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O desenvolvimento da gramática na escola

INTRODUÇÃO

Em geral, as crianças, quando aos seis/sete anos entram para a escola, dominam já a gramática da língua materna com certa perfeição. Esta gramática é chamada gramática implícita. Será na escola, e em particular nas aulas/lições de língua materna, que elas irão desenvolver as suas capacidades linguísticas através do estudo e reflexão da chamada gramática normativa. Este estudo levará a um aperfeiçoamento a nível oral e, depois, escrito. Será tarefa do professor incentivar o seu estudo e fazer com que ele não se transforme em mera listagem de regras desvinculadas da realidade quotidiana do uso da língua.

Propomo-nos, com esta reflexão, procurar fontes de apoio para uma tomada de consciência acerca da importância do estudo da gramática nas aulas de Português tendo em vista o desenvolvimento da linguagem, e conciliar algumas concepções para o ressurgimento de melhores resultados.

Dividimos a nossa reflexão em três capítulos. No primeiro, falaremos das várias partes da gramática: procuraremos definir o que é a gramática e que partes a constituem. No segundo, falaremos do ensino da gramática na escola: o que dizem os Novos Programas acerca do ensino da gramática, como a abordar, princípios metodológicos a ter em conta. No terceiro capítulo, falaremos do desenvolvimento da sintaxe: a importância do estudo da frase em vez de palavras isoladas, estratégias para o seu ensino, actividades na sala de aula.

1. AS VÁRIAS PARTES DA GRAMÁTICA

Segundo John Lyons, o «termo gramática provém, através do latim, de uma palavra grega que se pode traduzir por "a arte de escrever". Mas bem cedo, na história da Filologia grega, esta palavra adquiriu um sentido muito mais extenso e acabou abrangendo todo o estudo da língua, tanto quanto o entendiam os gregos e os seus sucessores.» (1)

A partir do século XIX, o termo gramática passou a ser utilizado num sentido mais restrito. «Como é usado hoje, ele tende a limitar-se àquela parte da análise da língua que na gramática clássica se classificava sob o título de flexão e sintaxe. A distinção tradicional entre flexão e sintaxe que repousa no conceito da palavra isolada como unidade fundamental da língua pode ser formulada do seguinte modo: a flexão diz respeito à estrutura interna das palavras, enquanto a sintaxe explica o processo pelo qual as palavras se combinam para formar frases. Assim, ela exclui, por um lado, a descrição fonológica das palavras e das frases e, por outro, a explicação do significado que trazem consigo as palavras e as frases individuais.» (2) A fonologia e a semântica são, nesta concepção, disciplinas consideras à margem da gramática.

Mário Vilela diz-nos que há «vários conceitos de gramática. Temos o conceito estrito, "compêndio de gramática" suportado por um livro, e o conceito lato, as outras concepções de gramática. Nestas últimas, há ainda o conceito estrito: morfologia e sintaxe, e o conceito lato, o que engloba também fonologia, lexicologia, semântica e pragmática.» (3) Ele próprio propõe a seguinte definição de gramática: «é a consideração e descrição da língua como construção, como estrutura imanente, como sistema e como sistema de regras que estão subjacentes ao funcionamento da língua.» (4) Para Maria Raquel Delgado-Martins e Inês Duarte, «gramática é a descrição do conhecimento que o falante tem da língua.» E, ao contrário de certas concepções redutivistas, a gramática abrange «todas as áreas que têm sido reconhecidas como integrando o saber que os falantes têm da sua língua materna.» (5)

Conforme nos explica Jerome Bruner, o problema de saber se as regras da gramática podem ser deduzidas ou generalizadas a partir da estrutura do conhecimento humano sobre o mundo «es un asunto muy oscuro. La forma fuerte de presentatión del problema insiste en que la sintaxis puede ser derivada directamente de categorías no lingüísticas del conocimiento.» (6) As formas gramaticais (morfológicas e sintácticas) são, segundo este autor, as estruturas superficiais da linguagem, dependendo, para a sua aquisição, de uma compreensão prévia dos conceitos de acção semânticos profundos e ainda protossemânticos.

Bernardo Soares, pela pena de Fernando Pessoa, escreveu que «sem sintaxe não há emoção duradoura. A imortalidade é uma função dos gramáticos». (7) Estudarmos o léxico e a morfologia apenas não é suficiente para compreendermos a relação lógica das palavras entre si e com a realidade que desejam representar ou transmitir. É necessária a sintaxe. O vocábulo sintaxe procede da palavra grega sintaxis ordenação.

Foi Tesnière quem reintroduziu a ideia neste século de que a sintaxe tem por objecto natural o estudo da frase, numa altura em que os estudos gramaticais se centravam na análise do léxico e da morfologia. Concebeu-a como «un ensemble organisé dont les éléments constituants sont les mots». Entre estas «l'esprit aperçoit des connexions dont l'ensemble forme la charpente de la phrase». «Les connexions ne sont indiquées par rien». «La connexion est indispensable à l'expression de la pensée. (Elle)... donne à la phrase son caractère organique, et en est comme le principe vital». (8)

Mortèza Mahmoudian, num seu artigo intitulado «Syntaxe et linéarité», informa que existe um largo número de definições de sintaxe. Quanto a si, emprega-a para designar o «estudo da combinação das unidades significantes». A morfologia designa, para o mesmo autor, a disciplina que tem por objecto o «estudo das variações do significante das unidades significantes». A sintaxe ocupa-se das regras que presidem à combinação das unidades. A unidade significante parece(r) é, por exemplo, combinável com um pronome (ela parece), o pretérito imperfeito (ela parecia) e um adjectivo (ela parecia corajosa). (9)

José António Brandão Soares de Carvalho entende a sintaxe como o «estudo das combinações das palavras», relacionando-a intimamente «com a morfologia, estudo das formas.» «Parece-nos fundamental», diz ele, «que se veja claramente o contributo que cada uma das disciplinas pode dar, distinguindo claramente funções e categorias, sem esquecer, no entanto, que entre esses dois campos há uma interrelação [sic] muito forte.» (10)

