Letras & Letras

Ensaios


A auctoritas do P.e António Vieira na cultura romântica de Oitocentos

Quem podia deixar de admirar Vieira? Quem não iria levado pela torrente de sua eloquência?

Almeida Garrett

1. A autoridade dum clássico no III Centenário da sua Morte

Este artigo é, de algum modo, motivado pela efeméride da comemoração do III Centenário da Morte de Vieira (1608-1697), devendo inserir-se no contexto mais amplo do regresso do/ao Barroco1, bem visível em variados estudos recentes sobre autores e obras deste período literário, reconhecidamente tão rico, mas ainda tão pouco estudado.

A obra do P.e António Vieira, com destaque para os seus Sermões, sobreviveu à sua morte e tornou-se um caso raro de perenidade influenciadora, própria dos grandes autores clássicos. Numa perspectiva romântica, pode-se afirmar que Vieira se transformou naquilo que podemos designar "valor absoluto, estético-ético" 2. Erigindo-se, sobretudo, como indiscutível mestre da Língua Portuguesa, Vieira aparecia aos olhos de muitos autores da 1ª metade do século XIX, digamos assim, genericamente, como um classicus scriptor, motivo de venerada admiração (in venerationem auctoris). Comprovemos, paulatinamente, esta ideia de Vieira como mestre da cultura oitocentista ao longo dos próximos parágrafos.

1.1. Estatuto de clássico e "auctoritas": A grandeza de um escritor pode-se aquilatar pela recepção literária e cultural que as suas obras alcançam junto dos leitores e escritores coevos e vindouros. A moderna Estética da Recepção sublinhou a importância da leitura que cada época faz da obra de um autor, de acordo com determinados horizontes de expectativas. Sujeita a complexas oscilações de gosto e de sensibilidades literárias, estéticas e culturais, a recepção literária de um escritor atesta a sua grandeza e perenidade e desencadeia, ao mesmo tempo, múltiplas leituras interpretativas, exemplificando assim o lapidar verso de Horácio acerca da imortalidade da obra literária (monumentum aere perenius). Muito simplificadamente, clássico é o que permanece.

Outra relevante característica das grandes obras é a sensação de cativante novidade, mesmo quando o leitor faz leituras repetidas da mesma obra. Como explica Italo Calvino, "reler" um clássico equivale a lê-lo pela primeira vez, tal é o prazer da descoberta proporcionado por cada leitura. Em última análise, um clássico "é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer". Lemos os autores clássicos para concluir a falta que eles nos faziam antes de os conhecer.

Assim, além de constituir um ganho de natureza estético-literária (leitura como experiência de beleza da arte verbal), a releitura dos clássicos configura-se como um acto vital – ler é conhecer e conhecer-se, ler é condição para viver melhor, para viver em plenitude. Em suma, reler hoje a obra de Vieira (ou ver como os românticos a leram), é concluir que os autores "clássicos" nos legam livros que "quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados e inéditos ao lê-los de facto" 3.

Procurarei demonstrar, com brevidade, a presença do P.e António Vieira no Romantismo português, uma poética teoricamente avessa a tradições e mais vocacionada para inovações. A obra vieiriana pode ser tomada como um caso paradigmático duma auctoritas que ultrapassa fronteiras histórico-culturais e estético-literárias. Neste sentido, e ao contrário de algumas apressadas caracterizações da poética romântica, talvez se possa dizer que a modernidade romântica não enjeitou a riqueza da traditio 4. Um autor clássico, como Vieira, institui-se, deste modo, como modelo do bom uso da língua, ou seja, como norma modelizadora. Os exercícios miméticos da aprendizagem escolar, foram, durante muito tempo, um meio privilegiado de assimilar a auctoritas de determinados autores consagrados. A referência e, sobretudo, a citação apresentam-se como formas de validação ou corroboração do discurso com exemplos normativos. A auctoritas é, assim, numa concepção algo estática da língua, uma forma de regular o uso corrente (consuetudo) e de o aproximar de uma prática normativa5.

Bem ao contrário do que levianamente se pode pensar, os românticos também leram (e admiraram) clássicos como Vieira. A presença da obra vieiriana só será compreensivelmente ultrapassada por outra grande figura clássica, esta de implicações simbólic-ideológicas para o imaginário romântico – Camões. Por mais revolucionários que fossem os seus propósitos de renovação artística e literária, os modernos não cederam à tentação obscurantista de apagar ou exorcisar a presença dos antigos. Aliás, não era natural que a geração romântico-liberal, e mesmo a que se lhe segue, se "alimentasse" do manancial dos clássicos como se nutria com o leite materno? Essa assimilação não os impedirá, depois, no contexto de uma peculiar edipiana ansiedade da influência (Harold Bloom), rejeitarem essa ascendência, por alguns tomada por contrária ao espírito novo. Deixemos, porém, para outra ocasião a abordagem desta questão vasta, complexa e atraente – a do classicismo dos românticos portugueses.

Deste modo, creio que se pode afirmar, com certeza, que Vieira não foi, nem podia ser, um autor esquecido pelo Romantismo português. Talvez se possa mesmo ilustrar e sistematizar a influência ou presença do grande orador barroco neste período, em dois tipos de funções: 1º) uma função morigeradora, predominante, por ex., nos excertos escolhidos para O Panorama – citam-se determinados trechos breves vieirianos para que o leitor possa inferir a moralidade (auctoritas ético-moral); 2º) uma função mais didáctica, a nível linguístico – as citações funcionam como exemplo do bom uso da língua portuguesa (auctoritas linguística).

Esta última função será explorada por alguns autores representativos da cultura e literatura românticas, sobressaindo a figura de D.Fr.Francisco de São Luís Saraiva, reputado historiador e filólogo. Por isso, não nos estranha constatar que, na modernidade do séc.XX, F.Pessoa, relacionando--o com o sonho luso do Quinto Império, afirmará, poeticamente, Vieira como o Imperador da língua portuguesa ; enquanto, na prosa, declarará sem rebuços: "António Vieira é de facto o maior prosador – direi mais, é o maior artista da língua portuguesa" 6.

Em síntese, afirmar que o Romantismo rompeu com a tradição, assente na multissecular mimesis, pugnando por uma literatura absolutamente nova e original, é uma asserção incontestável, mas que deve ser objecto de uma certa matização. Com efeito, como já sugerimos, o movimento romântico não fez (nem podia fazer) tábua rasa da riquíssima memória do sistema literário 7. Há que distinguir entre declarações de intenções, mais ou menos revolucionárias, como as que constituem alguns dos textos doutrinários do nosso Romantismo, da prática literária propriamente dita e o que lhe está implícito.

1.2. Algumas edições românticas de Vieira: Ao pretender contribuir para o estudo da presença da obra do P.e António Vieira no Romantismo Português, é oportuno dar uma ideia panorâmica sobre as edições da sua obra desde finais do séc.XVIII até à década de 70 da centúria seguinte. Ora, neste domínio, o que nos dizem os estudiosos da obra vieiriana é que as edições (completas ou parcelares) da sua obra foram, compreensivelmente, muito mais frequentes no séc.XVII do que nas décadas posteriores. Contudo, o influxo das novas ideias estéticas e literárias do Romantismo não apagou o nome de Vieira do panorama editorial português. Assim, como refere Serafim Leite8, no séc.XIX, apareceram várias edições da obra de Vieira, com realce para os sermões.

Uma edição de Sermões Selectos, em 6 vols., era publicada em Lisboa, pelos anos de 1852-53. Aliás, por estes anos, publicava-se também uma edição das Obras Completas de Vieira, em 27 vols. (Lisboa, 1854-58), que dedicavam 15 vols. aos sermões. As outras obras de Vieira também não foram esquecidas pela edição romântica: assim, por ex., em 1827, publicava-se, em Lisboa, uma edição das Cartas do orador, a que se seguem novas edições das Cartas, em 1838, 1854-55 ou 1871.

Alguns anos mais tarde, em 1872-75, vinha a público outra edição parcelar de Sermões Selectos do P.e António Vieira, também em 6 vols. Em 1877, era publicada uma outra antologia, contendo excertos dos sermões, intitulada Grinalda de Maria (Prosa do Padre Vieira / Verso de João de Deus). Já no final do século, e, portanto, já fora da cultura romântica propriamente dita, o P.e António Honorati publica o Crisóstomo Português, em 5 vols., apresentando Vieira como "continuador da grande eloquência dos grandes Padres da Igreja e, particularmente, de S.João Crisóstomo", segundo anotação do compilador 9. Aproximar Vieira do grande orador de Constan-tinopla, o boca de ouro, verdadeiro "ideal do pregador evangélico", é prestar homenagem ao gigante da oratória portuguesa. Podendo ser apresentado como "auctor" a ser "imitado com proveito", o P.e Honorati não deixa de colocar prudentes reservas a uma mimese demasiado subserviente (ver pág.X do vol.III): "Quanto, pois, à imitação, repito o que dizem todos os retóricos: não seja ela servil; porque o servilismo nunca fez obras de algum valor".

O século XIX não termina sem as comemorações do II Centenário da Morte do P.e Vieira. Aproveitando essa celebração, republicam-se textos de Vieira e editam-se alguns estudos sobre o a sua obra. Apenas dois exemplos: primeiro, temos informação (que não pudemos confirmar) de que, nesse ano de 1897, José Fernando de Leite elaborou um texto introdutório, intitulado "P.e António Vieira, notícia biográfica", para integrar a edição de Trechos Selectos do Padre António Vieira; no mesmo ano é republicado um estudo crítico de D. Francisco Alexandre Lobo, de que falaremos adiante.

