhar de longe... olhar!
ESTRELA
Estrela que me nasceste
quando a vista mal te alcança
nessa abóbada celeste,
onde a nossa alma descansa
a sua última esperança...
Estrela que me nasceste
quando a vista mal te alcança!
Antes nascesses mais cedo,
estrela da madrugada,
e não já noite cerrada...
Que até no céu mete medo
ver essa estrela isolada...
Antes nascesses mais cedo.
estrela da madrugada!