Projecto Vercial

Manuel Laranjeira


Manuel Laranjeira

Manuel Laranjeira (1877-1912) nasceu em São Martinho de Moselos, Vila da Feira, de uma família modesta. É graças à herança recebida depois da morte de um tio brasileiro que Manuel Laranjeira prossegue estudos e consegue formar-se em Medicina na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Dedica-se desde novo à poesia e ao teatro, colaborando em diversas publicações periódicas, como a Revista Nova, A Arte e O Norte. Viaja entretanto até Madrid, visitando o Museu do Prado e mostra interessa em fixar-se em Paris onde se encontrava o pintor Amadeo de Souza-Cardoso, seu amigo. Em 1908 conhece Miguel de Unamuno na cidade de Espinho, trocando com ele correspondência. Troca também correspondência com João de Barros, António Patrício, Afonso Lopes Vieira, entre outros. Em 1912, desesperado com a doença (uma sífilis nervosa), suicida-se com um tiro na cabeça.

Obras: ...Amanhã. (Prólogo Dramático); A Doença da Santidade (1907); Comigo. Versos dum Solitário (1912); Naquele Engano d'Alma, Cartas (1943); Diário Íntimo (1952); A Cartilha Maternal e a Fisiologia, Dor Surda (novela, 1957); Prosas Perdidas (1958).




COMIGO. VERSOS DUM SOLITÁRIO


Quando os outros te não entenderem fala contigo mesmo.


A TRISTEZA DE VIVER
(para a Ex.ma Sra. D. Dalila dos Reis Ferreira)

Ânsia de amar! oh ânsia de viver!
Uma hora só que seja, mas vivida
e satisfeita... e pode-se morrer
– porque se morre abençoando a vida!

Mas ess'hora suprema em que se vive
quanto possa sonhar-se de ventura
oh vida mentirosa, oh vida impura
esperei-a, esperei-a, e nunca a tive!

E quantos como em a desejaram!
E quantos como eu nunca tiveram
uma hora de amor como a sonharam!

Em quantos olhos tristes tenho eu lido
O desespero dos que não viveram
Esse sonho de amor incompreendido!



NA RUA

Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha..

Minha sempre! – E em voz baixinha:
– "Tua ainda além da vida!..."
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.

Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco...
E o grande amor, afinal,

(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
– como uma tarde em Setembro...



DIÁLOGO COM UM FANTASMA:

– "Ó fantasma de alguém que soube amar
e teve um coração grande e perfeito,
porque é que vens agora soluçar,
muito abraçada a mim, quando me deito?

Porque é que tu me beijas a chorar
e me apertas calada contra o peito,
ó morta que me vinhas visitar,
debruçada a sorrir sobre o meu leito?"

E o fantasma responde-me alterado:
– "Eu sofro porque sofres. Desgraçado,
vais gozar a desgraça de viver...

Agora que tu amas, é que a vida
te dirá como é vá e aborrecida,
sem ninguém que nos possa compreender..."



CARTA A NINGUÉM

Não tornes a queixar-te! Se morreu
aquele grande amor e malfadado,
porque o mataste, filha? Ai! o culpado
bem vês que não fui eu...

Julguei-te abandonada, solitária:
quis fazer da tu'alma a ideal
e doce irmã da minha... e afinal
ela era como as outras – ordinária...

Não tornes a queixar-te mais de mim!
Eu não te posso amar: amar assim,
como os outros, não sei... era um engano...

Foi bem maior que a tua a minha dor:
tu sofreste o desamor,
mas eu, filha, sofri – o desengano...



PALAVRAS DUM FAN'TASMA

Aquela doce e mística suicida
que me visita pela noite morta,
vim agora encontrá-la à minha porta
esperando por mim, toda transida...

Prendeu-me nos seus braços desvairados,
longamente, em silêncio, como louca..
E ainda sinto o consolo dessa boca,
beijando-me nos olhos desolados....

Depois pôs-se a dizer-me em voz baixinha:
– "Bem vês, meu pobre amor, ela não tinha
um coração como eu...

Alma de sacrifício – nunca a viste
igual à minha!... e a minha não te deu
felicidade alguma... se isso existe..."



VENDO A MORTE :

Em tudo vejo a morte! e, assim, ao ver
que a vida já vem morta cruelmente
logo ao surgir, começo a compreender
como a vida se vive inutilmente...

Debalde (como um náufrago que sente,
vendo a morte, mais fúria de viver)
estendo os olhos mais avidamente
e as mãos prà vida... e ponho-me a morrer.

A morte! sempre a morte! em tudo a vejo
tudo ma lembra! e invade-me o desejo
de viver toda a vida que perdi...

E não me assusta a morte! Só me assusta
ter tido tanta fé na vida injusta
... e não saber sequer pra que a vivi!


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