Este brevíssimo e despretensioso apanhado sobre as edições românticas de Vieira parece-me no mínimo representativo da atenção que os leitores oitocentistas votaram à obra do orador jesuíta. Mas, concretizemos melhor a recepção de que Vieira foi alvo, na pena de alguns escritores, nomes mais ou menos relevantes no âmbito da cultura e literatura românticas.

2. Vieira na pena de J.Andrade Corvo e na formação de Garrett

É hoje mais ou menos consensual que o Romantismo português desempenhou, em vários aspectos, as funções de um Iluminismo tardio. Isso é bem patente na preocupação de divulgação e democratização da Arte e da Cultura em geral. Ora, parece-me que é precisamente neste contexto que devemos compreender a presença, até certo ponto inesperada, da figura e sobretudo da obra do P.e Vieira no nosso Romantismo. Para dar corpo ao nosso propósito, começaremos a nossa deambulação ilustrativa da presença de Vieira no Romantismo português com um retrato romântico do orador barroco. Depois, relacionaremos Vieira com a formação do nome cimeiro da nossa poética romântica, Almeida Garrett. Mais adiante, folhearemos algumas páginas d'O Panorama.

2.1. Um retrato romântico de Vieira: Numa publicação periódica oitocentista, fundada por A.Feliciano de Castilho, a Revista Universal Lisbonense, que, alguns anos antes e atribuladamente, tinha publicado a obra-prima da nossa ficção romântica, Viagens na Minha Terra, podemos também ler este inesperado retrato do afamado orador barroco e influente conselheiro régio, o P.e Vieira:

"A cabeça magestosa e nobre do Padre Vieira, assim alumiada por aquela incerta luz e animada pelo fogo íntimo da fé religiosa, que o contínuo meditar, o incessante estudar dos livros sagrados e das antigas e modernas profecias, com o fim de nelas descobrir revelações sobre os destinos futuros da humanidade, haviam exaltado e engrandecido, parecia, não a cabeça de um menor Daniel como ele a si próprio se chama numa das suas cartas, mas a de um dos antigos profetas, quando, sublimes, prediziam a grandeza do povo de Deus" 10.

É com este retrato que o narrador de Um Ano na Corte, da autoria de João de Andrade Corvo, nos descreve, encomiasticamente, a figura humilde e perspicaz do orador jesuíta, que, diante do Infante D.Pedro, profetiza a concretização do esperado império de Cristo, o Quinto Império, pela mão dos portugueses! O longo romance de J.Andrade Corvo, cuja acção decorre pelo ano de 1666, em pleno reinado de D.Afonso VI, aparece publicado, em folhetim, nas páginas da referida revista a partir de 8 de Novembro de 1849, na secção da "Literatura e belas-Artes".

Esta obra tem, por conseguinte, a particularidade de nos apresentar o P.e Vieira como personagem romanesca, mais concretamente como astuto conselheiro da Corte (em especial, do irmão do monarca reinante), tal como ocorre no cap.XXIX de Um Ano na Corte. As preocupações didácticas do autor levam-no a informar: "O leitor já deve ter percebido, nos precedentes capítulos, que este jesuíta não era outro senão o célebre Padre Vieira". Apesar desse esclarecimento, em nota de rodapé especifica:

"O autor deste livro, receando que o acusassem de fazer um retrato pouco exacto e de adulterar as opiniões e o estilo do mais eloquente dos nossos prosadores, e talvez do mais sagaz e talentoso dos nossos homens políticos, julgou dever extrair dos numerosos escritos do próprio Padre Vieira a quase totalidade dos pensamentos e até grande parte das frases que pôs na boca do ilustre personagem" 11.

Também o desconhecido António José Viale, no seu Bosquejo Métrico, de meados do século, celebra numa oitava panegírica a força da palavra de Vieira que, como apóstolo do Novo Mundo, usava a palavra e a pena como quem maneja a espada:

"Também defende a pátria, e o Rei nativo,
De Demóstenes Luso a voz, e a pena;
Inda que com ardor não menos vivo,
Luta Vieira em mais sagrada arena.
(Nos dois mundos, de Deus Ministro activo,
Com dicção pura, grave, ornada, amena,
Encanta, ensina, e move, o sábio, e o rude,
Fulmina o vício, exalta a sã virtude.12"

Os merecidos elogios dirigidos a Vieira quase se perdem na arrevesada construção da estrofe deste apagado autor da História da Literatura. Terminemos o parágrafo, observando que a presença de Vieira na literatura e cultura românticas é tanto mais significativa quando sabemos que a implantação revolucionária da ideologia liberal não foi propriamente um exemplo de bom relacionamento com as ordens religiosas...

2.2. Vieira e a formação de Garrett: Apresentando-se como novo e profundo movimento estético e literário, o Romantismo não podia apagar a tradição literária, por mais activos e transformadores que fossem os seus propósitos de renovação. A um nível mais particular, podemos dizer também que a formação cultural e literária de alguns dos nomes cimeiros do nosso Romantismo, como Almeida Garrett, integrou uma forte componente clássica, nela incluindo uma sólida formação ao nível da língua portuguesa, alicerçada na leitura e estudo dos autores clássicos, como é naturalmente o caso do P.e Vieira. Alargando o âmbito da influência de Vieira, não será exagerado supor a influência que a figura de Vieira, como símbolo da liberdade de espírito (relembre-se a sua célebre defesa diante da Inquisição), deverá ter exercido sobre o espírito jovem e ardente de João Baptista. Assim se conjugaria uma dupla influência: linguístico-literária, mas também ideológica.

Este exemplo concreto do lugar ocupado por Vieira na aprendizagem escolar de Garrett aparece-nos demonstrado num estudo fundamental de Ofélia M. C.Paiva Monteiro. Segundo esta investigadora, entre as leituras que o seu encarregado de educação, o tio bispo açoreano, D.Fr.Alexandre da Sagrada Família, seleccionara como exercício de aprendizagem literária do jovem João Baptista, constava uma obra antológica de Vieira, organizada pelo P.e André de Barros, S.J., e intitulada Vozes Saudosas da Eloquência, editada em Lisboa, no ano de 1736 13. Como discípulo aplicado, o jovem João Baptista parece ter seguido os ensinamentos do seu preceptor, como demonstram dois factos: primeiro, querer justificar o uso de certas formas lexicais com a autoridade de Vieira; ou ainda, o hábito de recolher, em cadernos escolares, notas das leituras que fez de Vieira, através das páginas antológicas das referidas Vozes Saudosas da Eloquência 14. Não pretendendo exagerar muito, nem sendo aqui o lugar para o demonstrar, anotemos que a boa "lição da oratória" não terá sido alheia ao moderno estilo e cativante coloquialidade do futuro autor das Viagens na Minha Terra.

Mais tarde, no cap.V do breve ensaio historiográfico que elaborou sob o título de Bosquejo da Poesia e Língua Portuguesa, Almeida Garrett denuncia a decadência que a literatura e a língua nacionais sofreram, desde o final do séc.XVII a meados do séc.XVIII, devido à nefasta influência da cultura e literatura castelhana. Como salvaguarda da nossa ameaçada independência literária e cultural, e sobretudo como autores pioneiros da investida anti-gongórica, contra a "lepra castelhana", Garrett destaca dois nomes: Jacinto Freire de Andrade (1597-1657), o autor da Vida de D.João de Castro e colaborador da Fénix Renascida; mas, sobretudo, o P.e António Vieira.

Com efeito, quando nomeia o nome do orador jesuíta, Garrett confessa-se profundamente subjugado pelo sua genialidade oratória: "Quem podia deixar de admirar Vieira? Quem não iria levado pela torrente de sua eloquência?" – pergunta o autor, entusiasmado, ao mesmo tempo que ressalta o "desmedido engenho de Vieira" 15. A grandeza de Vieira tornou-se tão dominadora que, acrescenta Garrett, quase se pode dizer que a sua influência se mostrou negativa: dominando "perfeitamente a língua" e defendendo os mais nobres valores nacionais, deixou uma escola de outros autores menores e epigonais, que o imitaram excessivamente, deixando-se seduzir mais pela vertente do "gongorista afectado (quando o era)", do que as outras virtudes que "o grande orador" possuía: "E como é mais fácil imitar a afectação, que a naturalidade, as argúcias de má arte, que as graças de boa natureza; os imitadores foram além de seus tipos no afectado, no mau deles, ficaram imenso aquém do que nesses era belo e para imitar" 16.

3. Vieira nas páginas populares d'0 Panorama

Um exemplo ainda mais notório das preocupações pedagógicas que animaram o Romantismo português, preocupações sintomáticas de um Iluminismo tardio, como já sugerimos, encontrámo-lo numa das mais conhecidas e representativas publicações periódicas deste período, O Panorama (Jornal Literário e Instrutivo da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Úteis). Esta publicação era editada semanalmente aos sábados, a partir de 1837, e perdurou por bastantes anos, como se pode inferir pelas várias séries de numeração. Esta ideia de democratização dos conhecimentos científicos, da cultura e da literatura é afirmada claramente pelos seus editores17 e manifestada ao nível da própria organização do referido jornal, que, entre outras secções (sobre Ciência, História, etc.), comportava uma dedicada aos "Extractos" dos Autores de Língua Portuguesa.

Ora, a quem consulta as páginas desta publicação romântica O Panorama e folheia a referida secção dos "Extractos" (mais tarde, "Florilégio Clássico"), sobressai a presença de um autor, o P.e António Vieira, cuja copiosidade de citações só encontra paralelo em autores clássicos como Camões, Manuel Bernardes, Frei Luís de Sousa ou outros. Já não falamos aqui nas referências e alusões que Vieira e a sua obra possam ter na pena dos colaboradores desta publicação periódica. Com o tempo, estas páginas exemplares seleccionadas das obras dos autores clássicos foram-se transformando num espaço reduzido e conclusivo da última página da revista, onde ocorriam citações breves, de natureza aforismática e intencionalidade eminentemente moral.

