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Crónicas


António Mendes Moreira – As Minhas Charlas



Capítulo IV

I - Estão a ocorrer-me dois pensamentos políticos de Agostinho da Silva, que satisfazem bastante a minha independência, e sobretudo quando se acendem as campanhas eleitorais:

"Não te satisfaças com o programa de um partido: inventa melhor". "Partido é uma parte. Sê inteiro".

II - A agressividade violenta e o sensacionalismo rasteiro na televisão são deploráveis. Mas não é que na guerra das audiências, os combatentes até porfiam nisso?

Ligada ao Estado, porém, a RTP1 não deveria ler outra dimensão cultural?

III - Não será que as homenagens póstumas, espontâneas e imensas, a Madre Teresa de Calcutá, desde as diferentes crenças religiosas às mais diversas forças sociais e políticas existentes neste mundo, terão representado um acto de contrição pelos pecados cometidos contra o povo e designadamente contra os pobres de tudo, que ela soube amar como ninguém? E Diana, com a sua beleza, também não foi elevada aos céus terrenos como o símbolo do amor carnal sem grilhetas, para mais de braço dado com o amor ao próximo?

IV - Sempre gostei de dar o meu contributo à deleitação dos que me cercam ou, pelo menos, de assistir a ela nos mais distantes. Sim, tanto gosto de partilhar da felicidade de um par enamorado como da alegria de um vencedor.

V - O cérebro e o corpo humano têm potencialidades assombrosas e até inimagináveis. Não bastará observar o que se passa na ciência, na tecnologia, nas artes, nas letras, na magia, no circo, no desporto e sei lá no que mais?

VI - Agora, na reentrada literária, surgiram no JL excertos de cinco novos romances e uma novela dalguns dos nossos mais famosos escritores contemporâneos. Pois bem, salvo a escrita de dois deles, não estaremos, mesmo tratando-se de amostras exíguas, diante de uma lengalenga barroca, pouco sápida e pouco digerível? A mim, que para mais até gosto dos condimentos da sintaxe, parece-me.

VII - Isto do futebolismo e do politiquismo chega a ser escandaloso.

Quanto ao primeiro, não é que, num telejornal da RTP1 até puseram um treinador demissionário do Benfica a ler certo comunicado e o mais durante um quarto de hora?

Quanto ao segundo; mal Cavaco Silva abre o bico, logo surgem abalos sísmicos no PSD.

VIII - O tráfico e o consumo da droga estão imparáveis. Uma luta perdida? Não bastará ler as últimas estatísticas do Ministério da Justiça relativas à década de 1987 a 1996?

Mais: não é que no mundo ainda ninguém conseguiu vencer a droga? Mais ainda: não haverá que optar por outras soluções, que não a da repressão? Bom, sobre isso, já terei falado o quantum satis em devido tempo.

IX - Os socialistas do Porto, Braga e Viana do Castelo propõem que a região de Entre-Douro-e-Minho se venha a denominar de Norte Atlântico. Claro que aplaudo e apoio porque a minha tineta telúrica sempre procurou ter asas.

X - Jacques Gaillot, um prelado francês voltado ao futuro, acha que "o trabalho de um bispo é estar onde o povo sofre, onde o futuro do homem está em perigo". Mais: admirador de Gandhi e de Luther King, considera que "a não-violência é uma opção, não se decreta. É uma atitude, é um espírito. Existem na sociedade estruturas de violência que fazem com que as estruturas injustas suscitem reacções de violência, mas a violência do Estado e da sociedade existe primeiro. Se se suprimir esta violência, talvez se suprima a outra".

Adversário do celibato obrigatório dos padres, apoiante do sacerdócio das mulheres, julgador severo da Opus Dei, defensor dos excluídos e marginalizados, entende que há três desafios a enfrentar conjuntamente pelas religiões: promover a justiça perante um mundo injusto, combater pela paz e salvaguardar o ser humano.

XI - Antes de Maio de 68 tivemos pais autoritários. E daí os seus filhos terem passado hoje a ser pais permissivos? Afinal, dois males por se terem colocado nos extremos? Enfim, não será de desejar um meio termo, isto é, uma paternidade com autoridade dialogante?

XII - O óxido de carbono é hoje um dos maiores perigos para a humanidade. E porquê? Por ser o responsável pelo efeito de estufa.

A tal respeito, por exemplo, quando a China passar a consumir os combustíveis fósseis (petróleo e carvão) com a prodigalidade do mundo consumista, poderá estar comprometida a sobrevivência do planeta. Mais: não chegaremos sequer a dar conta do limite máximo da nossa prevaricação, pois nessa altura já tudo será irreversível.

Convenhamos: longe de mim ser pessimista para com os outros, porque sempre foi esse o meu lema, mas não será necessário que o bípede racional desperte de certo dolce farniente? E tanto que, se o problema da explosão demográfica não deverá preocupar-nos muito no próximo século, mesmo que subamos dos 6 biliões para os 10 biliões de pessoas, o problema do ambiente continuará muito gravemente em causa.

António Mendes Moreira, Paredes, 1998

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