Letras & Letras

Ensaios


António Soares Amora
e os Estudos de Literatura Portuguesa no Brasil

Nada mais inculto e vergonhoso do que não saber agradecer ou mostrar reconhecimento pela dedicação e labor de uma vida consagrada à cultura e às letras, estando bem vivo o homem alvo da homenagem. Com efeito, um dos mais eloquentes sinais da maturidade cultural das sociedades e das instituições que a representam, é o de saber reconhecer o mérito dos membros que nela se nobilitaram com a distinção do seu trabalho e o exemplar perfil moral da sua conduta. Esse é o caso da mais recente distinção, depois de muitas outras já recebidas anteriormente, de que foi alvo um reconhecido professor brasileiro, devotado aos estudos de literatura luso-brasileira. Trata-se de agradecer o dom de uma vida dedicada a uma nobre causa e, com isso, de potencializar o seu exemplo às outras gerações e à comunidade em geral. Numa palavra, iniciativas deste tipo só enobrecem quem as toma, ao mesmo tempo que prestam adequada justiça ao homenageado.

Com este louvável espírito, para comemorar os 80 anos do Professor António Soares Amora, Prof. Emérito da Universidade de São Paulo, foi lançada, no final de 1997, uma obra colectiva em sua homenagem. Intitulada O Mestre (Homenagem das Literaturas de Língua Portuguesa), esta esmerada e apropriada edição teve a iniciativa e organização de Rodrigo Mendes Leal e Maria Helena Nery Garcez. Já o seu patrocínio coube à Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes de São Paulo, de que o homenageado faz parte activa como académico, bem como ao Centro de Estudos Portugueses da Universidade de São Paulo, cuja efectiva criação e dinamização a ele também se deve.

Para melhor compreendermos a justiça e oportunidade desta dádiva de gratidão da cultura paulista e brasileira a um professor que dedicou toda a sua vida ao ensino da Literatura Portuguesa, sobretudo para um público português menos familiarizado com os estudo portugueses em terras de Santa Cruz, é imprescindível: 1º) traçar uma brevíssima panorâmica histórica dos estudos portugueses na prestigiada Universidade de São Paulo; 2º) apresentar, de um modo muito sumário, a obra e o currículo académico do homenageado; 3º) apreciar, muito genericamente, o variado conteúdo da referida obra colectícia. Deste modo, além de justificarmos o sentido desta merecida homenagem, ficaremos a conhecer, talvez um pouco melhor, a importante presença do ensino da Literatura Portuguesa na maior nação de falantes da Língua lusa. Só para termos uma pequena ideia destas dimensões, lembremos que a Associação de Professores Universitários Brasileiros de Literatura Portuguesa congrega, como seus membros, cerca de 800 docentes (1). Por si só, isto significa que devemos ter plena consciência, cada vez mais, de que o futuro da Língua e da Literatura portuguesas não se confina aos restritos espaços das fronteiras nacionais. Pelo contrário, a sua reconhecida vitalidade e rumos de desenvolvimento estão indissoluvelmente ligados ao dinamismo que a Língua e a Literatura vão conhecendo no vasto espaço pluri-nacional da lusofonia.

1. Na década de 30, durante a presidência de Getúlio Vargas, o governo estadual de São Paulo, presidido por Armando Sales, convidou alguns dos mais eminentes professores e investigadores estrangeiros, de Portugal, França, Alemanha ou Itália, resolvido a criar a nova Universidade de São Paulo (USP) na capital do rico e industrializado estado brasileiro. Assim, com vista à criação do corpo docente da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (criada em 1934), entre outros nomes sonantes, então jovens professores (Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Roger Bastide, Pierre Hourcade ou Michel Berveiller), para a Literatura Italiana foi convidado, em 1936, o professor e poeta Giuseppe Ungaretti (1888-1970), que, durante os seus estudos na capital francesa convivera com Apollinaire, Braque e Picasso. Giuseppe Ungaretti manteve-se em São Paulo até 1942, em plena II Guerra Mundial, data em que o Brasil cortou relações diplomáticas com a Itália, sendo então nomeado Prof. Catedrático da Universidade de Roma.