Para termos uma ideia o mais exacta possível da recepção de Vieira nas páginas d'O Panorama, fizemos um levantamento mais ou menos exaustivo das várias transcrições, enumerando não só os textos de Vieira (transcrições de trechos), que constituem a grande maioria, mas um ou outro texto sobre Vieira (comentários, assinalados com *). As transcrições são compostas por textos de dimensão variável, podendo ter apenas a forma de uma citação com apenas algumas linhas, como é o caso dos textos sem título (entre parêntesis rectos), ou ter já a dimensão de um pequeno texto. Podem ainda ser citações identificadas, ou não. Escusado será acrescentar que a maior parte das citações de Vieira são oriundas dos Sermões, embora ocorram também, em muito menor percentagem, excertos da História do Futuro ou das Cartas.

Tematicamente, podemos dizer que a tónica geral das citações de Vieira anda à volta de duas ideias-chave: Vieira moralista, denunciador dos vícios; e Vieira, mestre da Língua Portuguesa. Para apresentar um ou dois exemplo de cada uma das modalidades, refira-se que numa das citações vieirianas se sublinha a "elegância e propriedade de dicção" de Vieira (vol.V, p. 88); e noutra se reconhece "quanto era capaz aquele maravilhoso engenho, e quanto é rica, valente e formosa a nossa tão empobrecida, maltratada e esquecida língua" (vol. II, p. 391); noutra ainda, o comentador que a porsa de Vieira preenche exemplarmente as duas funções da Literatura, tal como Horácio as formulou: "Passagens, como o presente excerto (...), são merecedoras de repetida leitura e de atento estudo. A elevação do pensamento, a propriedade da dicção, a viveza da pintura, o delicado do colorido... tudo é próprio para nos cativar, e não menos para nos instruir" (vol. XVII, p. 53).

No domínio da moralização, cita-se repetidamente o Vieira denunciador de vícios e excessos, como quando critica cobiça ou da avareza ou as honrarias e as comendas; quando aponta o dedo acusador à ingratidão humana e à injustiça do castigo aplicado a inocentes. Por vezes, a lição moral de Vieira ganha uma inesperada actualidade para os tempos conturbados da implantação das ideias liberais, como quando afirma: "Quem entra a introduzir uma lei nova não pode tirar de repente os abusos da velha" (vol. III, p. 40). Ou quando declara contra os políticos: "Tempos houve que os demónios falavam, e o mundo os ouvia; mas depois que ouviu os políticos ainda é pior o mundo" (vol. IX, p. 200). Ou ainda quando reduz o valor das honrarias pequenas na balança eterna: "Um milhão de arrobas de glórias temporais não faz meia onça de bem-aventurança eterna" (vol. XVI, p. 128).

Quer na apresentação do moralista quer do clássico da Língua, os redactores d'O Panorama insistem na actualidade do pensamento vieiriano, umas vezes dum modo explícito – através de introduções breves aos excertos —, outras, duma maneira implícita. Reparemos, então, no seguinte quadro, elucidativo da presença da escrita barroca de Vieira numa influente publicação pedagógica do Romantismo português, a partir do segundo quartel do séc. XIX:

ANTÓNIO VIEIRA N'O PANORAMA

Título

Data

Vol.

Pág.

. Os Sermões de Vieira *

. Importância do comércio *

. Ingratidão dos homens

. Os ministros

. O Homem pó

. Deus descendo à terra na sua ira

 

. Os antigos e os modernos

. Impaciência dos portugueses

. O Homem e o mundo

. [sem título]

. A Vocação para a vida monástica avaliada por um entendedor

. Apologia dos peixes

 

. Extracto d'um sermão de Vieira

. [sem título]

. [sem título]

 

. [sem título] *

. Falsidade das histórias humanas

. [sem título]

 

. [sem título]

 

. [sem título]

 

. [sem título]

. [sem título]

 

. Do Estilo

. Os Políticos

. Mercês desonrosas

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

 

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

 

. [sem título]

 

. Os mortos e os vivos

. Consequências do jogo

. Exemplo louvável

. A vida humana

. O que é a alma

. A inveja e os portugueses

 

. [sem título]

 

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

. [sem título]

 

. Excerto do sermão "Do nascimento da mãe de Deus", pregado pelo Padre António Vieira *

 

. A oração, os pobres e as festas *

. Anotações de algumas passagens dos nossos clássicos

. Eloquência do púlpito

. O Padre A. Vieira considerado como grande pintor da natureza *

. O Padre António Vieira/ admirável pela propriedade de expressão nas coisas da navegação e da guerra. *

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V

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Nesta presença de Viera nas páginas semanais d'O Panorama, merecem-nos uma menção especial os textos (assinalados) sobre Vieira18, onde o jesuíta é apresentado como modelo de eloquência. Assim, o primeiro texto (vol. II, p. 21) intitula-se "Sermões de Vieira" e é constituído por uma breve mas significativa apologia do escritor barroco. Reagindo contra a leitura redutora que da sua obra fez o "estrangeirado" Luís António Verney na Carta VII do Verdadeiro Método de Estudar, o texto valoriza deste modo a obra de Vieira:

"Muitos crêem que a estima que os eruditos fazem dos sermões do padre Vieira, procede só da pureza e elegância da sua linguagem, e persuadem-se que esses sermões são falhos da verdadeira eloquência. Esta ideia errada deve-se, em grande parte, ao modo por que o nosso Verney tratou o grande orador português no Verdadeiro Método de Estudar, mas os que pensam assim estão longe de saber avaliar Vieira".

De seguida, socorre-se da autoridade do padre Isla – "autor do engraçado e judicioso livro da História de Frey Gerúndio de Campazaz", conhecido crítico dos excessos barrocos ("defeitos", "agudezas" e "ouropéis") —, para fazer "inteira justiça ao génio do célebre jesuíta". Daí que o anónimo colaborador d'O Panorama não hesite em citar o juízo do padre Isla sobre a obra de Vieira:

"Pelo que toca à eloquência que persuade [que é a única que merece o nome de eloquência castiça e de lei] quisera que me apontassem outra mais activa, mais vigorosa, mais triunfante do que a do padre António Vieira, nomeadamente em todos os sermões exclusivamente morais, e ainda em muitos panegíricos. Leiam com reflexão os assuntos capitais que trata nos sermões do Advento e da Quaresma, onde esmiuça os Novíssimos e faz sobressair as verdades mais terríveis da religião; e digam-me, se algum orador, dos antigos ou modernos, tratou nunca estes pontos com maior viveza, com maior solidez, com maior valentia, ou com mais triunfante eficácia".

Na conclusão do texto, o articulista do jornal romântico sublinha que este juízo tem mais valor porquanto é da autoria de um autor estrangeiro; e ainda porque é pronunciado por autor que "se mostrou inexorável para com todos os oradores que contribuíram para a corrupção da eloquência".

O segundo texto (vol. II, p. 112) relata-nos um divulgado caso anedótico, em que sobressai a perspicácia do padre jesuíta, sendo introduzido deste modo: "O P.e Vieira não foi só o maior orador do seu tempo e um consumado político, mas também agudo e engraçado, do que é prova a seguinte anedota". O caso faceto pode ser resumido deste modo: o padre Vieira aconselhara o monarca, D.João IV, a comprar uma frota de trinta navios, com a finalidade de "resgatar as nossas colónias da América das mãos dos holandeses", acrescentando mesmo, com sentido pragmático, a modalidade de financiamento dos custos (através da introdução de um tributo nos navios recém-chegados do Brasil) e justificando a estratégia da urgente aquisição: "Dava o esperto jesuíta a razão do seu conselho, dizendo que os holandeses já senhores de Pernambuco, brevemente atacariam as outras possessões portuguesas no Brasil, e que a única maneira de os conter seria o nosso poder marítimo".

Continua o texto dizendo-nos que o rei pediu ao orador jesuíta para que "pusesse isto tudo num papel; mas sem lábia". Só que, conforme o próprio rei lhe informou mais tarde, o conselho de Estado achara que aquele negócio estava "muito cru". Contudo, os temores do clarividente jesuíta confirmaram-se: "Passado algum tempo, mandou el-rei chamar o padre Vieira a toda a pressa, e apenas chegado ao paço, lhe disse: «Sois profeta. Ontem à noite chegou a notícia de ter sido atacada a Baía pelos holandeses!». O jesuíta, sem se alterar, respondeu: «O remédio, senhor, é muito fácil. Não disseram a V.M. os ministros que aquele negócio era muito cru? Pois os que então o acharam cru, cozam-no agora»". Termina o texto, informando que o governo se decidiu pela compra dos ditos navios a fim de socorrer a Baía, mas permanecia a dificuldade de conseguir a soma dos 300 000 cruzados. Mais uma vez, porém, se manifesta a habilidade de Vieira, conforme nos é dito pelo texto: "entretanto, o jesuíta, com a sua roupeta remendada, os fez brevemente aparecer" 19.

O terceiro texto, igualmente anónimo (vol. V, p. 88), apresenta-se como uma justificação para as sucessivas transcrições da obra de Vieira, antes de citar um trecho do sermão do Espírito Santo (pregado na cidade de S. Luís do Maranhão), nomeadamente quando assevera:

"Há tanta elegância e propriedade de dicção em muitas passagens dos sermões do P.e Vieira, que julgamos serão bem aceitas dos leitores, não só porque, estando dispersas por muitos volumes e sepultadas entre outras na verdade fastidiosas, nem todos terão tempo e paciência de as ir lá mendigar, como também porque já é hoje bastante raro o poder alcançar-se uma colecção inteira das obras daquele orador".

