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Casos do Beco das Sardinheiras de Mário de Carvalho

Mário de Carvalho sabe desenroscar-se com argúcia na teia literária contemporânea. Algures entre o eruditismo e um agradável sabor popular, as suas criações são das mais agradáveis simbioses que a Editora Caminho tem posto sob os nossos olhos.

Mário é um prosador de pontaria certeira e os seus livros são muito digeríveis. Estórias que enredam, especialmente pelo inverosímil – a soar a Ray Bradbury ou a Jorge Luís Borges – e por um humor negro que Arthur Machen não desdenharia usar. Esta receita simples e inspirada, este cocktail de estranheza, conduziu Casos do Beco das Sardinheiras à terceira edição.

O livro exibe uma curiosa galeria de personagens – pessoas vulgares mas caricatas, alfacinhas embasbacados com o inusitado, de ombros encolhidos ao destino. Em comum, a partilha e o dar à língua sobre todas as microscópicas peripécias das suas vidas. Ei-los: a gata Tareca, o Manuel da Ribalda, o Paulinho Marujo, o Zé Metade (assim chamado porque ao tentar separar o Manecas Canteiro do Mota Cavaleiro ficou cortado em dois), a Dona Catalina, o Zeca da Carris... Tanta arraia-miúda, ao jeito vicentino ou de Fernão Lopes, dá-nos uma certa sensação de déjà vu.

A linguagem afiada e nativa do beco salta da boca do mulherio regateiro. As altercações, a bisbilhotice, as grandezas e misérias montam emboscada constante ao leitor. Porém, o mais convincente é o desconvincente das estórias ou crónicas – os fenómenos do Beco das Sardinheiras – espécie de Entroncamento lisboeta: um homem que engole a Lua, para espanto da Humanidade; uma pantera que come polícias; a pedra negra que não arreda pé da rua dos Eléctricos, nem mesmo à força de furgoneta; o misterioso trombone do tio Bento. Tudo coisas de embasbacar.

Uma dúzia de estórias para os descrentes da verosimilhança. Nem sempre tecidas com bom gosto, algo frágeis, de quando em quando, mas bem conseguidas pelo retrato caricatural que fazem da boa gente Portuguesa.

João de Mancelos

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