Já para a leccionação da Filologia Portuguesa, foi convidado, pela mesma altura, o Prof. Francisco Rebelo Gonçalves (1907-1982), que acumulou com a Filologia Clássica (Língua e Literaturas Grega e Latina)(2). Rebelo Gonçalves manteve-se em São Paulo de 1935 a 1938, continuando depois uma laboriosa carreira como Professor da Faculdade de Letras de Coimbra e, mais tarde (a partir de 1951), da Faculdade de Letras de Lisboa.

Para a Literatura Luso-Brasileira, em substituição do filólogo Otoniel Mota e por mediação de Rebelo Gonçalves (como se pode inferir da correspondência trocada entre os dois), foi contratado o Prof. Fidelino de Figueiredo (1889-1967), autor de uma obra de méritos reconhecidos no campo da Crítica, da História e da Teoria literárias, bem como do ensaio sobre as profundas questões que se levantavam sobre o Homem e a Cultura do seu tempo. Por esta altura, já Fidelino de Figueiredo tinha exercido funções como Professor da Universidade Central de Madrid e da Universidade da Califórnia (Berkley).

Uma das primeira iniciativas de Fidelino foi justamente a de desmembrar, curricularmente, as duas disciplinas em dois cursos autónomos, ficando ele com a Literatura Portuguesa - o que só veio a realizar-se em 1940. Incentivou uma política editorial de publicações na área dos estudos literários, criou uma revista da Faculdade, intitulada Letras (1938-1954) e, mais do que tudo, fomentou novas vocações de professores e investigadores entre os seus alunos. O pai Fidelino (assim era chamado afectuosamente pelos seus alunos) permaneceu na Univ. de São Paulo de 1938 a 1951, período que o próprio classificou como anos "felizes de convívio e trabalho", geradores de um contagiante sentimento de fidelinofilia. Por conseguinte, pode-se dizer hoje que, entre os inúmeros méritos da actividade de docência e investigação deste ilustre e pioneiro professor português, está o da introdução, a partir de finais dos anos 30, dos Estudos de Literatura Portuguesa na universidade brasileira - Universidade de São Paulo e, em 1940-41, na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro (hoje, Faculdade de Letras da Univ. Federal do Rio de Janeiro, UFRJ) -, estudos para os quais deu um notável contributo modernizador ao longo de década e meia (3).

Entre os conhecidos discípulos da "escola" fideliniana, salientem-se os nomes de: António Soares Amora (aluno de F. Figueiredo em 1938-39), Segismundo Spina, Cleonice Berardinelli, Naief Safady, Carlos Assis Pereira, Nelly Novaes Coelho ou Massaud Moisés. O fecundo magistério de influência produzido pelo trabalho de Fidelino de Figueiredo foi depois continuado pelo seu mais directo discípulo, António Soares Amora, ligado profissional e familiarmente ao pai Fidelino. Na Cátedra de Literatura Portuguesa da FFLCH da USP, sucedeu-lhe Massaud Moisés (1973-1995), que já vinha produzindo importantes trabalhos nesta área a partir da década de 50. Ainda chegou a ser aluno de Fidelino de Figueiredo num curso de pós-graduação, pouco antes de ele regressar a Portugal, vítima de doença progressiva e incurável. A biblioteca de Fidelino de Figueiredo foi, depois, doada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, enquanto que o importante acervo da sua Correspondência Passiva (cerca de 11 000 cartas, de cerca de 1500 correspondentes) foi legado ao Centro de Estudos Portugueses da Univ. de São Paulo.

Num colóquio realizado há algum tempo, António Soares Amora recordava a primeira aula de Fidelino de Figueiredo, a que assistira na USP, sobre um texto de Oliveira Martins. Procedia a essa lembrança com o duplo sentimento da calorosa emoção e de surpresa perante a inovação metodológica: "Habituados ao ensino da literatura como história literária, dirigida sobretudo à nossa capacidade mnemónica, suas aulas foram para nós uma surpreendente demonstração de procedimentos renovadores: em vez de episódios histórico-literários, de minúcias biobiblográficas, de uma abundância de datas e de teses quase sempre polémicas, o que tivemos (...), foram, em princípio, tão só aulas de leitura de um texto literário" (4).