Por fim, o último exemplo , com o texto intitulado "O Padre António Vieira considerado como grande pintor da natureza" (vol. XVIII, pp. 231-2), assinado por José Silvestre Pires, abre logo com uma das mais abrangentes afirmações da auctoritas de Vieira: "Gande mestre da língua portuguesa, pregador eloquente, tradutor valente de mil passagens da Escritura, engenho subtil, corajoso pregoeiro de verdades políticas e morais". Não será por acaso que, à cabeça da asserção, lá surge o ajustado qualificativo – grande mestre da língua portuguesa. É assim que Vieira é visto, genericamente, pelos românticos. E como mestre, tinha algo para ensinar. Neste breve texto, o colaborador d'O Panorama, seguindo o magistério de Humboldt, propõe-se caracterizar Vieira como exímio na arte da descrição, mais concretamente, como pintor primoroso da natureza. O mesmo poto de vista é perfilhado pelo autor no outro texto, intitulado "O Padre António Vieira admirável pela propriedade de expressões nas cousas da navegação e da guerra". Em suma, para utilizarmos as palavras do articulista romântico, o Padre AntónioVieira é o mestre autorizado, modelo de perfeição.

Deixemos as páginas românticas e democratizantes d'O Panorama e folheemos outras, agora dum respeitado filólogo e homem notável da cultura oitocentista.

4. Vieira e a reflexão lexicográfica de D. Frei Francisco Saraiva

Um dos melhores exemplos que nos ocorre para ilustrar o magistério de Vieira na primeira metade do séc. XIX, como modelo inexcedível do bom uso da Língua Portuguesa, é a obra do culto limiano D.Fr. Francisco de São Luís Saraiva (1766-1845), o futuro Cardeal Saraiva. Sendo um dos homens mais cultos e respeitados do seu tempo, D.Francisco Saraiva notabilizou-se por reconhecidos cargos eclesiásticos e por uma assinalável carreira política.

Para a posteridade, os 10 volumes das suas Obras Completas, organizados pelo seu dedicado sobrinho, António Correia Caldeira, são o testemunho de uma cultura enciclopédica, contendo variados trabalhos sobre três grandes domínios temáticos: a História de Portugal (profana e eclesiástica), a Literatura Portuguesa e ainda a Língua Portuguesa20. É este último apartado que agora nos interessa, o dos trabalhos filológicos de D.Francisco Saraiva, com destaque para o conhecido Ensaio sobre Alguns Sinónimos da Língua Portuguesa, que constitui vol. VII.

Quer neste trabalho sobre Sinonímia, quer na extensa obra de Saraiva, não avulta a função moralizadora da pena de Vieira, mas sobretudo o seu exemplo como mestre da língua, como clássico a seguir. Para este ilustrado homem de letras oitocentista, Vieira é uma referência inconturnável quando se aborda o bom uso da língua pátria. Por isso não estranha que cite amiúde Vieira nos seus trabalhos linguísticos, como aliás, tem sido notado por alguns estudiosos21. Já que falámos da constante convocação de Vieira pela pena de Saraiva, convém recordar que o seu amigo e erudito Marquês de Resende, António Teles da Silva Caminha e Menezes, autor da "Introdução" à edição das Obras Completas de Saraiva, também cita a autoridade de Vieira. Ao ressaltar a cultura enciclopédica do Cardeal minhoto, destaca sobretudo a sua intenção pedagógica, nestes termos:

"(...) tinha consagrado as suas faculdades e os seus talentos à propagação ou defesa das ideias nobres e humanas da Instrução Pública, a que ele chamava Pão d'alma, e de União de Vontades, também inspirada pelo mais puro amor da pátria (...); vindo aqui muito a propósito as seguintes palavras do nosso grande Orador Vieira. «A desunião num edifício é ruína, num navio é naufrágio, num exército é derrota, num corpo separado da alma é cadáver; e os mais fortes muros dos Estados não são os de pedras ligadas, mas os de corações unidos»" 22.

Exemplifiquemos, então, a presença de Vieira num dos trabalhos da reflexão lexicográfica de Saraiva. Logo no texto prefacial ao ensaio sobre a sinonímia portuguesa, o erudito linguísta expõe sucintamente a sua metodologia – servir-se-á, não propriamente da fala ou uso quotidiano da língua, mas da assídua consulta dos "muitos e ilustres clássicos, que na idade áurea da nossa literatura escreveram com pureza, elegância e até com suficiente perspicuidade, e nos transmitiram em seus escritos muitas riquezas da linguagem pátria" 23. Não se confinando à auctoritas dos quinhentistas, acaba também por referir-se aos grandes mestres da eloquência, tendo concerteza presente o nome de Vieira.

O magistério influente de Vieira é comprovável, como sugerimos, pelo elevado número de citações textuais ou simples referências que das obras do orador seiscentista faz o filólogo romântico. Era como se Saraiva afirmasse, implicitamente: se um clássico como Vieira usou a Língua desta maneira inultrapassável, como poderemos prescindir da sua autoridade? Relanceemos, apenas, algumas passagens ilustrativas. Logo a abrir o ensaio sobre a sinonímia, e a propósito da distinção semântica entre "Homem-Varão", Saraiva cita um parágrafo vieiriano, retirado da Palavra do Pregador Empenhada: "Este mesmo nome (de varão) não só significava o sexo, senão também o juízo, o valor, a experiência e todas as outras qualidades de que se compõe um herói perfeito" 24. Mais adiante, a pretexto dos vocábulos "Chorar-Prantear-Lamentar-Carpir-se", de novo Saraiva se socorre da autoridade de Vieira, citando-o num período de natureza metalinguística: "Note-se muito a diferença das palavras, e a distinção dos afectos. O plangeret é prantear, e significa vozes: o fleret é chorar, e significa lágrimas" 25.

É deste modo que a auctoritas de Vieira se manifesta em inúmeras ocasiões na reflexão linguística de D.Francisco Saraiva. Em algumas ocasiões, não hesita em começar as suas explicações com a citação de Vieira, como a propósito da dupla vocabular "Cubiçoso-Avarento": "A diferença entre o cubiçoso e o avarento (diz Vieira) é que o cubiçoso quer o dinheiro para gastar, o avarento quer o dinheiro para guardar"(...). O cubiçoso (diz ainda Vieira) usa do dinheiro como meio e instrumento para conseguir outros fins: o avarento não tem outro fim em ter dinheiro senão o ter; e faz do mesmo dinheiro o seu último fim... O cubiçoso, que não é avarento, serve-se do dinheiro; porém, o avarento em lugar de se servir dele, serve-o a ele" 26. Noutro passo, ao procurar distinguir novo par de (pretensos) sinónimos – "Liberalidade-Generosidade" —, Saraiva termina a sua explicação com mais uma tirada do mestre Vieira: "Amar a quem nos aborrece é um acto de generosidade (...). Quem há-de trocar a nobreza e fidalguia de uma generosidade pela vileza e baixeza de uma ingratidão?" 27. Apenas mais dois ou três exemplos avulsos. A propósito dos termos "Justo-Juticeiro", e antes de evocar a figura régia de D.Pedro, Saraiva demonstra mais uma vez a veneração pela autoridade de Vieira:

"Vieira (tom.15º dos Sermões), querendo provar que a humanidade é o realce da justiça, distingue entre as significações de justo e justiceiro, e diz assim:

«Entre o justo e o justiceiro há esta diferença: ambos castigam, mas o justo castiga e pesa-lhe; o justiceiro castiga e folga. O justo castiga por justiça, o justiceiro por inclinação. O justo com mais vontade absolve que condena; o justiceiro com mais vontade condena que absolve. A justiça está entre a piedade e a crueldade: o justo propende para a parte do piedoso, o justiceiro para a de cruel»" 28.

Não muito depois, lá volta Saraiva a deixar-se seduzir pelos brilhantes jogos linguísticos de Vieira, desta vez para esclarecer as diferenças semânticas entre "Empréstimo-Comodato-Mútuo", escrevendo na conclusão do artigo:

"Vieira, tom.6º de Sermões, pág.181: «E que diferença há entre o empréstimo que se chama comodato e o empréstimo que se chama mútuo ? A diferença é que no comodato hei de pagar restituindo aquilo mesmo que me emprestaram; pedi-vos emprestada a vossa espada, hei-vos de restituir a mesma espada: porém no mútuo não sou obrigado a pagar com o mesmo, senão com outro tanto; pedi-vos emprestado um moio de trigo, não vos hei-de pagar com o mesmo trigo, senão com outro»" 29.

Por vezes, o linguísta não se restringe ao acto da citação de Vieira, mas aproveita o ensejo para fazer o panegírico do orador. Isso acontece, por ex., quando procura explicar que "crer em alguém" não é, em termos semânticos, o mesmo que "crer a alguém". E recorrendo a Vieira, cita: "Crer em Cristo (...), é crer o que ele é: crer a Cristo é crer o que ele diz". É então que não resiste a espraiar-se um pouco mais: "É digno de ler-se todo este sermão, no qual o mesmo Vieira, invectivando contra os costumes do seu tempo, parece que descreve e pinta os do nosso, em que muitos se gabam de ter muita fé; mas são como diz o orador, «cristãos de meias, crendo em Cristo e não crendo a ele; católicos do credo e herejes dos mandamentos»" 30.

Em face desta pequeníssima amostra, não se pense que as variadas dezenas de citações de Vieira feitas por Saraiva se restringem aos Sermões, embora de facto sejam os textos mais transcritos; ou que este trabalho do linguísta limiano sobre a sinonímia portuguesa constitua a única obra onde se revela a auctoritas vieiriana. Quando no vol. X das suas Obras Completas, Saraiva pretende comparar, historiografica e estilisticamente, as obras de Jacinto Freire de Andrade e de Diogo do Couto, não deixa de referir o nome de Vieira, como um dos que mais contribuiu para a fundação e aperfeiçoamento da "eloquência portuguesa", pois, para Saraiva, " Vieira fixou a prosa portuguesa" 31. A propósito da "força de expressão" de clássicos como Títio Lívio, Saraiva associa-lhe a "veemência de actividade em muitos dos sermões daquele notável orador [Vieira], especialmente no grande sermão do Advento no terceiro volume, o qual logo do princípio interessa de tal modo que não há-de poder largá-lo sem o ler todo" 32.