Ma. Lluïsa Hernandez e José Ma. Brucart, no seu livro La Sintaxis, explicam que, durante séculos, numa tradição que se inicia no século I a. C. com Dionísio da Trácia, a unidade básica da gramática foi a palavra. O objectivo da descrição gramatical era a classificação das palavras em categorias e o estabelecimento de paradigmas que reflectissem a mudança de forma das mesmas. Daí a importância que se dava aos fenómenos da flexão (declinação e conjugação). Tratava-se de gramáticas com uma orientação morfológica. Admitem que actualmente a maioria dos linguístas toma a oração como unidade básica da gramática. Nesta perspectiva, a componente central é a sintaxe, que contém as regras que ordenam e combinam as palavras até formar orações. (11)

Para os dois linguístas, é através da sintaxe que as demais componentes da gramática ficam vinculadas entre si. A função primordial da sintaxe, dizem, «é combinar as peças léxicas de uma língua para formar orações.» (12)

Para Christian Nique, a componente fonológica e a componente semântica fazem também parte da gramática: «a gramática é formada por três componentes: a sintaxe, a semântica e a fonologia. A semântica e a fonologia são unicamente interpretativas. A sintaxe engendra estruturas às quais se aplicam as outras duas componentes e indica a maneira como estas se ligam. Para isso, ela própria é formada por uma componente de base (subcomponente categorial + sub-componente lexical) e por uma componente transformacional.» (13)

William Francis Mackey considera a linguagem como uma sistema de sistemas inter-relacionados (14).

O sistema gramatical é aqui constituído apenas pela morfologia e pela sintaxe. A fonologia, o léxico e a semântica da língua são estruturas particulares que, no entanto, não deixam de estar em relação estreita com a gramática.

Joan Tough, no seu livro El lenguaje oral en la escuela, diz que «las reglas que gobiernan el orden de las palabras y que hacen las concordancias se atribuyen a las reglas de la sintaxis; y las diversas fórmulas para unir palabras se refieren a estructuras sintácticas. Todo esto forma parte de la gramática del lenguaje y todas desempeñan un papel a la hora de expresar un significado». (15)

Por seu lado, H. G. Widdowson concebe a sintaxe como uma espécie de auxiliar lexical: «If one follows through the possible implications of this, one comes to the throught that perhaps language should be presented to learners primarily in lexical terms, setting conditions for the gradual emergence of syntax as a focusing device the very converse of conventional practice.» (16) No entanto, Robert E. Owens critica esta concepção, pois é bastante redutivista: «The main thrust of school-age and adult development was believed to consist of lexical expansion. In adition, the child tried to tidy or fine-tune the syntactic structures he had acquired earlier.» (17)

2. O ENSINO DA GRAMÁTICA NA ESCOLA

O Novo Programa de Língua Portuguesa para o 3º ciclo tem como um dos domínios do processo de ensino/aprendizagem da língua materna o estudo do funcionamento da língua. São apresentados, neste domínio, os seguintes pressupostos didácticos:

Qualquer falante revela um conhecimento implícito de regras gramaticais da sua língua. Não é impondo um conjunto de comportamentos linguísticos e de regras independentes e ensináveis isoladamente que os alunos desenvolvem a sua capacidade discursiva. No entanto, a gramática, enquanto exercício de observação e de aperfeiçoamento dos discursos e de estruturação de conhecimentos linguísticos funcionais, permite regular e consolidar progressivamente a expressão pessoal nas suas realizações orais e escritas. A reflexão gramatical deverá ocorrer oportunamente no âmbito de estratégias pedagógicas orientadas para a resolução de problemas linguísticos: manifestados pelos alunos em intervenções orais, na interpretação ou no aperfeiçoamento de textos; antecipados pelo professor a partir de debates, de leituras de obras, de textos produzidos pelos alunos. Tal pressupõe que os alunos experimentem funcional e ludicamente várias formas diferentes de dizer as mesmas coisas, se sirvam dos seus erros e inadequações para descobrir regularidades e irregularidades da língua. (18)

Os objectivos a alcançar pelos alunos são os seguintes: descobrir aspectos fundamentais da estrutura e do funcionamento da língua, a partir de situações de uso; apropriar-se, pela reflexão e pelo treino, de conhecimentos gramaticais que facilitem a compreensão do funcionamento dos discursos e o aperfeiçoamento da expressão pessoal. (19)

Os processos e níveis de operacionalização apresentam-se conforme o nível de ensino em que o aluno se encontra. A maior parte dos processos de operacionalização encontra-se nos três últimos anos da escolaridade obrigatória (7º, 8º e 9º). Verifica-se, no entanto, uma gradação na complexidade dos conteúdos gramaticais a tratar. São apresentados, dentre outros, os que se seguem:

O aluno deverá ser capaz de: verificar experimentalmente a coesão de um texto e articular as diferentes partes do mesmo com palavras ou expressões dadas (advérbios, conjunções e locuções adverbiais e conjuncionais). Articular, por meio de advérbios, conjunções e locuções adverbiais e conjuncionais, uma série de frases dadas de forma a construir um texto coerente. Verificar experimentalmente a estrutura da frase simples: expandir e reduzir frases, distinguindo os elementos fundamentais; verificar a mobilidade de alguns elementos da frase. Distinguir os diferentes tipos de frase (tipo declarativo, interrogativo, imperativo, exclamativo): converter frases de um tipo noutro; transformar frases afirmativas de todos os tipos em frases negativas e vice-versa. Distinguir e identificar as palavras ou expressões que, numa oração, desempenham funções essenciais e acessórias (predicativo do sujeito; complementos circunstanciais de modo, de causa, de companhia e de fim; vocativo [7º ano]; agente da passiva, atributo, complemento determinativo [8º]; predicativo do complemento directo e aposto [9º]). Aperfeiçoar, em textos produzidos na turma, aspectos relativos à concordância: sistematizar regras da concordância (do verbo com o sujeito composto; em número [7º]; em pessoa [8º]; do verbo com os pronomes relativos que e quem e do adjectivo atributo com vários substantivos do mesmo género e de géneros diferentes [9º]). Distinguir as formas de ligação de orações (coordenação e subordinação). Verificar a natureza das relações entre diferentes espécies de orações coordenadas (orações coordenadas copulativas, adversativas, disjuntivas e conclusivas [7]. Verificar a natureza das relações entre diferentes espécies de orações subordinadas (temporais e causais [7º]; condicionais, finais, completivas [8º]; consecutivas, concessivas, relativas com antecedente [9º]). (20)