Também Cleonice Berardinelli, Prof.ª Catedrática da UFRJ e uma das primeiras alunas de Fidelino de Figueiredo, em finais do anos 30, num texto ternamente evocativo, incluído na referida obra de homenagem a Soares Amora - O Mestre -, salienta o fascínio que a docência de Fidelino exercia entre os jovens alunos da USP: "Nosso ponto de maior confluência foi um mestre muito especial que, português, era um cidadão do mundo. O mundo o acolhera, quando a pátria o rejeitara. A pátria, não, o regime que a dominara, o execrado salazarismo que ele criticara e contra o qual se insurgia. A USP o convidou e nós recebemos com simpatia crescente a cada nova aula, a cada encontro. A par do afeto, a admiração. Admiração pelo saber, pela capacidade de transmiti-lo, pela inteira simplicidade. Víamo-lo lá no alto da sua competência, e nos sentíamos pequenos. Ele, porém, nos dava a mão, acercando-se de nós, buscando uma relação que nos aproximasse, sobretudo pela afeição" (p. 103). Já em 1989, numa homenagem que a revista Colóquio-Letras, prestou a Fidelino de Figueiredo, Cleonice Berardinelli evocava o influente humanista que, a partir de 1938, lançou os alicerces do estudo da Literatura Portuguesa em São Paulo, num texto intitulado "Fidelino de Figueiredo: um mestre, um homem".

2. Sem estafadas desculpas retóricas, podemos dizer que o longo e valioso currículo académico do Prof. António Soares Amora, quase indissociável do labor de Fidelino de Figueiredo por terras do Brasil (5), não necessita de grandes apresentações encomiásticas, sobretudo para os informados professores de Literatura(s) de língua portuguesa. Com essa justificativa sincera, circunscreveremos a nossa apresentação ao essencial, tal como o fez um dos organizadores, presidente da Academia Paulista, Rodrigo Mendes Leal, logo a abrir a obra comemorativa (pp. 15-18), ou de João Alves das Neves (pp. 272-279).

Nascido no município de Itaquera (São Paulo), António Augusto Soares Amora bem cedo revelou a sua vocação para o estudo das letras, em parte influenciado pelo ambiente familiar. Licenciado em Letras pela Universidade de São Paulo, na mesma instituição foi construindo uma carreira universitária de prestígio, seguindo os vários degraus: assistente (de F. Figueiredo, de 1942 a 1955), doutor em Letras, livre docente e professor (catedrático). Como escrevia o próprio pai Fidelino, "a sua capacidade para a docência grangeou-lhe condições para iniciar os estudos de Literatura brasileira nas universidades de Hamburgo e de Wiscounsin" (6). Além destas estadas na Alemanha e nos EUA, e de repetidas pesquisas em Portugal, demonstrou a sua capacidade empreendedora quando, em 1959, foi incumbido pelo governo do Estado de São Paulo para fundar e dirigir a Faculdade de Filosofia e Letras de Assis.

Ao Prof. Soares Amora se ficou também a dever a criação do Instituto de Estudos Portugueses, em 1955 (hoje, Centro de Estudos Portugueses), anexo à sua cátedra de Literatura Portuguesa, ao abrigo de um convénio com a Universidade de Coimbra. A ideia de criação de um Instituto de Literatura tinha sido, previamente, proposta por Fidelino de Figueiredo, em 1 de Fevereiro de 1948, e aprovada pelo Conselho da Faculdade, mas adiada por falta de condições de execução. A constituição do seu relevante acerbo bibliográfico iniciou-se com os livros portugueses que foram enviados de Portugal, em 1954, para a Exposição Comemorativa do VI Centenário da cidade de São Paulo.