É sobretudo quando analisa o estilo dos historiadores quinhentistas que Saraiva se deixa seduzir pela harmonia frásica de Vieira, convidando os leitores a saborear a cadência ritmada e melódica das suas construções verbais, de que Saraiva não resiste a citar um exemplo, dispondo graficamente como se tratasse de um poema – refere-se, de novo, ao referido sermão do Advento:

"Abrasado finalmente
O mundo, e reduzido a um mar de cinzas,
Tudo o que o esquecimento deste dia...
Também passo em silêncio a narração...
Do Evangelho pertence aos que hão-de ser
Vivos naquele tempo, e não a nós;
E o dia de hoje é muito de tratar...
E consumido pela violência
Quando já se verão
Neste formoso e dilatado mapa
Senão umas poucas cinzas...
Desangano da nossa vaidade.
O céu, o Inferno, o Purgatório, o Limbo" 33.

Exemplificada a recepção de Vieira na obra linguística de D.Francisco Saraiva, que por si só dava matéria para uma reflexão, vejamos agora, a partir de dois ou três exemplos mais conhecidos, como é que determinada crítica historiográfica oitocentista comentou a obra de Vieira e julgou o seu lugar na Literatura Portuguesa.

5. Vieira e o ensaísmo crítico-historiográfico

Encerremos, pois, este nosso último parágrafo sobre o percurso da recepção da obra do P.e Vieira com três exemplos do modo como Vieira e a sua obra foram tratados ao nível do ensaísmo crítico e historiográfico românticos, complementando assim as anotações que já fizemos a propósito do Bosquejo garretteano. Os exemplos seleccionados são uma longa memória do culto bispo de Viseu, D. Francisco A. Lobo; algumas páginas da história literária de Teófilo Braga; e, por fim, algumas breves mas significativas considerações críticas de Camilo Castelo Branco.

5.1. Memória de D.Francisco Alexandre Lobo: Comecemos com uma última apreciação crítica, editada por sinal já no fim do século, por altura do II Centenário da Morte do orador jesuíta. Com efeito, em 1897, muito depois da morte do seu autor, o erudito D. Francisco Alexandre Lobo (1763-1844), era publicado um ensaio de natureza histórico-biografista, intitulado Discurso Histórico e Crítico, centrado na vida e obra do P.e Vieira 34.

Além de bem escrita e bem estruturada, esta Memória romântica sobre Vieira é um texto revelador duma erudição bem documentada. Em algumas páginas introdutórias, faz-nos um breve balanço sobre a evolução da "fama" de Vieira, desde a admiração dos seus contemporâneos até às acusações e deturpadas leituras que o o Iluminismo do séc. XVIII fez da sua vida e obra. Ora, o erudito memorialista propõe-se desfazer equívocos, repôr a verdade, e dar-nos um retrato fiel e justo da grandeza de Viera, sem os excessos panegíricos dos autores coevos, mas também sem cair nos ódios e invectivas dos tempos que se seguiram. Porquê este trabalho crítico um século depois da morte de Viera? Para fazer justiça à grandeza da obra vieiriana: "Pelo exame todavia da história de António Vieira e leitura das suas obras, tenho formado opinião de que nem a sua edade, nem a seguinte lhe fizeram justiça" 35.

Segue-se o corpo principal do discurso memorialístico de D. Francisco A.Lobo, preenchido pela entrelaçada apresentação da vida e obra do P.e António Vieira, desde as circunstâncias do seu nascimento e formação escolar, até à data da sua morte, em 1697, e das exéquias fúnebres que se seguiram, quer na Baía quer em Portugal. Realcemos o facto de o autor fazer este relato sempre com a preocupação de rigor histórico, sustentando as suas afirmações com as fontes e os documentos mais fiáveis (com realce para os trabalhos do P.e André de Barros), e assinalando os pontos mais duvidosos ou obscuros do percurso bio-bibliográfico de Vieira.

Remata a memória uma oportuna e apreciável conclusão sobre o legado humano, religioso e literário de Vieira. Preocupa-se o memorialista romântico em inferir o perfil humano, moral e cívico do orador, a partir dos factos que preencheram uma vida repleta de trabalhos e canseiras; mas também a partir das criações literárias deste génio da oratória seiscentista. O retrato é o de um homem activo e inteligente, que trabalhou com o ardor e a paixão que lhe mereceram as nobres causas em que se empenhou com perseverança e tenacidade, contra todas as invejas e intrigas, quer no ambiente cortesão de Lisboa ou de outras capitais europeias, quer nas duras terras de missão no Brasil:

"Iludido, atalhado, repelido, afrontou inimizades, empreendeu viagens, sofreu naufrágios, provou crua rapacidade de piratas; e não duvidou expôr-se de novo aos mesmos ou maiores desastres, à mesma destemperança de climas, à mesma aspereza de terras, para lutar outra vez com a ignorância estúpida de selvagens, e com as mesmas ingratidões, injustiças e aleivosias dos homens, que sem dúvida reputava inseparáveis companheiros do seu projecto tão válido" 36.

A reputação literária de Vieira é tão grande nas considerações de D. Francisco A.Lobo que o ilustre académico coloca em paralelo as obras literária de Vieira e de Camões, servindo-se do exemplo de um hipotético cenário de castástrofe para a lusofonia – a língua portuguesa sobreviveria ao desaparecimento da sua fala e das suas obras literárias, desde que subsistissem as obras desses dois autores:

"Se o uso da nossa língua se perder, e com ele por acaso acabarem todos os nossos escritos, que não são os Lusíadas e as obras de Viera; o português, quer no estilo de prosa, quer no poético, ainda viverá na sua perfeita índole nativa, na sua riquíssima cópia e louçania" 37.

Mais uma vez se realça a autoridade de Vieira como clássico da literatura e cultura portuguesas, reconhecendo nele um verdadeiro mestre da língua, com "o seu profundo e talvez singular conhecimento da língua portuguesa", e chegando a declarar que "nenhum povo possuíu jamais nas obras de um só autor tão rico e tão escolhido tesouro da língua própria, como nós possuímos nas deste notável jesuíta" 38. Sem silenciar os excessos e os defeitos, entre as qualidades da eloquência de Vieira, que tanta admiração causavam nos seus ouvintes, D.Francisco A.Lobo sublinha as seguintes: desde logo, o seu conhecimento da oratória clássica (dos autores greco-latinos e dos padres cristãos); o uso de uma imaginação fértil e cativante; a vivacidade e dramaticidade do estilo; a correcção, propriedade e clareza da linguagem; o recurso a múltiplos registos de linguagem (culta e cortês, familiar e doméstica, artística e proverbial, etc.); a vernaculidade da língua, evitando os estrangeirismos e restringindo os arcaísmos; a inclinação para um estilo de aguda concisão e construção engenhosa; o virtuosismo da fundamentação das suas asserções com os textos sagrados; a variedade dos assuntos tratados.

Anote-se, marginalmente, que, no mesmo ano em que era publicada esta Memória de D.Francisco A.Lobo, se editava também uma outra obra de natureza distinta, embora irmanada do mesmo espírito do II Centenário da Morte de Vieira. Falamos d'O Livro de Oiro do Padre António Vieira (Recopilação, com biografia e notas), organizado por Avelino de Almeida e M.Santos Lourenço39. Dedicada à juventude católica e em especial aos seminaristas portugueses e brasileiros, esta antologia compõe-se de três partes principais: 1ª) "O Livro de Oiro" – agrupa textos breves do autor, que, pelo seu estilo lapidar, são representativos do modo como Vieira falou dos grandes temas (virtudes, pecados, etc.); 2ª "Agiológio"— reúne textos evocativos das grandes figuras do Cristianismo; 3ª "Mosaico"— congrega textos vários sobre religião, moral e filosofia. Em suma, trata-se duma antologia de divulgação da obra de Vieira, uma espécie de Vieira par lui même, não escondendo as intenções formativo-pedagógicas que presidiram à sua elaboração.

5.2. Limitações da historiografia de Teófilo Braga: O intenso labor historiográfico de Teófilo Braga, confessadamente devedor de concepções romântico-positivistas, é um bom exemplo duma actividade judicativa limitada e parcial, porque eivada de manifestos preconceitos anti-clericais, nomeadamente quando aborda o lugar de Vieira na História da Literatura Portuguesa. Mostrando até alguma simpatia pela figura de Vieira, o historiador demonstra sobretudo incapacidade para compreender a sua grandeza. Praticamente se limita a salientar um ou outro aspecto da sua oratória; ou a interpretar, à luz duma ideologia finissecular, o nacionalismo vieiriano.

Com efeito, quer no vol.III da sua História da Literatura Portuguesa 40, dedicado aos Seicentistas, quer no abreviado Manual de História da Literatura Portuguesa 41, este professor do Curso Superior de Letras estuda a obra do P.e António Vieira. Ao caracterizar o capítulo da eloquência sacra seiscentista, o historiador expõe duas ideias, que se podem fundir numa só: primeira, que a oratória sacra era, na época barroca, o equivalente a uma representação teatral, um espectáculo onde o púlpito se assemelhava a um palco, o orador a um actor e o templo religioso a um teatro. Ao classificar o estilo oratório propriamente dito, T. Braga insiste numa segunda ideia, na ligação lógica com a precedente: o estilo dos sermões padecia de excessos de natureza verbal e conceptual, aquilo a que chama "os defeitos literários do seiscentismo". Ora, se há verdade nesta caracterização do historiador oitocentista, também é oportuno que se sublinhe (mais do que T. Braga o faz) que Vieira, no célebre "Sermão da Sexagésima", por ex., dirige um feroz ataque à teatralização do púlpito e ao estilo culto, tão do gosto dos ouvintes da época.

