José Simões Dias (1844-1899) nasceu na Benfeita, Arganil, e faleceu em Lisboa. Professor e deputado, especializou-se no estudo da literatura espanhola, em especial no mito de D. Juan, tendo publicado alguns artigos sobre o assunto na revista Panorama. Além desta revista, colaborou com alguns poemas na Folha dirigida por João Penha, seguindo muito de perto o Parnasianismo. Notam-se influências do Ultra-Romantismo e do Realismo, em especial nas suas obras de ficção. Reuniu e prefaciou os Contos de Álvaro do Carvalhal.
Obras: Poesia Peninsulares (1876). Ficção Figuras de Cera (1898); Figuras de Gesso (1906). Estudos: A Espanha Moderna (1877).
O TEU LENÇO
O lenço que tu me deste
Trago o sempre no meu seio,
Com medo que desconfiem
Donde este lenço me veio.
As letras que lá bordaste
São feitas do teu cabelo;
Por mais que o veja e reveja,
Nunca me farto de vê-lo.
De noite dorme comigo,
De dia trago o no seio,
Com medo que os outro saibam
Donde este lenço me veio.
Alvo, da cor da açucena,
Tem um ramo em cada canto;
Os ramos dizem saudade,
Por isso lhe quero tanto.
O lenço que tu me deste
Tem dois corações no meio;
Só tu no mundo é que sabes
Donde este lenço veio.
Todo ele é de cambraia,
O lenço que me ofereceste;
Parece que inda estou vendo
A agulha com que o bordaste.
Para o ver até me fecho
No meu quarto com receio,
Não venha alguém perguntar-me
Donde este lenço me veio.
A cismar neste bordado
Não sei até no que penso;
Os olhos trago os já gastos
De tanto olhar para o lenço.
Com receio de perdê-lo
Guardo o sempre no meu seio,
De modo que ninguém saiba
Donde este lenço me veio.
Nas letras entrelaçadas
Vem o meu nome e o teu;
Bendito seja o teu nome
Que se enlaçou com o meu!
Por isso o trago escondido,
Bem guardado no meu seio,
Com medo que me perguntem
Donde este lenço me veio.
Quanto mais me ponho a vê lo,
Mais este amor se renova;
No dia do meu enterro
Quero levá-lo p'ra cova.
Vem pô-lo sobre o meu peito,
Que eu hei-de tê-lo no seio;
Mas nunca digas ao mundo
Donde este lenço me veio.
Peninsulares
A TUA ROCA
Quando te vejo à noitinha
Nessa cadeira sentada,
Xaile cruzado no peito,
Na cinta a roca enfeitada.
Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca segredos.
Eu digo, sem que tu oiças,
Pondo os olhos na tua roca:
Se eu um dia fosse estriga,
Beijaria aquela boca!
Que eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabelos!
E aquela fita de seda
Com que enleias o fiado,
Irmã do lencinho verde
Que trazes no penteado?
Parece aquilo um abraço
De um amor que é todo nosso,
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço!
É por isso que eu murmuro
Vendo a fita que se enreda:
Quem me dera ser a estriga,
E ela a fitinha de seda!
Eu já sei o que sinto,
Se tristeza, se ventura,
Mal que suspendes a roca
Da tua breve cintura!
Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida,
Ao pé de ti sempre curta,
Ao longe sempre comprida!
Pareces-me um ramalhete
Sentada nessa cadeira,
E a fita da tua roca
A silva de uma roseira.
Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga
E ouvires por alta noite
Soluçar uma cantiga,
Sou eu que estou a lembrar-me
Da tua divina boca,
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca!
Peninsulares