Soares Amora participou activamente em inúmeros colóquios internacionais, particularmente na área dos estudos luso-brasileiros. Teve um papel activo na celebração do 4º Centenário da cidade de São Paulo (1954). Em 1969, a convite do Governador de São Paulo, Abreu Sodré, trabalhou na organização da Fundação Padre Anchieta (Centro Paulista de Rádio e TV Cultura), em cujo Conselho de Administração se mantém ainda hoje. Em 1982, é-lhe outorgado o título de Professor Emérito da Universidade de São Paulo, numa cerimónia em que o elogio do homenageado coube a Massaud Moisés, com um discurso recolhido nesta colectânea. A propósito do título de Prof. Emérito, declarava o conhecido orador: "(...) o galardão distingue toda uma vida de excelências, profissionais, científicas, morais" (p. 436).

No capítulo das investigações e publicações, destaquemos a edição de uma pioneira Teoria da Literatura, em 1944 (7), que conheceu uma dezena de edições até finais dos anos 70. Esta obra foi redigida por sugestão de F. Figueiredo, que fez sentir ao seu jovem assistente a necessidade de elaboração de uma obra que sistematizasse as principais questões teóricas da literatura, área em que os estudantes de Letras tinham grandes carências. Aliás, na proposta de criação do Instituto de Literatura que F. Figueiredo apresentara, em 1948, à direcção da Faculdade, entre os objectivos destaca a promoção de investigações "sobre os problemas gerais da literatura ou Filosofia da Literatura". O próprio F. Figueiredo publica, nesse ano de 1944, uma obra que constitui o momento culminante da sua reflexão teórica sobre o fenómeno literário, iniciada nos longínquos anos 10 - A Luta pela Expressão (Prolegómenos para uma Filosofia da Literatura). Com reedições até aos anos 70 e tradução integral para castelhano e para inglês (apenas do último capítulo), este trabalho fideliniano foi apresentada na Acabemia Brasileira de Letras em 11 de Novembro de 1943 e discutido num curso de pós-graduação em Literatura Portuguesa, dado pelo autor na USP, já depois de publicado em forma de livro.

Recorde-se que, quando foi criada a cadeira de Teoria da Literatura pelo Prof. Amora na USP e na Faculdade de Assis, depois de aprovada ainda em meados dos anos 50, era uma disciplina propedêutica, dada no 1º ano da graduação e antes do estudo da Literatura Brasileira e Portuguesa. Era, por conseguinte, uma introdução geral à problemática da literatura. No ano de 1962 e a convite do Prof. Soares Amora, o primeiro professor da recém-criada Teoria da Literatura na USP foi António Cândido, recém-galardoado com o Prémio Camões. Já dois anos antes, o mesmo professor leccionara a nova disciplina na Faculdade de Filosofia e Letras de Assis, sucedendo-lhe o português Jorge de Sena.

No currículo académico de Soares Amora, segue-se a publicação d'O Nobiliário do Conde D. Pedro. Sua concepção da história e sua técnica narrativa e El-Rei D. Duarte e o "Leal Conselheiro" (ambos de 1948, publicados no Boletim de Letras, nº 4 e 5), e antes apresentados e defendidos como dissertações de doutoramento e de concurso à docência livre, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (USP), em Outubro de 1946 e Novembro de 1947, respectivamente. No campo da História Literária, edita uma História da Literatura Brasileira (Sécs. XIX-XX), com edição portuguesa e checoslovaca; e também o volume A Literatura Brasileira. O Romantismo, para a Cultrix (1977), reeditado várias vezes. Entre outros contributos para os estudos camonianos, publicou Manuel Pires de Almeida - Um crítico Inédito de Camões (1955) (8). Como complemento didáctico da Teoria da Literatura, redigiu Soares Amora uma Introdução à Teoria da Literatura (1971), também objecto de várias edições.