É a partir desta base que o professor deverá orientar-se em relação às actividades que irá desenvolver na sala de aula para levar a que os alunos consigam «regular e consolidar progressivamente a expressão pessoal nas suas realizações orais e escritas».

José Romera Castillo diz que o ensino da gramática exige do docente uma atitude clara e definida quanto ao valor desta no domínio da língua. A gramática deve estar ao serviço da linguagem e não a linguagem ao serviço da gramática. Deve ter-se em conta que uma língua se aprende e se aperfeiçoa falando-a e escrevendo-a, não estudando somente a gramática. (21) Com efeito, a gramática não é somente a arte de falar e escrever bem um idioma; é também, e sobretudo, a ciência que estuda a relação entre a palavra e o pensamento. O fim último ao ensiná-la na escola não é de que os alunos aprendam as frases e expressões empoladas retiradas dos grandes escritores, mas que adquiram hábitos de construir e ordenar adequadamente os pensamentos e os sentimentos, fundados no conhecimento das regras que regem a linguagem. (22)

Se a gramática é, dentro do domínio do funcionamento da língua, uma das partes mais importantes, como a ensinar?

Para José Romera Castillo, é necessário graduar o ensino da gramática. Deve iniciar-se o estudo da linguagem sem contar com a terminologia gramatical. O estudo da gramática antes dos doze anos, com regras, excepções, definições e classificações, só poderá realizar-se através de exercícios práticos. As questões sintácticas complexas e a compreensão das relações e dependências da oração subordinada só devem ser tratadas a partir dessa idade por motivos que têm a ver com os períodos de desenvolvimento mental. (23) Considera que os conteúdos morfo-sintácticos a estudar deverão ser fundamentalmente práticos e extraídos dos recursos que a própria linguagem oral e escrita oferecem a cada instante. De facto, a sintaxe e a morfologia dão à criança conhecimentos que lhe permitem desenvolver a linguagem. Enquanto que na sintaxe são estudados os elementos de relacionação que possibilitam tomar consciência da estrutura da oração, na morfologia são fixados os nomes dos elementos e estabelece-se uma nomenclatura específica a fim de distinguir as formas das palavras. (24)

Diz Valnir Chagas que, para o ensino da gramática, «a leitura é a fonte principal de onde se retiram os elementos indispensáveis à sistematização dos fenómenos linguísticos que os alunos já aprenderam, digamos assim, pelo uso empírico do idioma.» (25) Tal estudo deverá ser feito apenas «quando o texto já estiver totalmente superado em suas múltiplas facetas de compreensão, rapidez, assimilação do vocabulário, conversação, composição e até pronúncia. Mas atingido esse limite, é recomendável que a página lida, interpretada e comentada sirva de base para as sínteses de natureza morfológica e sintáctica que se devem empreender.» (26)

A aprendizagem da gramática na sala de aulas desde o 1º ciclo, deve, segundo José Romera Castillo, seguir o seguinte percurso:

Na primeira etapa não deverá haver definições abstractas nem classificações complicadas. Toda a informação morfo-sintáctica será adquirida por via indutiva. O ensino realizar-se-á através da exercitação da linguagem na sua prática habitual e diária. O aluno aprenderá a falar e a expressar-se com clareza em todas as actividades escolares. Entre a primeira e a segunda etapa, o ensino dos conhecimentos sintácticos e morfológicos ir-se-á sistematizando de uma forma gradual. Inicia-se o período das relações e o uso adequado dentro dos diversos contextos. A reflexão será indutiva tendo como auxiliar a leitura de textos. Na segunda etapa, a gramática será estudada de uma maneira completa e clara, para que o conhecimento da estrutura da oração desenvolva nos alunos a capacidade de relacionar a linguagem e o pensamento. A última etapa deve ser abundante em aplicações. O aluno deverá estar em condições de reconhecer e compreender as ideias veiculadas por orações simples e complexas. Textos literários bem seleccionados completarão o estudo gramatical. (27)

Para o mesmo autor, o ensino da sintaxe e da morfologia deve ser considerado como meio que permita: a abstracção da imagem cognitiva; a realização da análise objectiva das ideias; a distinção da estrutura básica da oração; a obtenção da função gramatical; a generalização dos conceitos; a aplicação prática. Os conhecimentos morfo-sintácticos devem ser todos funcionais e indispensáveis, devendo ser ensinados só depois da criança ter aprendido os primeiros rudimentos de escrita, para que as normas gramaticais se apresentem como consequência da língua que conhece e pratica diariamente. (28)

Das ideias veiculadas por José Romera Castillo podem tirar-se duas conclusões: o ensino da gramática puramente mental não serve para melhorar a linguagem; as regras gramaticais puramente formais e teóricas não têm uso habitual na linguagem de todos os dias e, por isso, são esquecidas pelas crianças mais pequenas.