Depois da introdução à época e ao género, T. Braga particulariza a figura do orador jesuíta, começando logo por esta asserção: "O tipo mais completo do pregador do séc. XVII é o padre Vieira" 42. Condicionado pelos métodos "científicos" e historiográficos da época, segue-se a apresentação bio-bibliográfica da figura de Vieira, com amplo destaque para as circunstâncias que preencheram a vida do orador jesuíta. Para elaborar esse relance biográfico, serve-se confessadamente da Vida do P.e Viera, da autoria de João Francisco Veiga. É então que os exageros do historicismo teofiliano não se fazem esperar: por um lado, acentua o estilo demasiado engenhoso de Vieira, fruto das "subilezas formalistas" da sua educação, apresentando-o, enfim, como um homem "com lábia" ou um "profissional da retórica"; por outro, censura o envolvimento de Vieira nas "lutas diplomáticas" da política portuguesa.

Daqui se inferem pelo menos duas conclusões rápidas: a primeira é que, ao abordar deste modo uma figura como Vieira, T. Braga deixa transparecer o seu anti-clericalismo. Não esqueçamos, aliás, que este volume abre justamente com uma tese no mínimo controversa e maniqueísta: o séc. XVII é, para o historiador, um período onde se verificou a "acção retrógrada dos jesuítas", e isto depois da modernidade quinhentista e antes das doutrinas iluministas do séc. XVIII. A segunda conclusão é que T.Braga, sem pôr em causa a grandiosidade da obra de Vieira, com argumentos válidos, ou a sua autoridade como mestre da língua, perde-se em minúcias mais ou menos eruditas, pretendendo definir o perfil do escritor a partir da caracterização histórica e epocal que o contextualizava, postergando assim a análise crítica da sua obra.

Aliás, é o mesmo T. Braga que no estudo Filinto Elísio e os Dissidentes da Arcádia, assinala a influência que o estilo de Vieira conheceu na criação poética do P.e Francisco Manuel do Nascimento, mais conhecido pelo nome arcádico de Filinto Elísio 43. Primeiro, declara que o culto Filinto "fizera o seu estudo mais particular da língua portuguesa nos sermões de Vieira". Depois, assinala que ao distinto árcade, exilado em Paris, não agradavam os excessos do "mau gosto do culteranismo" seiscentista, citando esta oitava do poeta:

"Entre abóbadas longas, intrincadas,
Labirintos recôncavos e escusos,
De conceitos agudos predicáveis,
De bastardo saber, de engenho vesgo,
Há por cantos escuros, por desvios
De sermões requintados de Vieira
Desprezados terrões de ouro encoberto,
Que enriquecer mil páginas poderam
Por artífices mãos melhor lavradas".

Mesmo aqui se pode vislumbrar alguma má fé de T.Braga, pois é consabido que um dos princípios poético-literários que animou o movimento neo-clássico português foi justamente uma compreensível reacção anti-barroca, motivada pelos excessos cultista e conceptista a que chegou determinado tipo de literatura artificiosa deste período. Se quisesse ser menos apressado, mais justo e imparcial, além do referido excerto da Carta X ("Método de Estudar a Língua"), T. Braga citaria também, por ex., a humorada Carta XI ("Vieira e os Peraltas"), onde o esclarecido árcade português coloca Vieira a dialogar com "certos peraltas/ Pregoeiros de afrancesada Língua". Mais uma vez, é o Vieira mestre do idioma que aqui se ergue em toda a sua reconhecida autoridade. Perante um discurso dos seus interlocutores, entremeado de inoportunos e cómicos galicismos, o orador jesuíta sai em defesa do purismo e vernaculidade da língua pátria, com esta advertência que o irónico Filinto Elísio põe na sua boca:

"Pare, pare, senhor, c'o sarrabulho
Dessa frase franduna. Eu fui a França,
Nunca lá me atolei nesses lameiros,
Nunca enroupei a língua portuguesa
Com trapos multicores, gandaiados
Nessa Feira da Ladra. Os meus latinos
Me deram sempre o preciso traje,
Com que aformosentei a lusa fala.
Com Deus fique, senhor. Tal gíria esconsa
De encosso mistifório bordalengo
Só medra c'o esses tolos, que se enfronham
Um língua estranha, sem saber a sua,
E dão c'o essa mistura a vera efígie
Do apupado, ridículo enxacoco" 44.

Para além destes e doutros exemplos poéticos, T. Braga poderia encontrar, nos 11 vols. das Obras Completas de Filinto (Paris, 1817-19) ou nos 22 vols. (Lisboa, 1836-40), repetidas passagens em que este árcade, prenunciador do movimento romântico, nomeia Vieira como modelo a imitar, no contexto de reflexões sobre a pureza da língua pátria. Em suma, T. Braga vê em Vieira o que quer ver, acabando por sonegar sobretudo a correcta visão que o leitor deve ter do Vieira orador e escritor. A grandeza da obra literária de Vieira perde-se assim no emaranhado de considerações históricas e numa visão parcialíssima – de certo ainda devedora duma concepção iluminista e pombalina e anti-clerical —, que perspectiva Vieira como produto condenável do despostismo retórico do séc. XVII, considerado, precipitada e injustificadamente, como uma longa noite de trevas.

Resumindo: apesar de ter reparado aem alguns aspectos da obra de Vieira e até de ter deixado transparecer alguma simpatia pelo orador patriota, Teófilo Braga não soube, ou não pôde, apreciar devidamente toda a sua grandeza. Deixemos as considerações limitadas de Teófilo Braga e vamos ter com Camilo, relembrando, aliás, que o escritor de Ceide repetidas vezes questionou o rigor e os métodos das investigações históricas teofilianas.

5.3. Apreciação crítica de Camilo: Sem pretender apresentar os ecos de Vieira em toda a extensa obra camiliana, cingimo-nos às considerações críticas exaradas pelo escritor no seu Curso de Literatura Portuguesa (1876)45. Também este romântico duma geração posterior à de Garrett e de Herculano não poderia ficar indiferente à grandeza da obra vieiriana. E, de facto, no capítulo dedicado à "Eloquência Sagrada", Camilo fala do P.e António Vieira.

Começa Camilo por fazer uma importante observação, quando diz que "À história literária compete unicamente a biografia literária do padre António Vieira", uma vez que as facetas de homem político ou estadista ultrapassam as fronteiras do literário46. Destaca Camilo alguns dos factos mais relevantes do percurso biográfico de Vieira, espartilhado "na política tumultuária" do seu tempo, nomeadamente os seus árduos trabalhos de missionação como "apóstolo nos sertões do Pará" e as prisões do orador por razões políticas, ora devido à defesa da liberdade dos índios, ora à apologia de ideias messiánico-sebásticas. O polígrafo escritor oitocentista não se esquece de sublinhar a singularidade grandiosa da obra oratória de Vieira: "Nos seus 14 tomos de sermões é o único em que o patético não sai contrafeito das convulsões da retórica" 47.

Verdadeiramente notável e digna da argúcia e sensibilidade literária de Camilo é a página em que o escritor enumera as características que celebrizaram a oratória vieiriana. Primeiro, elabora uma apreciação genérica, apresentando Vieira como mestre fundador da moderna língua portuguesa:

"São os sermões do padre António Vieira uns riquíssimos minérios do mais fino ouro pelo que respeita à linguagem. Ninguém reuniu em poucas páginas tantas palavras rubricadas pelos mestres que o precederam. As opulências que Vieira aditou à prosódia constituíram o idioma português no alto ponto das línguas mais ricas (...)" 48.

Depois, Camilo desce às originalidades do estilo de Vieira, apontando sobretudo o tipo de adjectivação, "a opulência de cores" da descrição, a ironia ou o estilo engenhoso e mental:

"O seu modo de adjectivar é irrepreensível; a propriedade do epíteto é nele tão original que a não podemos derivar de Camões nem de Barros. Esplende-lhe do génio; bafeja-lhe a ironia, o sarcasmo, o que quer que fosse de mais avançada cultura, em um meio social de mais complicadas paixões. (...) Porém, com tamanha e tão variada opulência de cores, o padre Vieira deleitava-se em pintar a caricatura da eloquência sagrada. Por nos servirmos da sua própria frase em um sermão, Vieira acarretava textos das escrituras, levantava conceitos, jogava de vocábulos, tecia engenhosos sofismas, e rematava umas conclusões tão alheias aos princípios, que o auditório pasmava da solercia do orador (...).49"

Segue-se a apresentação da eloquência do oratoriano P.e Manuel Bernardes, em cuja obra Camilo não vê manifestações de imitação servil de Vieira, como chegou a ser aventado pelo setecentista Franscisco José Freire (Cândido Lusitano). Para secundar a sua posição crítica, Camilo socorre-se para isso da autoridade do venerado António Feliciano de Castilho. Como sabemos, para Camilo, Castilho era uma grande figura de literato, merecedora de admiração e respeito. De facto, já em 1865, António Feliciano de Castilho aproveitava o ensejo do confronto entre os dois oradores para contrariar a ideia de que Bernardes fosse um "acérrimo imitador de Vieira".

