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Crónicas


Fernanda Macahiba: Metáforas




A arte de vestir



Na década de 60, cujo marco foi o memorável evento de Woodstock, no qual os ideais de paz, amor e sexo livre foram propagados, a identidade foi posta em jogo. Desde Sodoma e Gomorra nunca antes os sentidos haviam sido tão postos à prova, num vertiginoso processo de intensificação e tensão máxima.

Mulheres despidas, uma louvável união de pessoas em prol de um objetivo comum, canções que transgrediam a cultura vigente, pais preocupados... Situações que convergiam para um boom social de uma geração inteira.

Como todo processo, também esse teve início muito antes, com a luta das mulheres em prol de igualdade em todos os âmbitos: social, profissional, financeiro.

Vítimas de um cenário que figurou um período, mal percebiam essas mulheres que, ao despirem-se, na realidade vestiam máscaras confeccionadas por novos ideais típicos, que se tornaram irremediavelmente arquetípicos em minha geração.

O desejo de igualdade permitiu que um capacete, uma bota, uniforme masculino, gravatas e toda sorte de acessórios concretos e psicológicos ofensivos e violentos fossem permitidos.

Não raro, homens declaram atualmente que sentem medo das mulheres que se portam como verdadeiras inimigas dentro do espaço de trabalho, levantando uma enxada que, ao invés de arar e semear, serve para moer-lhes a cabeça.

Que o leitor não pense que minha intenção é criar uma crônica machista, que enaltece o forno e o fogão como armas a serem empunhadas pelas feministas. No entanto, observando um cenário que teve início na geração de meus pais, e a fragmentação da identidade da mulher que, ao despir-se, vestiu uma personalidade embrutecida que, ao invés de liberta, é licenciosa. Pergunto se, talvez nostalgicamente, exista ainda a possibilidade de certas sutilezas que são próprias do feminino.

Talvez a questão seja o vestir-se para despir. Explico. É fato que todo homem prefere encontrar em casa uma mulher que se prepare para ele, que utilize seus predicados sensíveis e amorosos, a uma esposa irritadiça e com todas as doenças contemporâneas como depressão, tristeza profunda, insatisfação com a vida. Parece-me, e isso é quase contraditório, que não tínhamos tanta insatisfação antes da conquista dessa suposta liberdade.

Não acredito em extremismos. Todo extremismo é fatal. Que a mulher trabalhe e seja valorizada, não é mau. Mas que não deixe morrer as feminilidades que são próprias da ‘espécie’. Que não seja uma devoradora compulsiva de homens, como nas linhas de produção que, tão bem descritas por Chaplin em Tempos Modernos, enlouquece.

Sexo a granel embota os sentidos. Há de existir entre duas pessoas a mágica dos sentidos, a significação dos corpos e não um roçar de carnes expostas com dizeres tatuados de paz e amor. Isso não é amor, simplesmente. O amor é construído, fomentado, há de existir respeito entre dois seres que deitam para dividir um momento de prazer, e porque não dizer, luxúria. Que o corpo seja um templo a ser adorado por si e pelo outro. A poética dos sentidos, a vertiginosa busca da paixão.

Que voltem as cintas ligas, os sapatos de salto alto, os cabelos arrumados, as rendas e transparências – da roupa e da alma! Os vestidos insinuantes, o carinho sutil, o sorriso afável, os perfumes embriagadores e a maquiagem discreta. Abaixo o chicote que, atualmente, virou fetiche após o livro de E. L. James e que tão bem personifica os ideais contemporâneos da mulher.

Que a feminilidade possa conviver ao lado dos atributos dos homens, em pacífica harmonia. Nenhuma mulher precisa ser embrutecida para provar seu valor. Ao contrário, há muitos meios de alcançar objetivos fazendo uso de características que faltam ao macho humano e são abundantes em todas nós. Que venham as roupas e dispam-se as almas!

Fernanda Macahiba, Maio de 2013

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