No campo da edição de textos (antologias e livros didácticos, com textos devidamente seleccionados e acompanhados de notas), o Prof. António Soares Amora publicou edições de textos do Pe. António Vieira (1946 e 1975), Os Lusíadas (1956), um Panorama da Poesia Brasileira (1959), Iracema, de José de Alencar (1959); editou as Obras Completas de Alexandre Herculano (1959), as Obras de Cláudio Manuel da Costa (1962) ou Garrett. Frei Luís de Sousa e Viagens na Minha Terra (1965); dirigiu ainda a publicação de Presença da Literatura Portuguesa. História, Crítica e Antologia (1961); além de inúmeros estudos e artigos dispersos por revistas e publicações da especialidade. Além destas publicações, deve-se ao Prof. António Soares Amora uma série incontornável de estudos sobre a obra teórico-crítica de Fidelino de Figueiredo, sobretudo se tivermos em conta que, pelas razões já apontadas, Soares Amora é o mais devotado conhecedor da obra do fecundo professor português (9).

Em face de uma vida dedicada ao ensino e à cultura, e para quem teve o privilégio de conhecer o professor e o homem António Soares Amora, não surpreende esta merecidíssima homenagem. Quem melhor do que o seu antigo aluno e sucessor na cátedra de Literatura Portuguesa da USP, Massaud Moisés, para evocar o seu "exemplo de pedagogo e didata", de investigador, conferencista e de semeador de Cultura, com estas palavras sintéticas: "Vossa Excelência dedicou toda a existência ao ensino, inicialmente o secundário, levando a centenas e centenas de estudantes o brilho, a clareza, a elegância de sua didática sem par. Chamado, nos começos da década de 40, para assistente do prof. Dr. Fidelino de Figueiredo, nessas funções se empenhou vivamente, galgando os vários degraus da carreira universitária, até sucedê-lo na Cátedra, em 1955" (p. 436).

Para além do seu trabalho de investigação, a Soares Amora é ainda reconhecido o louvável mérito de reunir e potencializar uma vasta equipa de professores e investigadores mais novos, como é recordado também por Massaud Moisés. Destacando o poder de comunicação e a afabilidade incentivadora do homenageado, Massaud Moisés não receia mesmo afirmar que da sua acção e estímulo "nasceu um movimento de renovação dos estudos da cultura portuguesa que percorreu todo o país" (p. 437), a partir justamente do dinamismo do Instituto de Estudos Portugueses: (...) à sua volta se reuniriam discípulos e continuadores, contagiados pela flama irradiada por suas aulas, preleções e seminários. (...) Nesse centro de investigação [Centro de Estudos Portugueses], o seu poder aglutinador, estimulador de potências intelectuais, atingiria o clímax, congregando estudantes e colegas num trabalho sem antecedentes entre nós, modelo de outros congéneres brotados em vários recantos da Nação" (p. 436).

3. A melhor homenagem que se pode tributar a um incansável professor, é reconhecer a importância do seu labor, o pioneirismo das suas propostas, a generosidade da sua influência. Isso mesmo tem acontecido, recentemente, em Portugal, no Brasil ou noutros países, com a homenagem a grandes professores, críticos e scholars universitários de reconhecido mérito e concensual relevância: Jacinto do Prado Coelho, Óscar Lopes, Celso Cunha, Cleonice Berardinelli ou Luciana Stegagno Picchio. Em reconhecimento do seu produtivo trabalho, editaram-se importantes obras colectivas, onde colegas, antigos alunos, discípulos ou admiradores tributam o seu testemunho de um modo directo ou apenas implícito.

O volume colectivo em homenagem do Prof. António Soares Amora, intitulado O Mestre, é composto por um conjunto de 59 artigos, que perfaz um bonito tomo de quase seiscentas páginas. Reunindo professores e intelectuais de deferentes gerações e distintas profissões, com predomínio para os professores de Literatura, esta obra apresenta um conjunto variado e algo desigual de colaborações, quer a nível temático, quer do ponto de vista da profundidade atingida neste tipo de texto de reduzidas dimensões.