De facto, no seu julgamento crítico, Castilho acentua o papel de Viera como "mestre guapíssimo de nossa Língua". Vieira é, também para este venerando romântico, o orador que "falando do Céu, tinha os olhos nos seus ouvintes", caracterizando assim o empenhamento de Vieira nas transformações sociais do seu tempo: "Vieira vivia para fora, para a cidade, para a corte, para o mundo", ao contrário do pendor místico de Bernardes. Frisa, em Vieira, a mestria do estilo engenhoso: "Vieira estudava galas e louçainhas de estilo; achava-as, é verdade, tinha boa mão no aperfeiçoá-las, e uma graça no vesti-las, como poucos". À grandiosa e sedutora eloquência de Vieira, contrapõe Castilho a escrita mística e sentimental de Bernardes. E termina o paralelo, concluindo que Vieira tudo condicionava à premente preocupação de "ser original e único", merecendo por tudo a nossa admiração 50.

Voltemos às considerações de Camilo. Mais adiante, no seu Curso de Literatura Portuguesa, quando se debruça sobre a "Epistolografia", o escritor volta a mencionar Vieira e o seu "estilo desartificioso e espontâneo", fruto dum "desmedido talento" 51. Defendendo que as Cartas de Vieira são o espelho dos trabalhos diplomáticos no labirinto político e cortesão em que o orador se comprometeu, não deixa de concluir: "(...) as Cartas do padre António Vieira representam o genuíno talento do grande escritor, e são exemplares de clássica literatura" 52. Este tipo de consederações são merecedoras de grande crédito, vindo da pena de um grande prosador.

6. Conclusão

Encerremos por aqui as nossas considerações, cientes de que muitos outros exemplos poderíamos aduzir, porventura mais ilustrativos, para comprovar a activa presença de Vieira na cultura portuguesa da 1ª metade do séc. XIX 53. Resumindo, parece-me que se apresentou uma modesta contribuição para o estudo da presença da obra do P.e António Vieira no Romantismo português, justificável sobretudo no ano em que se comemora o III Centenário da Morte do grande orador português.

Ao realçar o lugar de Vieira nas páginas d'O Panorama ou destacar os ecos intertextuais do célebre orador jesuíta na obra de figuras relevantes, como Almeida Garrett, D. Francisco Saraiva, D. Francisco A. Lobo, Camilo Castelo Branco, A. Feliciano de Castilho, ou Teófilo Braga, creio que se demonstra que estamos perante um autor, cuja obra ultrapassa fronteiras temporais e artísticas, impondo-se universalmente como um autor clássico ou modelo de perfeição e beleza inultrapassáveis. Para a explicação dessa presença, sugeri antes e reitero agora três ou quatro razões principais, unidas por compreensíveis conexões:

a) A primeira é, naturalmente, o valor intrínseco da obra vieiriana, que se ergue como o grandioso e modelar monumento da oratória sacra portuguesa, facto que, na época, tal como nos dias de hoje, não precisa de mais demonstrações.

b) A segunda razão radica, a nosso ver, nas concepções pedagógico-formativas que a arte e cultura românticas claramente assumiram. Nesta perspectiva, a obra de Vieira, e todo prestígio canónico que tinha alcançado até então, prestava-se para o exercício ou exploração duma auctoritas exemplar, quer do ponto de vista estritamente linguístico – Vieira mestre da Língua—, quer mais genericamente num ângulo cultural, como formador ou educador – Vieira mestre da Moral.

c) A esta inquestionável auctoritas não terá sido também alheia uma das preocupações da cultura e arte românticas – a do nacionalismo ou preservação de tudo o que é nacional ou genuinamente português. Ora, nesse património cultural, o tesouro mais estimável, que era preciso redescobrir, modernizar, mas também preservar de influências nefastas, era precisamente a Língua. E a Língua de Camões era, no passado oitocentista, como ainda o é hoje, o grande símbolo da Nacionalidade. Ao nacionalismo linguístico, poderíamos juntar ainda o nacionalismo político de Vieira.

d) Derivada das motivações antes aduzidas, a quarta e última razão para a presença de Vieira até à literatura e cultura oitocentista, é constituída pela modernidade dos temas da obra de Vieira. De facto, alguns desses temas seriam bem caros ao ideário romântico. Reafirmando o que antes sugerimos, sublinhe-se que Vieira apareceria, implicitamente, para a mentalidade oitocentista como uma espécie de bandeira ideológica da liberdade de espírito, quer perante o poder persecutório da Inquisição, quer na defesa dos mais fracos (comos os índios ou os negros). Aliás, pelos mesmos motivos, é possível aproximar os temas recorrentes da oratória vieiriana com algumas das preocupações que prevalecem no nosso quotidiano actual 54.

Assim sendo, e voltando à ideia exposta inicialmente, Vieira era para a cultura romântica (como continua a ser hoje, com redobrada razão) um clássico inquestionável. Recorrendo às palavras de Jorge Luís Borges sobre a leitura dos clássicos, podemos afirmar que "las generaciones de los hombres, urgidas por diversas razones, leen con previo fervor y con misma misteriosa leatald" 55. Em suma, talvez se possa mesmo dizer, sem grandes contradições ou paradoxos terminológico-conceptuais, que Vieira foi um Mestre da cultura oitocentista e que a sua presença no Romantismo português se constitui, de certo modo, e pelos poucos exemplos que fomos aduzindo, como uma das manifestações do classicismo dos nossos românticos oitocentistas 56.

A terminar, impõe-se ainda uma conclusão de natureza teórico-metodológica: as concepções formalistas e estruturalistas que marcaram os estudos literários deste século pelo menos até aos anos 60, perspectivavam a análise morfo-sintáctica da obra literária, concebida como um organismo fechado e autotélico, lido utopicamente por um leitor fora da história. Sem negar os contributos desse paradigma hermenêutico, é oportuno salientar as virtualidades da moderna teoria literária pós-estruturalista. Numa perspectiva mais pragmática e historicista, a denominada Estética da Recepção mostra-nos, por exemplo, a importância do activo papel desempenhado pelo leitor, concebido como ser histórico, que em cada época, interpreta singularmente as obras literárias, à luz da sua enciclopédia cultural e literária, geradora de variados horizontes de expectativas.

Consabidamente, não existe comunicação literária sem a productiva iuntervenção do leitor. Por outras palavras, convém sublinhar que, para a completa e abrangente compreensão da grandeza da obra de Vieira, os estudos sobre a recepção crítica de que foi alvo ao longo dos tempos, desde os seus contemporâneos até à actualidade, proprocionam uma inestimável contribuição para os estudos literários centrados na riqueza dos textos de Vieira. Ou seja, à profunda e multímoda análise sincrónica do texto vieiriano, é necessário juntar a perspectiva crítica fornecida pela reflexão diacrónica. Foi este o objectivo que me norteou, ao mostrar alguns exemplos da recepção de Vieira na cultura romântica do séc. XIX.


NOTAS:

1 Cf. Walter MOSER, "Le Retour du Baroque", in AA.VV., Literatura Comparada: Os Novos Paradigmas, Porto, APLC, 1996, pp. 405-422.

2 Franco FORTINI, "Clássico", in Enciclopédia Einaudi, vol. 17 (Literatura-Texto), Lisboa, IN-CM, 1989, p. 297. Este breve estudo é, aliás, uma boa introdução à polissemia do termo e conceito de "clássico".

3 Italo CALVINO, Porquê Ler os Clássicos, Lisboa, Teorema (1994), p. 9. Escusado será acrescentar que usamos aqui o termo "clássico" fora duma terminologia rigososa, sem relação com determinada periodologia literária.

4 Assim, por exemplo, não nos espanta ler nas páginas duma das mais conhecidas publicações periódicas do nosso Romantismo, O Panorama, vol.IV (1940), pp. 223-4 e 238-9, uma apresentação sintética e pedagógica da arte da Oratória, embora saibamos que a poética romântica representou um dos mais críticos momentos na história multissecular da Retórica clássica.

5 Heinrich LAUSBERG, Elementos de Retórica Literária, 3ªed., Lisboa, Fund.Calouste Gulbenkian, 1982, § 106, 1, conceitua a auctoritas como uma das virtutes elocutionis: "A auctoritas (åxíwma, åxíwsiz [port. autoridade]) é o uso linguístico, considerado como norma, de autores de reconhecido valor (clássicos), ou seja uma determinação de consuetudo, orientada historicamente para a tradição literária. Esta orientação historicista contém, muitas vezes, em si uma condenação do uso linguístico actual e empírico". Ver ainda H. LAUSBERG, Manual de Retórica Literaria, vols. I e II, Madrid, Gredos, §§ 468, 237, 426, et passim.

6 F. PESSOA, Obra Poética, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1981, p. 20; Obras em Prosa, Rio de janeiro, Nova Aguilar, 1986, p. 343, respectivamente.

7 Sobre a articulação de tradição e modernidade, veja-se: Vítor AGUIAR E SILVA, Teoria da Literatura, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 1986, pp. 258-278; e António GARCÍA BERRIO, Teoría de la Literatura (La Construcción del Significado Poético), Madrid, Cátedra, 1989, pp. 297-300.

8 Ver Serafim LEITE (S.J.), História da Companhia de Jesus no Brasil, tomo IX, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1949, pp. 192-363, onde deparamos com uma longa relação bibliográfica das edições da obra de Vieira, agrupadas em seis secções: sermões, cartas, obras várias, traduções, inéditos, bibliografias e outros escritos.

9 P.e A. HONORATI, Crisóstomo Português (ou o Padre António Vieira da Companhia de Jesus num ensaio de eloquência compilado de seus sermões segundo os princípios da oratória sagrada), 5 vols., Lisboa, 1878-1890.

10 Revista Universal Lisbonense, 2ª série, Tomo IV (1851), Lisboa, p. 177. O autor, João Andrade CORVO (1824-1890), exerceu a carreira docente a destacou-se também como engenheiro militar. Como político, foi ministro de várias pastas. Colaborou activamente em periódicos e publicou algumas obras científicas e literárias.

