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Notas de apresentação


A Árvore dos Milagres de Nuno Júdice

A Árvore dos Milagres e outros textos é um dos mais recentes títulos da já muito extensa obra de Nuno Júdice, que se alarga pelos domínios da poesia, ficção, ensaio e teatro. Além de ser objecto de múltiplas traduções para várias línguas, tem sido bem recebida pela crítica e mesmo premiada. Ainda recentemente o autor foi galardoado com o Prémio Pen Clube, referente a 1999, na modalidade de ficção, distinguindo a obra Por Todos os Séculos (Quetzal).

Esta obra reúne quinze textos narrativos e um dramático, alguns já publicados anteriormente em diversas edições, textos breves, de estilo e temática diversos, agrupados por meia dúzia de títulos simbólicos. Entre os traços mais salientes e sedutores desta escrita estão seguramente o domínio de uma escrita fluída, ora de tonalidade poética, ora manifestamente irónica. São fragmentos de realidade, onde a rotina e o misterioso coabitam, na observação curiosa dos vários narradores. Em pormenores inesperados, o insólito irrompe frequentemente do quotidiano, protagonizado por personagens simbólicas, em cenários ora banais, ora de recorte alegórico.

Merecem particular realce a bela narrativa "Agonia", a partir das derradeiras cartas de Eça de Queirós, cuja doença também inspirou Mário Cláudio; e o singular tríptico dramático-narrativo "Três Variações para Cravo e Mariana", reinterpretação da figura e do drama passional da religosa das Cartas Portuguesas. Mariana Alcoforado pertence, de pleno direito, à galeria dos mitos femininos do imaginário português.

Cândido Martins

Nuno Júdice: A Árvore dos Milagres e Outros Textos, Lisboa, Quetzal Editores, 2000.


Correspondência Secreta, Luís Filipe de Castro Mendes

Época de profundos contrastes, de grandes transformações político-sociais e de influentes filosofias racionalistas, o séc. XVIII iluminista legou-nos uma cultura e uma literatura que têm sido alvo de injustos preconceitos e apressadas simplificações. Na normativizada literatura arcádica, tem-se visto uma escrita requentada pelos ideais neoclássicos, sem originalidade, apenas preocupada em reagir contra os excessos gongóricos do barroco. Por isso, é muito agradável ler esta Correspondência Secreta de Luís Filipe de Castro Mendes, para contrariar alguns lugares-comuns, para nos deixarmos fascinar por uma época de espíritos esclarecidos e cultos, ora gravitando em torno do poder, ora desterrados para o exílio, para sentirmos os pequenos ou grandes dramas humanos de figuras que marcarm uma época.

Sendo a epistolografia um género tão cultivado nas letras setecentistas, nomeadamente ao nível do romance espistolar, esta Correspondência Secreta é um livro ímpar e sedutor, saído da pena de um poeta que desejou reinventar a história cultural, diplomática e literária da segunda metade do séc. XVIII, através de saborosas e verosímeis ficções. Partindo de fragmentos textuais de vários autores, portugueses e não só – fontes assinaladas pelo uso do itálico e explicitadas nas notas finais –, o leitor é convidado à leitura de belos textos em prosa (monólogos epistolares), habilmente entremeados por trechos líricos, também ficcionalizados, sempre no registo de 1ª pessoa.

Por estas páginas que se devoram com prazer, vemos passar várias figuras: o crítico e vingativo Francisco Xavier de Oliveira (Cavaleiro de Oliveira); o diletante e libertino D. João Carlos de Bragança, duque de Lafões; a reflexiva e melancólica D. Leonor de Almeida, futura Marquesa de Alorna; o desterrado e amargurado Filinto Elísio, entre outras. Tudo se passa temporalmente entre duas datas (1762 e 1782), isto é, durante e após o tirânico governo do temido Marquês de Pombal (viradeira); e, geograficamente, através do saltitar entre as grandes cortes europeias: Lisboa, Paris, Londres, Viena, Praga. Todos vivem à sombra benéfica ou hostilizadora do poder, ora como funcionários e aduladores, ora como perseguidos e proscritos, em contínuos jogos de interesses e de influências.

No sedutor jogo intertextual em que assenta, concorrem inúmeras obras e autores, explorando magnificamente o confronto entre a luminosa Razão e as razões de um Estado absolutista, por um lado; e as intrigas e os sentimentos, nobres ou baixos, de uma espirituosa nata intelectual da época, por outro. Revelando uma invulgar informação histórico-literária, Correspondência Secreta é um belo e harmonioso livro sobre alguns dos espíritos mais esclarecidos das Luzes setecentistas. É um livro sobre livros, afectos e memórias, uma forma atraente e imaginosa de reescrita, sem as limitações do romance histórico ou do pastiche. À imagem do romance epistolar da época, esta Correspondência Secreta é um encantatório jogo de espelhos e de sensibilidades, uma ficção de ficções, servida por um apurado bom gosto e uma escrita fascinante.

Cândido Martins

Luís Filipe de Castro Mendes: Correspondência Secreta, Lisboa, Quetzal Editores, 1999.


O Romance Histórico em Portugal de Maria de Fátima Marinho

O romance histórico é uma das mais ricas tradições da ficção portuguesa. Contemporaneamente, este género foi objecto de conhecida reabilitação. Traçar um panorama evolutivo desde o romance histórico romântico até à ficção mais recente foi o que pretendeu a professora Maria de Fátima Marinho, docente e investigadora da Faculdade de Letras do Porto, autora de outros conhecidos trabalhos sobre a Literatura portuguesa do séc. XX.

Para historiar e sobretudo reflectir sobre a evolução de um dos mais cultivados géneros romancescos da ficção portuguesa, obra intitulada O Romance Histórico em Portugal aparece estruturada em 5 capítulos. Começa por um oportuno capítulo introdutório, onde se apresenta o conceito de romance histórico à luz da estética romântica. Parte-se daí para as novas concepções de História e sua articulação com novos paradigmas de romance. O destaque vai para o chamado romance histórico pós-moderno, na sua vocação de reescrita irónica e paródica do passado, valorizadora dos pontos de vistas dos que foram proscritos pela História oficial.

Depois desta breve, mas insubstituível introdução teórica (Cap. 1), a autora propõe uma viagem sobre as várias épocas do romance histórico, a começar pelo romance oitocentista (Cap. 2), com a apresentação dos autores mais representativos. Continua pelo romance histórico do séc. XX (Caps. 3 e 4), onde, para maior rigor de classificação, nos são propostas várias perspectivas que agrupam os muitos autores e obras comentados. Encerra o estudo realçando a enorme fortuna do género analisado (Cap. 5).

Cândido Martins

Maria de Fátima Marinho: O Romance Histórico em Portugal, Porto, Campo das Letras, Col. Campo da Literatura/Ensaio, 32, 1999.


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