Valnir Chagas põe a tónica na leitura de textos, como já atrás referimos. Entende que «quase todas as frases susceptíveis de utilização para o estudo de uma regra são as da leitura, que os estudantes já conhecem e através das quais adquiriram vivências do facto considerado.» (29) Considera que «o exemplo mencionado ao acaso é quase tão abstracto como a regra antecipada em moldes tradicionais. Mas como a linguagem falada nem sempre se adapta a esta espécie de exercício, só a leitura apresenta condições e características para fornecer, em termos de idioma natural e vivo, os "modelos" sobre os quais se fundará a disciplinação gramatical da língua em estudo.» (30)

Para Valnir Chagas, «a escola tradicional, fundando-se em deduções puramente lógicas, reduziu todos os fenómenos, ou melhor, toda as palavras, ao plano uniforme de esquemas traçados a priori, deslembrados como estavam os seus adeptos de que a aprendizagem, e como ela a própria estrutura de uma língua, é um processo vivo de natureza eminentemente psicológica insusceptível de ser controlado previamente.» (31) Subordinava-se o estudo da gramática «a classificações antecipadas e, por isso mesmo, tão rígidas e artificiais que nelas, mesmo quando as circunstâncias o exigissem, não se concebia o aparecimento da sintaxe antes de que esgotada estivesse a parte morfológica; a apresentação dos vocábulos invariáveis antes dos variáveis; o ensino do substantivo antes do artigo, o do adjectivo antes do substantivo, o do pronome antes do adjectivo, o do verbo antes do pronome; ou a conjugação dos verbos irregulares antes dos regulares, a do subjuntivo antes do modo indicativo, a do pretérito antes do presente, a da segunda pessoa antes da primeira; e assim por diante.» (32)

Quanto às excepções, estas «eram escrupulosamente pormenorizadas; e muitas vezes, tal era a importância que se lhes atribuía, precediam as próprias regras de que emanavam.» (33) Actualmente, «graças ao considerável impulso que já tomaram os estudos relacionados com a linguística e a metodologia dos idiomas, temos perspectivas incomparavelmente mais amplas para julgar quão postiça era esta concepção fundada no ensino da língua exclusivamente por meio da gramática, cujo único resultado foi o verbalismo árido que imperou em outros tempos.» (34)

Valnir Chagas refere ainda que a reacção a esse formalismo vazio «foi inevitável e, como todo movimento de oposição, descambou rapidamente para o exagero contrário de um estudo efectuado como que instintivamente e por simples imitação. (...) Se antes se mencionavam as leis sem os factos de que as mesmas constituíam a expressão conceitual e sintética, já agora se apresentavam os fenómenos despidos de qualquer elemento de sistematização ou disciplina, num empirismo dispersivo que a nada conduzia de sólido e efectivamente educativo.» Os linguístas e os pedagogos rapidamente se aperceberam de que era «necessária uma solução média que reunisse, numa fórmula eclética, o que de positivo encenassem os dois sistemas antagónicos. Todavia, os processos então surgidos, sob a denominação imprópria de método directo, eram por demais simplistas para desde logo resolverem a questão. Atendo-se à exterioridade dos termos regra e facto, que em última análise são aspectos conceituais de uma só e mesma realidade, a nova metodologia confundiu o fenómeno com o exemplo e fez da lei, que em qualquer hipótese há-de ser uma criação viva e pessoal do educando, uma receita novamente elaborada com antecedência, pelo mestre ou pelo autor do manual, impossibilitando assim a reflexão, o esforço e a concentração activa em que repousa a verdadeira aprendizagem.» (35)

O mesmo autor considera não bastar ter em conta «um ou vários exemplos de certo caso gramatical, ouvindo em seguida o respectivo enunciado, para que o aluno se torne capaz de empregá-lo correctamente em novas situações. Como não basta, segundo já fizemos notar, ouvir primeiramente a regra para depois aplicá-la ou não. Substancialmente, as duas soluções nos parecem perfeitamente idênticas, porque a inversão dos termos, feita assim de imediato e somente por fora, em nada modifica a dinâmica do processo. Ensinar a gramática pela língua não significa, pois, apenas colocar o exemplo em lugar da regra. Significa, isto sim, fazer que o estudante se integre de tal maneira no espírito do idioma, através do uso reiterado dos vários fenómenos, que a regra seja menos uma ordem provinda de outrem que a comprovação e sistematização activa de algo que ele como que já saiba.» (36)

Propõe um estudo da gramática voltado para as estruturas dos processos linguísticos. De facto, como observa Gaichet, todas as dificuldades de que os professores se queixam face à inoperância dos alunos, «provêm exactamente dessa gramática de palavras que temos praticado em lugar de uma gramática das estruturas; da catalogação indiscriminada de espécies de vocábulos cujo único resultado foi, até hoje, desprezar o papel que eles desempenham na frase; e, principalmente, do ponto de vista morfológico em que se colocaram os estudiosos, esquecendo inteiramente o ângulo psicológico dos problemas». (37)

«No estudo das questões gramaticais, como no das de vocabulário», afirma Valnir Chagas, «o que principalmente se há-de ter em vista é a configuração de cada significado, que resulta menos das palavras ou das regras, tidas como tais, que das estruturas nascidas em função das ideias a exprimir. Essas estruturas são as mais das vezes insusceptíveis de fixar-se a priori; mas podem ser reduzidas a verdadeiras "fórmulas" quando correspondem àquelas construções já sedimentadas que abundam em todas as línguas.» (38)

Mário Vilela entende que «o uso da língua pressupõe um sistema de regras a gramática implícita e a gramática deverá autonomizar simultaneamente o conhecimento e o reconhecimento das regras.» (39) Para este autor, não é possível «compor e interpretar textos escritos sem noções de pontuação, das regularidades ou irregularidades flexionais e derivacionais, das grandes linhas da sintaxe e das coerências textuais decorrentes da gramática. Um texto falado ou escrito para ser compreendido tem de se apresentar com uma estrutura gramatical: a frase projecta-se no texto e o texto é, em grande parte, composto por frases.» (40) Ora, «a gramática dá ao estudante a capacidade de agir linguisticamente comunicar , de analisar textos e suas normas, sensibilizando o aluno para a língua: como meio de vida e de actuação.» (41)