11 Ib., p. 176.

12 António José VIALE, Bosquejo Métrico dos Acontecimentos Mais Importantes da História de Portugal até à Morte de D.João VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, p. 64 (Canto IV, est.9).

13 Ofélia Milheiro Caldas Paiva MONTEIRO, A Formação de Almeida Garrett (Experiência e Criação), Coimbra, Centro de Estudos Românicos, 1971, vol.I, p. 81. O título completo era: Vozes Saudosas da Eloquência, do Espírito, do Zelo, e Eminente Sabedoria do Padre António Vieira (Lisboa, Na Oficina de Miguel Rodrigues, 1736). A obra abre justamente com um texto prefacial do P.e André de Barros (onde Vieira é apresentado como a Voz que se ouve e se vê!), sendo composta de duas partes: na primeira e principal, o leitor depara com uma antologia de textos vieirianos, de natureza vária (histórica, política, doutrinal, etc.); numa segunda secção, somos confrontados por um conjunto de textos elogiosos da figura e obra de Vieira, intitulada significativamente "Suspiros Encomiásticos" (pp. 247-314), a maior parte escritos em latim.

A esta obra, segue-se uma outra edição, em 1748, devido possivelmente ao sucesso da anterior. O seu título era: Voz Sagrada, Política, Retórica e Métrica ou Suplemento às Vozes Saudosas da Eloquência (Lisboa, Na Oficina de Francisco L.Ameno, 1748). Como reza o próprio título, o livro é apresentado como complemento do anterior e é justificado pela grandeza da obra de Viera, que, entre outros epítetos, merece o de "vivo Oráculo do Púlpito". A estrutura é semelhante à da obra precedente: numa secção, reúnem-se textos de Vieira (pareceres, cartas, memórias, discursos e até textos poéticos); noutra, textos de natureza encomiástica, com a particularidade de terem sido apresentados na Academia dos Anónimos de Lisboa, por altura da celebração do dia do nascimento de Vieira (a 6 de Fevereiro de 1608). A estes textos em verso (que incluem um texto poético de Soror Violante do Céu), junta-se ainda um em prosa, do erudito bibliófilo P.e Diogo Barbosa Machado.

14 Ofélia M.C. Paiva MONTEIRO, ib., p. 83.

15 Almeida GARRETT, Obras, Porto, Lello & Irmão-Ed., s.d., pp. 498-9.

16 Idem, ibidem, p. 499.

17 A abrir o nº 36 d'O Panorama, de 16 de Janeiro de 1837, vol.II, declaram os seus mentores acerca da preocupação de democratizar a cultura e a literatura: "(...) o alvo de derramar a instrução, fazendo descer a literatura e a ciência ao nível das inteligências comuns". Convém ressaltar que O Panorama, não sendo a única publicação animada por estas intenções, nem a única que se serve da autoridade de Vieira, é uma das publicações periódicas mais exemplares da pedagogia e democratização românticas.

18 Já que falamos da presença da obra literária do ilustre padre jesuíta nas páginas de uma revista romântica, acrescente-se, apenas como curiosidade, que é também nesta mesma publicação periódica, que lemos uma página dedicada a Santo Inácio de Loyola no nº 49 (de 04.XII.1852), vol.X, pp. 388-9; ou que, a partir do nº25 (de 21.VI.1856), vol. XIII, pp. 197-8, F. A. D'Almeida e ARAÚJO vai escrevendo as Crónicas Monásticas sobre a Companhia de Jesus, detendo-se na apresentação e descrição das suas obras patrimoniais e respectivo trabalho de apostolado.

19 Curiosamente, este episódio aparece relatado numa carta de Vieira ao Conde de Ericeira – cf. Cartas do Padre António Vieira, tomo II, Lisboa, Editores, J.M.C. Seabra & T.Q. Antunes, 1854, pp. 169-177; ou, na edição mais recente do P.e João Lúcio de Azevedo, Cartas, Coimbra, Imp. da Universidade, 1928, vol. III, pp. 556-571.

20 Cardeal SARAIVA, Obras Completas, 10 vols., Lisboa, Imprensa Nacional, 1872-83. Sobre o interesse que as obras do P.e Vieira tinham para Saraiva, pode ler-se o trabalho de António M.de Barros CARDOSO, Ler na Livraria de Frei Francisco de São Luís Saraiva, Ponte de Lima, Câmara Municipal, 1995, pp. 65 ss.

21 Cf. Evelina VERDELHO, "Lexicografia Sinonímica Portuguesa", Arquivos do Centro Cultural Português, vol.I (1969), Paris, Fund.Calouste Gulbenkian (pp. 171-221), p. 215.

22 Cardeal SARAIVA, op.cit., vol.I, 1872, pp. V-VI.

23 Id., op.cit., vol. VII, 1877, p. 4.

24 Id., ib., p. 9.

25 Id., ib., p. 33.

26 Id., ib., p. 200.

27 Id., ib., p. 36.

28 Id., ib., p. 215.

29 Id., ib., p. 229.

30 Id., ib., p. 247.

31 Id., Obras Completas, vol. X, 1883, pp. 7 e 123.

32 Id., ib., p. 96.

33 Id., ib., p. 129.

34 D. Francisco A. LOBO, Discurso Histórico e Crítico acerca do Padre António Vieira e das suas Obras, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1897. O autor desta apreciável Memória foi professor no Seminário do Algarve, vindo a doutorar-se em Teologia pela Univ. de Coimbra, integrando o corpo docente da Faculdade de Teologia. Mais tarde, foi nomeado bispo de Viseu, para além do exercício de outros cargos públicos: foi nomeado secretário de Estado dos Negócios do Reino, ministro e par do reino; próximo do governo de D. Miguel, foi escolhido para conselheiro de Estado e encarregado de fazer a reforma geral dos estudos. Com a vitória do Liberalismo, em 1834, teve de exilar-se. Em 1848-53, foram publicados 3 vols. das Obras Completas deste historiador e homem de letras, membro da Academia Real das Ciências, embora o plano de edição constasse de 10 vols., permanecendo inédita parte da sua obra. Esta memória sobre Vieira integra o vol. II das Obras de D.Francisco A. Lobo (Coimbra, 1823).

35 Id., ib., p. 6.

36 Id., ib., p. 115.

37 Id., ib., p. 129.

38 Id., ib., p. 129.

39 Porto, António Dourado Ed., 1897.

40 Teófilo BRAGA, História da Literatura Portuguesa, vol. III (Os Seicentistas), Porto, Livraria Chardron, 1916, pp. 628-39. Este volume, integrado na série "Recapitulação" da História da Literatura Portuguesa – síntese do grande labor historiográfico patente nos numerosos volumes da "Edição Integral" – foi recentemente reeditado, em Lisboa, pela IN-CM (1984).

41 T. BRAGA, Manual de História da Literatura Portuguesa, Porto, Livraria Chardron, 1875, pp. 398-401.

42 Idem, História da Literatura Portuguesa, vol.III, p. 628.

43 Cf. Idem, Filinto Elísio e os Dissidentes da Arcádia, Porto, Livraria Chardron, 1901, pp. 129-130.

44 Filinto ELÍSIO, Poesias, Lisboa, Sá da Costa, 1941, p. 35.

45 Embora em várias obras seja patente o reconhecimento do escritor de Ceide diante da autoridade de Vieira. Assim acontece, por exemplo, em Luta de Gigantes, quando cita repetidamente o testemunho do orador jesuíta (cf. Obras Completas, vol.XI, Porto Lello & Irmão – Ed., 1990, passim).

46 Camilo Castelo BRANCO, Curso de Literatura, Lisboa, Liv. Editora de Mattos Moreira, 1876, p. 102.

47 Id., ib., p. 103.

48 Id., ib., p. 104.

49 Id., ib., pp. 104-5.

50 Cf. A.Feliciano de CASTILHO, Telas Literárias, vol.I, in Obras Completas, Lisboa, Emp. da História de Portugal, 1907, pp. 69-71.

51 Camilo C. BRANCO, op.cit., p. 123.

52 Id., ib., p. 124.

53 Já que antes referimos a figura de Filinto Elísio, talvez venha a propósito lembrar que também outro autor do seu tempo testemunhou a sua admiração por Vieira. Refiro-me ao polígrafo e truculento P.e José Agostinho de Macedo (1761-1831), um árcade coevo das primeiras afirmações do Romantismo. Com efeito, nas páginas do seu Motim Literários em Forma de Solilóqios, 3ªed., Lisboa, Typ. de António José da Rocha, 1841, deparamos com repetidas considerações elogiosas para com a arte oratória do P.e Vieira, louvores tanto mais significativos, quanto eram oriundos de uma pena bem pouco habituada a elogiar o génio alheio... Assim, no tomo I, p.96, mau grado alguns reparos, considera Vieira "um orador perfeito"; e, no tomo III, não se coibe de salientar a beleza de um seu sermão.

54 Foi essa a preocupação de Denis BRASS, em "António Vieira: o nosso contemporâneo", in Aufsätze zur Portugiesischen Kulturgeschichte, ed. por Hans FLACHE, vol. 16, Aschendorffsche Verlagsbuchhandlung, Münster Westfalen, 1980, pp. 16-30.

55 J. L. BORGES, "Sobre los Clásicos", in Otras Inquisiciones, 2ª ed., Madrid, 1979, p. 191.

56 Perspectiva já desenvolvida em relação a outras literaturas – veja-se, por ex., o estudo de Pierre MOREAU, Le Classicisme des Romantiques, Paris, Lib. Plon, 1952.

(Comunicação apresentada no Colóquio sobre o P.e António Vieira, realizado na Faculdade de Filosofia (26 de Nov. de 1997), texto depois publicado na Revista Portuguesa de Humanidades, vol. 1 (1998), pp. 149-182.)

J. Cândido Martins (Universidade Católica Portuguesa – Braga)

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