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A Casa e o Tempo de Beckert d'Assumpção

A Casa e o Tempo de Beckert d'Assumpção é a obra que ora pomos sob os vossos olhos. A família Homem prima pela excentricidade e pelo emaranhado de ramos na árvore genealógica. Internacionalmente, apelida-se de Home, Mann, Ho Men, ou Hombre, mas o que mais a define é a casa onde se entrincheira – imensa e diabolicamente excitante. Um tecto aristocrático e confinado onde esta fantasiosa estória de Beckert se concentra, à moda da tragédia de alto coturno. Um espaço exótico donde sobressai a nostalgia do mirante, das clarabóias sobre as telhas alfacinhas... e as loucas idiossincrasias da fauna familiar que habita a mansão.

Os membros da casa são a germânica Maria Rita e o felino Tony Su, nascido no Viet-Nam, experiente nos territórios da Birmânia e Tailândia, verdadeiro Tarzan enamorado que se exercita nos telhados. Ruth, judia, como atesta o nome. Moisés Birnbaum, exilado da Alemanha Nazi, ao vosso dispôr. Zélia e o tio, o grande tio, o imenso tio Alfredo, de olhos retrácteis, como telescópios. Jacques e Jacqueline. A velha Zélia. E uma troupe de tios e tias e omnipresentes antepassados. Para não esquecer o cão Putzi, que também desempenha o seu papel no drama passional que se seguirá.

Enfim, – uma família disposta a enfrentar o mundo, como ela própria se determina e define.

E é nesta Torre de Babel do Bairro Alto que se inscrevem as cenas trágico-cómicas de uma bizarra comunidade, evocadas com mestria pelo autor. Contadas com um fino e dengoso humor. Intrigas amorosas, crimes, peculiaridades, emergem narradas num estilo a soar a Virginia Woolf. Mutatis mutandis, claro. O ponto de vista muda de acordo com os intervenientes da estória, mas mantém-se a vivacidade e, acima de tudo, a estranheza de que Beckert, com sucesso, não prescinde.

O livro torna-se, de quando em quando, algo emaranhado, pela profusão de intervenientes na caricatura desta família luso-germânica. Porém, A Casa e o Tempo prende pelo caleidoscópio de épocas e actantes, pelo estilo desembaraçado e por uma excepcional criatividade. O absurdo em forma, à maneira do dramaturgo Samuel Becket, ou o espanhol Rafael Sanchez Ferlosio. Tão desconcertante que é impossível não o levar na bagagem das férias.

João de Mancelos

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