Apresenta duas formas de ensinar a gramática, ambas com inconvenientes de vária ordem: 1. Ensino sistemático: nesta concepção, «tomam-se como ponto de partida as partes do discurso, passando-se pela frase simples, frases complexas, ligações interfrásicas, frase no discurso e relações transfrásicas. (...) os textos são de tal modo seleccionados que servem de rampa para o ensino sistemático da gramática.» (42); 2. gramática comunicativa: «põe de lado o ensino da gramática, como tal. Os defensores da gramática comunicatica aduzem que o ensino sistemático da gramática é difícil ou mesmo impossível: não é fácil encontrarmos textos que cubram sistematicamente a gramática da língua.» (43) Esta segunda forma de ensino «tem como ponto de partida as necessidades comunicativas e interesses comunicativos dos falantes, integrando a reflexão gramatical apenas na medida em que esta se coloca ao serviço desses interesses e necessidades. Entre esses interesses estarão necessariamente os interesses dos alunos, os interesses sociais que a escola deve impor-lhes. Contudo, numa tal concepção de ensino de gramática, uma grande parte dos fenómenos de língua ficarão, impreterivelmente, total ou parcialmente esquecidos. (44)

Maria Raquel Delgado-Martins e Inês Duarte, num artigo publicado no volume colectivo Linguagem e Desenvolvimento, com organização da Doutora Fátima Sequeira, consideram que «fazer gramática é (...) o trabalho desenvolvido sobre a língua, sob proposta cientificamente fundamentada e pedagogicamente adequada do professor, conducente a um conhecimento explícito da estrutura e funcionamento da língua por parte do aluno, conhecimento esse que é condição da sua plena autonomia como sujeito falante» (45)

As duas autoras explicam da seguinte forma o desenvolvimento gramatical das crianças: «ainda antes de iniciar a escolaridade obrigatória, a criança conhece os sons da sua língua e respectivas regras de combinação, os paradigmas flexionais regulares, as regras produtivas de formação de palavras, a generalidade dos padrões de construções de frases simples, coordenadas e de muitos tipos de subordinadas, os mecanismos mais complexos de atribuição de interpretação, as combinações de palavras de expressão de diferentes tipos de actos linguísticos nas situações de interpretação em que habitualmente participa, para além de contar já com um fundo lexical apreciável. Todo este conhecimento é consequência natural da aquisição e desenvolvimento da linguagem. No entanto, a mobilização deste conhecimento em situações de oralidade não habituais para a criança e a sua transposição para a escrita só podem fazer-se com sucesso pela aprendizagem.» (46)

Consideram que, «nos primeiros anos da escolaridade básica, a reflexão sobre a estrutura e o funcionamento da língua deve desempenhar o papel de instrumento auxiliar do desenvolvimento das capacidades do uso da língua e da aprendizagem da leitura e da escrita. Nesta fase, e embora de uma forma limitada, a nomenclatura gramatical já deve estar presente.» (47) A partir do 3º ciclo, «fazer gramática deverá adquirir progressivamente um estatuto de maior autonomia e, por isso, recorrer-se-á com mais frequência ao uso de termos de uma nomenclatura gramatical.» (48)

Estas autoras propõem o estudo da gramática da língua materna a partir do jogo e de outras actividades de carácter prático: «Partir do jogo para reconhecer unidades e padrões regulares de comportamento, construir os contrastes apropriados para se chegar à compreensão de uma dada estrutura, explorar as várias formas diferentes de dizer coisas semelhantes para concluir do valor semântico de cada uma delas, usar o erro e a inadequação para alargar o conhecimento da língua e proporcionar o domínio das rotinas discursivas adequadas, criar condições para que os alunos desenvolvam a sua capacidade metalinguística numa palavra, brincar com a linguagem, conhecer a língua, fazer gramática , é este o programa de trabalho no qual reside a especificidade do ensino da língua materna.» (49)

3. DESENVOLVIMENTO DA SINTAXE

Adoración Juárez Sánchez e Marc Monfort, na sua obra conjunta Estimulación del lenguaje oral, consideram que o desenvolvimento sintáctico é o aspecto mais tratado pelos programas escolares sobre a linguagem, não só em Espanha, mas também em quase todos os países ocidentais. Isto, segundo eles, reflecte a importância que se atribui aos aspectos sintácticos na interpretação e produção de mensagens complexas. (50) A "moda" dos estudos sobre gramática e sintaxe dos anos cinquenta e sessenta provocou, ainda segundo a opinião dos mesmos autores, um excesso de exercícios "estruturais" em detrimento de aspectos semânticos e pragmáticos, caindo em formalismos que levavam a exigir a crianças pequenas a imitação, por exemplo, de enunciados sempre completos, quando na realidade não se utilizavam assim na vida real. No entanto, foi uma tendência que ajudou nessa altura a superar concepções anteriores excessivamente limitadas à fala ou a um simples desenvolvimento quantitativo do vocabulário. (51)

Robert E. Owens explica do seguinte modo a evolução sintáctica desde que a criança entra para a escola: «Language development in the school-age period consists of simultaneous expansion of existing syntactic forms and acquisition of new forms. The child continues with internal sentence expansion by elaborating the noun and verb phrase. Conjoining and embedding functions also expand.» (52)

As diferenças entre a linguagem infantil e a linguagem do adulto não são tão óbvias depois da criança completar cinco/seis anos de idade. Nesta idade, a criança tem, todavia, problemas com alguns aspectos gramaticais especialmente difíceis para ela, como são a concordância entre o sujeito e o verbo e as formas irregulares do presente e do passado. No entanto, a estrutura básica de quase todas as orações que a criança consegue construir parece ser a mesma da gramática do adulto. (53) Será na escola, e em especial nas lições de língua materna, que ela, com a ajuda do professor, irá superar alguns dos problemas de concordância, em especial aqueles a que estão subjacentes excepções e formas irregulares.

