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Luís Pereira Brandão


Luís Pereira Brandão nasceu no Porto entre 1530 e 1540 de uma família nobre e faleceu em data e local incertos. Seu pai fora capitão em Moluco, morrendo ma conquista de Monomotapa. Foi cavaleiro professor da Ordem de Cristo e acompanhou D. Sebastião a Alcácer Quibir. Capturado pelos Mouros, começou a escrever na prisão um poema em dezoito cantos e em oitava rima que descreve a desgraça de Alcácer Quibir e a morte lamentável do rei D. Sebastião. O poema viria a ser publicado em Lisboa no ando de 1588 com o título Elegíada e era dedicado ao Cardeal Alberto, governador de Portugal no reinado dos Filipes.




ELEGÍADA


PRINCIPIA A BATALHA

Agora, Virgem pura, alta Senhora;
Inspirai vós em mim üa voz divina,
Um novo alento com que cante agora
O triste fim da gente peregrina.
Cercada está de morte, mas bem fora
De passar polo jugo e paz candina.
Dá o Sol lume já extraordinário
Como quando temeu a Belisário.

Turba confuso a luz serena e clara
Como, quando mostrando altos segredos,
Cobre de dó a radiante cara,
Os Lídios investindo os bravos Medos.
A dor que mostra ali não se compara
A que causa no mundo tantos medos,
Quando a romana prole a espada ingrata
Por César e Pompeio disbarata.

E tendo já deixado o amado berço,
Coberto assi de pranto doloroso;
Passando quase já o diurno terço
O triste e escuro dia sanguinoso,
Dispara de improviso o férreo Berço,
O Falcão e Camelo temeroso,
O Leão, a Espera, a Culebrina,
Que parece que o mundo se arruína.

Saem polas bocas dos canhões ardentes
Espessas nuves, que se estão torcendo
Como rabos de Dragos e Serpences,
Vários nós fazendo e desfazendo.
Vão polo ar depois, em diferentes
Formas, castelos, montes parecendo,
Os pelouros cruéis causando entanto
A uns descanso eterno, a outros pranto.

Deixam por onde vão praça vazia,
Rodam robustos membros palpitando,
Vê o triste seu braço ou perna fria
Ir os próprios amigos derribando.
A cabeça do quarto que pendia,
Jesus parece estar pronunciando,
E o coração no bofe inda pegado
Ao doce nome se abre alvoroçado.

Onde o Cunha e Mesquita, que entenderam
Ser tempo de pôr fogo aos grossos tiros,
Animam bombardeiros que estenderam
Os braços, co'os morrões polos suspiros.
Aqui a terra, o mar e os céus tremeram
E voam polo ar fumantes giros,
Firmando-se os celestes movimentos,
Titubando um espaço os elementos.

CANTO XVII, 9-14


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