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Recensões

Eu, Lourenço, Andarilho da Vida de Teresa Castro d'Aire

"Bildungsroman", conto histórico e livro de memórias cruzam arestas para se fundirem com algum equilíbrio neste Eu, Lourenço, Andarilho da Vida. Da junção resulta uma obra insofismavelmente didáctica e exemplificadora da época Napoleónica. O viver quotidiano e o calendário religioso com festas e romarias, o vestuário e a alimentação, os "ways of life" da população menos afortunada... Todo um desfile de detalhes coloridos que reconstroem com eficácia (mas algum excesso) aquilo que Herculano classificou de 'a vida privada dos povos'. A existência publica, essa emerge das lutas Napoleónicas em que o herói Lourenço, picaresco e cheio de artimanhas, toma parte. Desde as invasões espanhola e portuguesa – com o desastre da ponte das barcas 'a fatídica entrada na Rússia.

Lourenço tem estatura de topo –"namoradeiro e poeta, andarilho da vida, espectador de uma revolução passageira da eternidade". Convence o leitor no desfile meteórico de uma centena de pequenas paginas.

Atrai mais pelo rocambolesco da existência quixoteana, que propriamente pelo estilo, esse despretensioso. Como conviria a um vendedor de fruta e conquistador despudorado (...) marinheiro, contrabandista tocador de flauta e aprendiz de bruxo".

Teresa Castro d'Aire retoma a pureza dos contadores de historia, numa época em que a tessitura literária se tem complexificado, até ser mais trabalhado de intelectuais que de Artistas. Alinha com Mário de Carvalho num género que se está a impor e a aliciar a comunidade literária: a estória.

E porém, esta obra valorizar-se-ia bem mais com leves mudanças. As peripécias deviam emparceirar com descrições mais evocativas e menos comuns. Certos trechos de dialogo substituíram com vantagens a narrativa compacta. Isto, porque ocasionalmente os episódios são mosaicos a necessitarem de maior brio e coesão. Apesar disso, o livro vence pelo engenho do imaginário. Embora a contracapa de João de Melo crie um horizonte de expectativas a nível do estilo, ao afirmar a obra de "engenhosamente poética", que me parece exagerada. O discurso vale bem mais aqui pela ingenuidade e adequação do registo. Assim o saiba apreciar quem lê.

Publicação recomendada pelo prémio revelação.

João de Mancelos

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