José António Brandão Soares de Carvalho, na sua tese A Evolução das Estruturas Sintácticas no Texto Escrito e o Desenvolvimento Intelectual, apresenta alguns aspectos interessantes acerca dos problemas que advém do ensino/ aprendizagem da sintaxe na escola. Diz ele que, «no início da aprendizagem, a criança produz uma frase muito simples, que corresponde a uma gramática pessoal muito reduzida. A isso também não será estranho o facto de a criança estar preocupada com as dificuldades levantadas pela realização gráfica. Apesar de oralmente já produzir frases com uma certa complexidade, por escrito, ela limitará a frase aos seus elementos essenciais sujeito e predicado».(54) «A frase torna-se mais complexa «com o aparecimento de novas categorias e com uma crescente flexibilidade na colocação dos elementos, revelando a criança uma consciência cada vez maior das características estruturais da frase escrita. Os erros de concordância entre os elementos da frase vão desaparecendo gradualmente, o mesmo acontecendo com a repetição de certas palavras ou com a omissão de palavras causadas por um desenvolvimento mais rápido da cadeia de pensamento do que do acto da escrita.» (55)

É verdade que a evolução da estrutura da frase está relacionada com o uso das diferentes categorias gramaticais, «cujo aumento se nota ao longo dos anos, embora ele não seja idêntico para todas elas. Aquelas que constituem a armação da frase (nome, verbo, pronome, artigo) têm um ritmo de crescimento semelhante. Quanto às outras, as que permitem a expansão da frase, elas apresentam uma evolução diferente. O adjectivo, por exemplo, não é utilizado muito cedo na escrita dado que a qualificação de um objecto fora da sua presença, fruto do contexto situacional em que a comunicação tem lugar, implica já uma certa capacidade de abstracção. No que respeita ao advérbio, salientemos que inicialmente ele só aparece em quantificações ou frases feitas. O seu uso só se generaliza mais tarde que o adjectivo, dado que é mais difícil qualificar acções que objectos.» (56)

Para William Francis Mackey, «a child's first sentences are single words with a variety of meanings, mostly imperative. Later he makes use of word groups, with these same sentences meanings, but only as if they were long words. After tha age when he begins to count, the child can remember the order of sequences, and this gives him a basis for his mastery of sentence structure. As he masters sentence structure, the emotionally intoned word-sentence of his earlier period becomes less and less frequent. Plurals, word-endings and different parts of speech begin to appear. After the age of four, simple sentences become more and more complex. But we may have to wait until after the age of ten before we can expect the child to understand grammar as grammar.» (57)

Adoración Juárez Sánchez e Marc Monfort consideram que o estudo da frase deve começar, no primeiro ano escolar, a partir de uma estrutura limitada de tipo sujeito-verbo ou combinação de dois substantivos, que se vai ampliando progressivamente, acrescentando elementos e/ou ampliando cada um dos subgrupos. Às vezes parte-se de um suporte físico (fotografias ou desenhos que representam acontecimentos ou paisagens); estimula-se a criança para que descreva o que vê. Obtém-se desta forma um primeiro enunciado. Com crianças de níveis mais avançados, pode realizar-se um jogo em que o professor propõe uma palavra e as crianças devem tentar construir uma frase o mais extensa possível. (58)

Robert E. Owens considera que, durante a idade escolar, «the child adds new morphological and syntactic structures and expands and refines existing forms. These developments enable him to express increasingly more complex relationships and to use language more creatively. Underlying semantic concepts are often the key to this complex learning.» (59)

Para explicar a evolução da frase complexa, José A. B. Soares de Carvalho socorre-se da autoridade de Simon: «a correlação entre desenvolvimento intelectual e desenvolvimento da escrita é reafirmada por Simon (1973) quando analisa a evolução da frase complexa, evolução que o autor divide em quatro fases: na primeira, predomina a frase simples e os acontecimentos narrados não aparecem relacionados; a segunda, momento de charneira na evolução, ocorrendo por volta do segundo ano de escolaridade, marca o aparecimento da coordenação; a terceira fase será a do desenvolvimento da subordinação; finalmente, na quarta fase, a criança revelará uma certa mestria na frase complexa, com um aumento muito significativo da sua utilização.» (60) «Tendo em atenção o facto de as estruturas sintácticas se transformarem conforme a criança evolui ao longo da fase das operações concretas para se consolidarem quando ela, já na fase formal, possui a capacidade de raciocinar em abstracto, pensamos que, quer na primeira fase, quer ao longo de todo o processo de desenvolvimento da capacidade de expressão escrita, este assunto deve ser, sobretudo, tratado ao nível da gramática não consciente, mais do que através da reflexão sobre a língua; deve-se aumentar a competência através da prática.» (61)

Quanto à análise sintáctica, José A. B. Soares de Carvalho entende que deve ter em conta dois aspectos fundamentais: «uma reflexão de carácter lógico-semântico sobre a frase, procurando uma definição clara das diversas funções sintácticas e uma rigorosa atenção à hierarquização dos diversos elementos que constituem a frase. Se no que diz respeito ao primeiro, o contributo da gramática tradicional é indesmentível, pese embora o facto de nem sempre as definições encontradas serem as mais rigorosas, a preocupação com a hierarquização é característica das modernas teorias com os seus modelos esquemáticos, dos quais o arbóreo nos parece o melhor pela sua fácil visualização.» (62)

D. A. Wilkins entende que a estrutura de uma frase nem sempre é o que aparenta, «and indeed linguists themselves do not necessarily agree on how to interpret some pieces of language structurally.» (63) Para este autor, a linguagem está estruturada, «and the structure is not necessarily revealed by the way in which the actual sentences of our speech are organized. The study of the rules governing relations between items of language is the study of syntax, and to it has now been realized that the structure of sentences is far more complex and important than early linguistics recognized, and although traditional grammarians have often appreciated the significance of syntax, they have nonetheless failed to describe its complexities fully. These deficiencies in linguage description are very much reflected in language teaching where there is often little understanding of the difficulties presented by syntax of a language.» (64)