A nível disciplinar, o leitor é confrontado ora com textos evocativos (como os que já referimos), ora com textos cujo âmbito temático abarca a literatura portuguesa, brasileira e africana. O traço de união desta pluralidade e, como é bom de ver, a Língua Portuguesa espalhada pelo mundo. Entre os vários colaboradores, que acederam a prestar homenagm a António Soares Amora,permito-me destacar os nomes de: António Cândido, Beatriz Berrini, Benjamim Abdala Júnior, Fábio Lucas, Gilberto Mendonça Teles, José Aderaldo Castelo, Lélia Parreira Duarte, Leodegário A. de Azevedo Filho, Leyla Perrone-Moisés, Nelly Novaes Coelho, Segismundo Spina ou Wilson Martins.

É difícil, numa brevíssimo relance, comentar o conteúdo variado dos vários textos da colectânea e o seu distinto valor. No entanto, a pensar nos leitores interessados mais directamente na Literatura Portuguesa, tomo a liberdade de sublinhar a existência de trabalhos sobre autores como: literatura galaico-portuguesa, Fernão Lopes, Camões, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Camilo Pessanha, Fernando Pessoa, Jorge de Sena ou José Saramago. Como acontece noutras obras desta natureza, são textos relativamente breves, mas contendo frequentemente ricas sugestões de interpretação de algumas das obras canónicas da nossa literatura. Vários dos seus autores, tem-se dedicado justamente ao ensino e investigação da Literatura Portuguesa em universidades brasileiras. A obra é ainda ilustrada com um interessante conjunto de fotografias, fixando para a posteridade alguns dos momentos do percurso do homenageado.

Resta-nos, no final da apresentação de uma obra comemorativa, endereçar parabéns aos organizadores desta homenagem singela mas expressiva. Nunca é demais celebrar a dádiva da vida de um professor que, atingindo os 80 anos, devotou a maior parte da sua existência modelar ao ensino e à investigação.

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(1) Vejam-se, a este propósito, as comunicações de António Soares Amora, intituladas "O ensino da Literatura Portuguesa no Brasil" e "A Literatura Portuguesa como disciplina básica do Curso de Letras", apresentadas ao X Encontro de Professores Universitários Brasileiros de Literatura Portuguesa - I Colóquio Luso-Brasileiro de Professores Universitários de Literaturas de Expressão Portuguesa, Lisboa / Coimbra / Porto, Inst. de Cultura Brasileira - Univ. de Lisboa, 1984, pp. 125-9 e 206-8, respectivamente.

(2) Entre outras relevantes publicações paulistanas do Prof. Rebelo Gonçalves, destaquem-se as Dissertações Camonianas e o grosso tomo intitulado Filologia e Literatura, ambos de 1937.

(3) Ainda nos anos 40, durante a sua comissão de serviço na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, é o próprio F. Figueiredo que caracteriza os primórdios do ensino da Literatura Portugesa na USP, num texto intitulado "O Ensino Superior da Literatura no Brasil", Anuário Brasileiro de Literatura [Rio de Janeiro], nº 5 (1941), pp. 54-56 e 256. Insiste o A. em duas ideias fundamentais: 1ª) a necessidade de desmembrar o estudo da Literatura Luso-Brasileira em duas disciplinas curricularmente distintas, deixando a Literatura Portuguesa de ser uma simples"preparação introdutória" da Literatura Brasileira; 2ª) o cuidado em apostar numa política educacional em que o ensino e investigação se pautem por critérios de excelência, para o que era necessária a criação de um Instituto de Literatura, de que F. Figueiredo traça as características organizacionais.

(4) António Soares Amora, "Fidelino de Figueiredo na origem dos Estudos de Literatura Portuguesa no Brasil", in XIII Encontro de Professores Universitários Brasileiros de Literatura Portuguesa, Rio de Janeiro, UFRJ, 1992, p. 20. Assinale-se que Fidelino de Figueiredo era justamente um dos professores homenageados deste Encontro.

