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Notas de apresentação


A Maldição do Louva-a-Deus, de Miguel Miranda

A Maldição do Louva-a-Deus fala de dois homens e três mulheres e das relações que se estabelecem entre eles. As personagens centrais do romance são: Rogério Centieiro, o grande escritor que já não escreve nada; Pereirinha, um sedutor profissional que escreve cartas de amor arrebatadoras; Carmelinda, a mulher de Rogério, Madame campos, mulher de virtude e Anizette Menezes, uma jovem rica, feia e mentalmente perturbada. Rogério Centieiro é um escritor renomado com diversos títulos publicados. Fama e glória cruzam-se com angústias várias: o medo de ser esquecido pelo público, pelos críticos: o pavoroso momento branco que lhe embota a capacidade de escrever; o suicídio como forma suprema de ascender ao estrelato literário.

Pereirinha não tem momentos brancos, seduz por carta sem hesitações ou espasmos de alma. Filho do coveiro de Mafamude, crescera vendo o pai derreter o parco vencimento em vinho e jogo, alimentando a vontade férrea de enriquecer sem se matar a trabalhar, vingando-se de todos os que riram a bom rir do coveiro perdido de bêbado, sugando-lhe o dinheiro no casino clandestino.

A Maldição do Louva-a-Deus é uma história sobre o vácuo que existe atrás dos grandes sucessos, a insensatez das paixões, os encantamentos passageiros e os tédios duradouros. Uma viagem aos abismos interiores onde se despenham sentimentos e planam emoções.

Miguel Miranda, A Maldição do Louva-a-Deus, Porto, Campo das Letras, 2001.


As Trevas Inocentes, de Manuel Frias Martins

As Trevas Inocentes de Manuel Frias Martins é uma colectânea de textos crítico-ensaísticos anteriormente publicados em vários jornais e revistas que procuram dar certa visibilidade por entre a portuguesa penumbra a obras, autores e problemas da literatura da última década. O autor, na Nota Prévia, transcreve parte de um artigo publicado no JL, que reflecte o que está em jogo neste livro: «A crítica literária vale mesmo a pena? Provavelmente vale, até porque, pelo menos, inscreve o crítico na categoria de autor.» No entanto, avisa que «a crítica só merece ser escrita se for crítica de si mesma. Nunca o é, porém.»

Estas Trevas Inocentes, poderiam, malgrado o título, ser fonte de luz para uns quantos jornalistas que, por não terem outra melhor função na equipa redactorial onde trabalham, se dedicam a esgrimir palavras, a deturpar a sintaxe, a perorar sobre obras que não lêem até ao fim, a ignorar as que deveriam ler e a esbofetear autores.

Manuel Frias Martins, As Trevas Inocentes, Lisboa, Aríon Publicações, 2001.


Literatura Oral em Verso: A Poesia em Baião, de Carlos Nogueira

Literatura Oral em Verso: A Poesia em Baião é um ensaio consagrado ao cancioneiro popular / tradicional português, centrado empiricamente no corpus reunido pelo próprio autor no concelho de Baião, o mais rural, mais interior e mais carenciado do distrito do Porto. Grande parte das conclusões obtidas podem ser aplicadas a outros acervos, bem como a outras modalidades de poesia oral, como observa Francisco Topa no Prefácio da obra: «tomando embora como ponto de partida o património oral de Baião, acaba por fornecer-nos um conjunto de reflexões e de elementos de análise que quase sempre são válidos para o conjunto da poesia oral e até da poesia tradicional ou de inspiração tradicional».

O autor demonstra neste estudo que uma abordagem séria da poesia oral não pode fixar-se unicamente no âmbito do literário. O percurso teórico-metodológico seguido neste livro estriba por isso em domínios nucleares para o conhecimento de qualquer sector da literatura oral tradicional: o contexto social e cultural da performance literária, a personalidade e idiossincrasia dos poetas-intérpretes, as funções que os poemas cumprem na comunidade, as diferentes espécies, a linguagem e o estilo, as circunstâncias da composição, da transmissão e da recepção dos textos.

Na Introdução, Carlos Nogueira apresenta a configuração do espaço da recolha, assinalando as motivações que subjazem à prática da oralidade poética; no primeiro capítulo, opera a conceituação e caracterização de diversos aspectos imprescindíveis para a unidade orgânica do trabalho, designadamente a relação oral / escrito, as circunstâncias da transmissão e da recepção, as relações entre poesia oral, música e dança, a definição dos papéis de poeta e intérprete populares, os tipos de variantes (assim como a sua importância no processo de produção / sobrevivência do poema) e as funções desta literatura; no segundo, de entre as diversas manifestações poéticas populares registadas em Baião, reflecte sobre aquelas que se revestem de um estatuto de maior autonomia, alcance e notoriedade no grupo social, designadamente os poemas dos Cortejos do Menino Jesus, as cantigas ao desafio, os pasquins, os testamentos, as pulhas e as dedicatórias, porque correlacionadas com tradições que as fundamentam; no terceiro, submete o corpus a uma análise das formas da expressão (língua e versificação) e de alguns conteúdos (religião popular e universo histórico-político).

Neste trabalho, procura-se descortinar as articulações do objecto literário quer com os elementos supra-individuais que conformam a dinâmica da tradição e da inovação literárias quer com as forças da história e da sociedade, de que o poeta é mensageiro, participante e testemunha. Pretende-se, em última instância, caracterizar um tipo de literatura e um tipo de homem.

Carlos Nogueira, Literatura Oral em Verso: A Poesia em Baião, V. N. de Gaia, Estratégias Criativas, 2000.


Cancioneiro Popular de Baião, de Carlos Nogueira

Trata-se do primeiro de dois volumes dedicados ao Cancioneiro popular / tradicional de Baião, dividido em seis grupos: «Cantigas toponímicas», «Cantigas conceituosas», «Etapas da vida», «Cantigas da natureza», «Estado civil» e «Cantigas amorosas». Com um total de 1353 poemas, numerados e organizados alfabeticamente, para facilitar a consulta, este vol. I resulta de uma intensa recolha de campo iniciada por Carlos Nogueira em 1994. Poesia registada por escrito, torna-se reflexo de uma «vocalidade» (Paul Zumthor) dinâmica que as letras aparentemente mortas não ocultam por completo, dada a energia pulsional dos textos. Não é por acaso que o autor conclui desta forma a «Introdução» da obra: «Cabe agora ao leitor entrar no Cancioneiro para ouvir a voz do Povo».

Concordamos com o editor quando afirma que «um tal trabalho só poderia ser prosseguido com a inteligência, paciência e persistência de quem algum dia bebeu água de Baião. Porque é um trabalho de amor. Ou não fosse, ainda, o povo a lembrar que «Quando cheguei a Baião, / Da tua água bebi; / Fiquei louco de paixão, / Não posso viver sem ti».

Carlos Nogueira: Cancioneiro Popular de Baião, vol. I, in revista Bayam, nº 4-5, Natal de 1996, Cooperativa Cultural de Baião.


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