Para D. A. Wilkins, o importante é estudar qualquer frase, usual ou não, que apareça num texto, independentemente da sua dificuldade. De facto, «any text might contain a number of sentences with structures that were in some way new to the pupils. The teacher would draw the attention of the learners to the sentence. The extent to which he would discuss its grammar explicitly would depend upon the mothodological convictions of the teacher. He would exemplify the structure with further sentences and demonstrate the transformational potentialities of the sentence. He would have prepared drills and other practice materials so that some opportunity is given to the pupils to develop a mastery of the structures under examination. In this way the occurrence of an unfamiliar linguistic form is used to expand the pupil's competence in the language.» (65)

No momento da escrita, diz-nos José A. B. Soares de Carvalho, «a criança reúne numa mesma frase um conjunto de ideias; se numa primeira fase essa reunião se faz por um processo de adição de frases, a coordenação copulativa, a pouco e pouco ela começa a detectar determinadas relações entre as frases e a estruturá-las segundo essas mesmas relações. A partir de um conjunto de dados, ela constrói um todo em que esses dados aparecem organizados, hierarquizados, segundo as relações existentes entre eles. Estamos assim perante um processo de detecção de uma relação entre dois (ou mais) termos e de construção de um todo organizado com base nessa relação. A prática de exercícios em que estes dois aspectos, detecção de uma relação e construção de um conjunto baseado nessa relação, sejam desenvolvidos poderá contribuir para o desenvolvimento das estruturas sintácticas quando a criança produz um texto escrito.» (66)

A partir de «exercícios simples, com apenas duas frases base, poderíamos chegar à construção de períodos bastante complexos, ou mesmo de parágrafos ou textos. Para além de desenvolverem a capacidade de construção de frases complexas, estes exercícios favorecerão ao mesmo tempo o uso daquelas frases subordinadas (causais, concessivas, conclusivas, condicionais, etc.) ou coordenadas (conclusivas) que, pela complexidade da relação que expressam, apenas são usadas esporadicamente, uma vez que será mais fácil detectar a relação entre elas.» (67) Conforme «a criança/adolescente vai adquirindo a capacidade de reflectir sobre a sua própria língua, poder-se-á, então, passar progressivamente ao nível da gramática consciente, com a explicitação das regras do sistema linguístico. Partindo da análise da frase simples, passar-se-á à da frase complexa, pondo em relevo que há um esquema sintáctico básico comum a ambas. Além disso, parece-nos importante que seja feita uma articulação entre sintaxe e morfologia, fazendo-se a distinção clara entre funções sintácticas e as categorias que as desempenham.» (68)

Adoración Juárez Sánchez e Marc Monfort propõem a seguinte actividade para a aprendizagem da sintaxe: manipulação dos elementos de um enunciado-tipo: A partir de uma frase inicial, programa-se uma actividade que consistirá em fazer ver às crianças as possibilidades de modificação de cada elemento e a sua repercussão no sentido do enunciado. Com crianças maiores, é um tipo de actividade que se realiza com apoio da linguagem escrita, no quadro ou no caderno diário. (69) Para os mesmos autores, a utilização de sistemas de apoio é indispensável para superar obstáculos: perante as dificuldades dos alunos em discriminar e memorizar os elementos sintácticos e gramaticais da linguagem, uma das técnicas que permitem visualizá-los e manipulá-los de uma forma concreta é a transcrição escrita: escrevem-se as palavras em pedaços de papel ou cartolina que servem para construir, reconstruir, analisar os enunciados ou criar novas frases com as mesmas palavras. Para os alunos que, devido à idade ou nível de ensino, não dominam a escrita ou só podem reconhecer algumas palavras, podem utilizar-se sistemas pictográficos onde as palavras estão representadas por desenhos (é o chamado «Sistema Rebus» de Clark, Davies e Woodcock, de 1974). (70) A utilização de desenhos, bonecos e jogos diversos serve principalmente para trabalhar a construção de frases simples que acompanham a realização de distintas acções realizadas pelo educador ou pelos alunos. Se se dispõe de um conjunto de animais, de veículos e elementos que permitam configurar lugares típicos, as possibilidades são numerosas, cobrindo os vários tipos e formas de frase: declarativas, interrogativas, dubitativas, passivas, imperativas, etc. Este material serve sobretudo para o que se entende habitualmente por estruturas básicas (construção das distintas partes da oração). (71)

CONCLUSÃO

Para uma maior competência oral e escrita na língua materna por parte das crianças/adolescentes, impõe-se o estudo da gramática na escola. Não é apenas o senso comum que o diz. São também os linguístas, os psicolinguístas e os próprios programas curriculares. O problema está em como abordar essa gramática e que estratégias utilizar para que a sua aprendizagem-reflexão surta os efeitos desejados. É um facto que não se ensina gramática às crianças pelo mero desejo de que elas saibam distinguir e listar em grupos e subgrupos as classes de palavras e saibam as regras sintácticas como uma espécie de código penal. O papel da gramática é essencialmente o de aperfeiçoar a linguagem e fazer com que o aluno que a estuda reflicta sobre ela.

A gramática não contempla exclusivamente o estudo da morfologia. Aliás, esta é apenas uma pequena parte que a integra. O profissional em ensino da língua materna deverá ter em conta que a fonologia, a sintaxe, a semântica e até mesmo a pragmática são disciplinas de grande importância dentro da abordagem gramatical. De todas elas, embora não esquecendo o contributo particular de cada uma, damos maior relevo à sintaxe, por ser através desta que o aluno tomará consciência dos fenómenos gramaticais dentro de um contexto frásico não isolado. Defendemos o estudo gramatical partindo da sintaxe para os restantes constituintes da gramática, centrado em enunciados contextualizados, e não partindo de meras palavras isoladas, com listagens massificantes e pouco motivadoras.