(5) É significativa a presença, nesta obra colectiva, de textos que relacionam a obra de Fidelino de Figueiredo com a do seu mais dilecto continuador, como, por ex., o de Julio Gregorio García Morejón, autor de Dos Coleccionadores de Angustias: Unamuno y Fidelino de Figueiredo (São Paulo, Fac. de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, 1967), escreve um texto evocativo, intitulado "Una experiencia inolvidable" (pp. 332-336). Já Tânia Franco Carvalhal, professora de Teoria da Literatura e investigadora de Literatura Comparada da Univ. Fed. do Rio Grande do Sul, salienta "A contribuição de Fidelino de Figueiredo à literatura comparada" (pp. 527-534), matéria que já abordara noutras ocasiões (ver Actas do I Congresso da APLC. Associação Portuguesa de Literatura Comparada, vol. II, Lisboa, 1990 pp. 81-88).

(6) Fidelino de Figueiredo, "Amora (António Augusto Soares)", Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. II, Lisboa, Verbo, p. 2.

(7) Por esta altura, pela Europa, no difícil contexto da II Guerra Mundial, redigia Eric Auerbach a clássica Mimesis (Berna, 1946) e o alsaciano Ernst Robert Curtius compunha a sua monumental Literatura Europeia e Idade Média Latina (Berna, 1948). [Esta última obra foi traduzida e editada recentemente em São Paulo, pela Edusp, 1996, com trad. de Paulo Rónai e Teodoro Cabral.] Não deixa de ser sintomático que algumas das obras mais relevantes da reflexão teórico-crítica da 1ª metade do séc. XX tenham sido publicadas no conturbado período de entre as duas Guerras Mundiais, ou imediatamente a seguir à II Grande Guerra. Disso são ainda exemplo as obras de: J. Huizinga, O Outono da Idade Média (1919); Paul Hazard, A Crise da Consciência Europeia (1935); ou Gilbert Highet, A Tradição Clássica (1949). Neste período da cultura intervalar (conceito de Fidelino de Figueiredo), sobretudo depois do holocausto da Segunda Guerra, pensava-se justamente na ameaça ou declínio da própria cultura ocidental, procurando as suas matrizes clássicas, gregas e latinas. Por outras palavras, por estas décadas de incerteza, predominou um assinalável e compreensível pendor classicizante nos Estudos Literários.

(8) Seguindo uma sugestão de F. Figueiredo na sua pioneira História da Crítica Literária em Portugal (Da Renascença à Actualidade), 2ª ed., Lisboa, Liv. Clássica Ed., 1916, pp. 28 e 185 e ss.

(9) De entre esses estudos fidelinianos de Soares Amora, destacamos: "Fidelino de Figueiredo", Yearbook of Comparative and General Literature [Chapel Hill], II, 7 (1953), pp. 49-51; "Contribuição de Fidelino de Figueiredo à Camonologia", in Actas da V Reunião Internacional de Camonistas, Univ. de São Paulo, 1987, pp. 457-463; "Fidelino de Figueiredo e o colóquio luso-brasileiro", Colóquio-Letras, 112 (1989), pp. 11-16; Fidelino de Figueiredo, Lisboa, IN-CM, 1989; "Fidelino de Figueiredo e a renovação da crítica, da história e da teoria literária em Portugal", Nova Renascença, IX (1989), pp. 87-94; "Fidelino de Figueiredo", in António Braz de Oliveira (coord.), Fidelino de Figueiredo, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1989, pp. 11-15; "A ideologia crítica de um camonista: Fidelino de Figueiredo", in Estudos Portugueses (Homenagem a Luciana Stegagno Picchio), Lisboa, Difel, 1991, pp. 509-518; "Fidelino de Figueiredo na origem dos Estudos de Literatura Portuguesa no Brasil", in XIII Encontro de Professores Universitários Brasileiros de Literatura Portuguesa, Rio de Janeiro, UFRJ, 1992, pp. 18-22; "Fidelino de Figueiredo: em defesa do Espírito Histórico", in Cilene C. Pereira e Paulo R. D. Pereira (Org.), Miscelânea de Estudos Linguísticos, Filológicos e Literários (In Memoriam de Celso Cunha), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995, pp. 771-775. Mais recentemente, Soares Amora preparou a reedição da História da Literatura Romântica de F. Figueiredo, para a Editora Lello (Porto), a sair em breve.

J. Cândido Martins (Universidade Católica Portuguesa – Braga)

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