Neste aspecto, a actuação do professor revelar-se-á de primordial importância. Será o professor a propor actividades e a arranjar estratégias para que o ensino/aprendizagem não descambe em aulas aborrecidas de decorar extensas conjugações de verbos e um sem número de regras e excepções desvinculadas da realidade concreta dos falantes.

NOTAS:

1 John Lyons (1979), Introdução à Linguística Teórica, São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, p. 139.

2 Ibidem.

3 Mário Vilela (1993), «O ensino da gramática na escola: que saída e que justificação?», em Diacrítica, nº 8, Universidade do Minho, p. 145.

4Ibidem, p. 146.

5 Maria Raquel Delgado-Martins e Inês Duarte (1993), «Brincar com a linguagem, conhecer a língua, fazer gramática», em Fátima Sequeira (org.), Linguagem e Desenvolvimento, Instituto da Educação, Universidade do Minho, p. 13.

6 Jerome Bruner (1983), El hablar del niño, Barcelona, Ediciones Paidós, tradução do inglês de Rosa Premat, 2ª edição [1990], p. 36.

7 Fernando Pessoa (1986), em Livro do Desassossego de Bernardo Soares, apresentação e selecção de textos de Maria Alzira Seixo, Ed. Comunicação, Lisboa, p. 41.

8 L. Tesnière (1959), Éléments de syntaxe struturale, Paris, pp. 1-2.

9 Cf. Mortèza Mahmoudian (1972), «Syntaxe et linéarité», em Jeanne Martinet (editora), De la théorie linguistique à l'enseignement de la langue, Vendôme, Presses Universitaires de France, 2ª ed. revista [1974], p. 23.

10 José António Brandão Soares de Carvalho (1989), A Evolução das Estruturas Sintácticas no Texto Escrito e o Desenvolvimento Intelectual, Braga, Universidade do Minho (tese de Mestrado policopiada), p. 47.

11 Cf. Ma. Lluïsa Hernandez e José Ma. Brucart (1987), La Sintaxis, Barcelona, Editorial Crítica, p. 19.

12 Ibidem, p. 25.

13 Christian Nique (1978), Iniciação Metódica à Gramática Generativa, Lisboa, D. Quixote, p. 172.

14 Cf. William Francis Mackey (1965), Language Teaching Analysis, Harlow, Longman House [oitava reimpressão, 1981], p. 78.

15 Joan Tough (1987), El lenguaje oral en la escuela, Madrid, Visor Libros, p. 42.

16 H. G. Widdowson (1990), Aspects of language teaching, Oxford, Oxford University Press, p. 43.

17 Robert E. Owens (1988), Language Development. An Introduction. Columbus, 2ª ed., Toronto / New York, Merril Publishing Company, p. 321.

18 Cf. Programa de Língua Portuguesa, Ensino Básico – 3º Ciclo, Vol. II, Ministério da Educação, s/d., p. 48.

19 Cf. Ibidem, p. 49.

20 Cf. Ibidem, pp. 49-55.

21 Cf. José Romera Castillo (1983), Didáctica de la lengua y la literatura, 4ª ed., Madrid, Playos, p. 110.

22 Cf. Ibidem, pp. 110, 111.

23 Cf. Ibidem, p. 112.

24 Cf. Ibidem.

25 Valnir Chagas, (1979), Didática de línguas modernas, 3ª ed. revista, São Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 259 [adaptámos a grafia do Português do Brasil ao Português Continental].

26 Ibidem, pp. 259, 260.

27 Cf. José Romera Castillo, op. cit., pp. 112, 113.

28 Cf. Ibidem, p. 113.

29 Valnir Chagas, op. cit., p. 260.

30 Ibidem.

31 Ibidem, p. 305

32 Ibidem.

33 Ibidem.

34 Ibidem, pp. 305, 306.

35 Ibidem, p. 306

36 Ibidem, p. 307

37 Georges Galichet (1953), Méthodologie Grammaticale, Paris, Presses Universitaires de France (citado por Valnir Chagas).

38 Valnir Chagas, op. cit., p. 309.

39 Mário Vilela, op. cit., p. 144.

40 Ibidem.

41 Ibidem.

42 Ibidem, pp. 146, 147.

43 Ibidem, p. 147.

44 Ibidem, p. 147, 148.

45 Maria Raquel Delgado-Martins e Inês Duarte, op. cit., p. 15.

46 Ibidem, pp. 11, 12.

47 Ibidem, p. 13.

48 Ibidem, p. 14.

49 Ibidem, p. 16.

50 Cf. Adoración Juárez Sánchez e Marc Monfort (1989), Estimulación del lenguaje oral, Madrid, Santillana, p. 182.

51 Cf. Ibidem, pp. 182, 183.

52 Robert E. Owens, op. cit., p. 323, 326.

53 Cf. Philip S. Dale (1989), Desarrollo del lenguaje, México, Editorial Trillas, tradução do inglês de Antoinette Hawayek, 3ª reimpressão, p. 170.

54 José António Brandão Soares de Carvalho, op. cit., p. 38.

55 Ibidem.

56 Ibidem, p. 39.

57 William Francis Mackey, op. cit., p. 104.

58 Cf. Adoración Juárez Sánchez e Marc Monfort, op. cit., p. 183.

59 Robert E. Owens, op. cit., p. 332.

60 José António Brandão Soares de Carvalho, op. cit., p. 40.

61 Ibidem, p. 101.

62 Ibidem, p. 46.

63 D. A. Wilkins (1972), Linguistics in language teaching, London, Edward Arnold, [reimpressão de 1982], p. 86.

64 Ibidem, p. 90, 91.

65 Ibidem, p. 98.

66 José António Brandão Soares de Carvalho, op. cit., pp. 101, 102.

67 Ibidem, p. 102.

68 Ibidem, pp. 102, 103.

69 Cf. Adoración Juárez Sánchez e Marc Monfort, op. cit., p. 184.

70 Cf. Ibidem, p. 187.

71 Cf. Ibidem, p. 189.


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