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Crónicas


Nueiba: Histórias Rudimentares



Os Filhos do Pôr do Sol

(A Maldição de São Tiago IV)

A mente humana tem que primeiro construir formas, independentemente, antes de poder encontrá-las nas coisas.

Einstein

Aquilo só poderia ser um milagre. Nem os médicos conseguiram explicar o sucesso do desenlace.

O corpo balançava no cano da oliveira, perto do exalo de um último suspiro, quando, num ápice, caiu no chão, com grande estrondo, amortecido apenas pela palha da eira. Só umas costas calejadas por anos de contrabando o impediram de sofrer graves lesões. Seria que a espada de fogo de São Tiago tinha mesmo cortado a corda? O Quadrilheiro demorou algum tempo a voltar a si, reaparecendo lentamente para o mundo. Quando despertou, para surpresa sua, estava rodeado da família, que, ao vê-lo correr, suspeitou que iria pôr em prática o que vinha anunciando, e tinha ido no seu encalço.

O contrabandista olhou estupefato para todos. No chão, estava uma navalha sevilhana. Não foi difícil interpretar a situação, as lágrimas nos olhos dos familiares contavam o que faltava do enredo.

Ele, que sempre fora um resistente, sentia-se envergonhado com o que tinha acontecido “que me teria dado para fazer isto?” – pensou. Depois, muito a custo, mas com patentes sinais de arrependimento, pediu perdão aos seus mais íntimos, enquanto passava a mão pela ferida do pescoço, em carne viva, fruto do longo apertão provocado pela corda. Por incrível que parecesse, era a única sequela de uma tragédia que esteve a ponto de acontecer.

As Ciganas do Cante Jondo

Dali, mesmo ao lado, da Ciganalândia, do gueto no Cegonheiro, vieram a correr as duas mulheres do Krinistóri, título dado aos patriarcas dos clãs ciganos, atónitas com os gritos dos familiares do Quadrilheiro.

Chamavam-lhes Os Filhos do Pôr do Sol pela sua tez de pele, um nada mais morena, e também porque a sua vida parecia ganhar ritmo ao som dos tambores e das guitarras do crepúsculo, ora na arejada eira do Sr. Domingos, ora no bucólico campo de Lamares, lugar preferido para festins e casamentos. As ciganas do cante jondo, como também eram apelidadas, tinham aparecido de rompante ante aquele frenesim todo e cochichavam ao ouvido uma da outra:

¡Fue un hombre muerto!¡Se ahorcó y resuscitó como el Cristo de la Agonía! – dizia  Azúcar Moreno, como era carinhosamente conhecida a mais nova, célebre por acelerar a batida do coração dos payos (nome dado pelos roma ou calós aos não ciganos), para logo Maruja, a mais velha, retorquir, já num português aceitável, apesar de ainda há pouco viver do lado de cá da fronteira, encantada com a generosidade da vizinhança, tinha até trocado a fé dos seus maiores pela do padroeiro da aldeia, de quem era grande devota:

– Isto são coisas do destino. É um milagre do São Tiago. Nem o patrono deixaria que um sobrevivente daqueles morresse quando estava na mó de baixo, saindo pela porta do fundo. Os heróis morrem no auge consagrados com a sua glória.

  As ciganas propunham-se ir repenicar os sinos para anunciarem o milagre com a solenidade devida, não viessem a ser interrompidas, de forma abrupta, pelo próprio contrabandista.

A Ciganalândia

A Ciganalândia era uma criação recente no povoado, composta por gitanos que tinham cruzado a raia, também eles espavoridos com o clima explosivo de La Guerra Civil, aumentando ainda mais a diversidade cultural do povoado. Com o súbito desaparecimento de judeus e cristãos novos, num novo cenário de religião única, escondidos no armário do underground, eram agora Os Filhos do Pôr do Sol, para quem não havia esconderijo possível, alvos da intolerância da época, nova caça às bruxas, que roçava o racismo e a xenofobia, acusados de adivinhação, feitiçaria e poligamia, neste último aspeto com razão.

Apesar dos sinais sombrios dos tempos, los gitanos tinham chegado à aldeia, fatigando durante meses numa jornada à frente dos tiros e dos canhões, desde a longínqua Córdova, no meio de grande algazarra. Traziam consigo as famílias, o cante jondo e a dança. Acamparam primeiro no campo de Lamares para depois alguns se fixarem no Cegonheiro, ante o olhar de soslaio dos residentes. Parecia evidente que, apesar das dificuldades e do estigma, vinham dispostos a que as tristezas não pagassem dívidas. Na caravana, traziam uns pipos de vinho que, quando vazios, logo colocavam em pé para sapatearem em cima, ao ritmo de um flamenco desgarrado, ora de voz enrouquecida masculina, ora angelical feminina, canções que falavam de sonho, de amor, de ilusão e de dores do espírito, enquanto os burros zurravam, parecendo querer entrar também na festa, com acordes de música alternativa.

As mulheres tinham os nomes mais líricos e doces que se possa imaginar: Lyuba, Zita, Kefa, Azúcar, Miel... As casadas vestiam-se com longos vestidos pretos, coloridos as solteiras, conservavam os seus hábitos ancestrais, como drama de não desaparecerem como Os Últimos Homens Livres do Planeta. Os casamentos eram sempre motivo de grandes festejos, divertimento seguro para a garotada do povoado, que, mal acabava um evento, esperava ansiosamente pelo próximo e voltar a passar os momentos mais felizes das suas vidas.

O dia seguinte estava reservado à curiosidade da mocidade casadoura, olhos bem arregalados, na decantada exibição do sangue nas bragas femininas, penduradas nos freixos “viva la honra”, como prova de que as roma tinham chegado imaculadas a um dia tão especial. Os homens faziam de latoeiros, reparavam guarda-chuvas, faziam molidas, albardas... As mulheres, com olhos angelicais e diabólicos, espreitando desde os mais íntimos labirintos da sensualidade, prontas para levarem os homens ao céu ou ao inferno, faziam cestas, os trabalhos domésticos, contrabando leve, cantavam, dançavam e ajudavam a explorar uma realidade ardente e exótica de um mundo intemporal. Diziam-se originários das orlas do Ganges, mas nascidos no Guadalquibir, que, para a sua desventura, Espanha se tinha transformado com la guerra em habitat de monstros.

A Velha Lenda Cigana

Contava uma lenda cigana que não havia dois povos iguais, mas, em qualquer lugar do universo, o homem era sempre o mesmo e só um. Que, no princípio dos tempos, eram os roma os mestres do mundo e os payos os seus súbditos. Contudo, os mais inteligentes dos ciganos consideraram as religiões puras lendas e os deuses nunca mais lhe deram sossego, fazendo-os vaguear eternamente pelo mundo, oprimidos e párias, cíclica fuga dos filhos de Caim, sem poderem regressar ao ponto de partida, como forma de expiarem o seu pecado. Reagiram Os Filhos do Pôr do Sol transformando-se naquele povo mítico, sem medo da vida, com uma capacidade impressionante de superar as adversidades, prontos para o sofrimento, o martírio, obrigados a adquirir o dom ou mau fado de viajar pela terra fora, os primeiros viajantes de pé descalço, sem dinheiro, de quem todos se lembrariam enquanto estudantes, até que conseguissem um rotineiramente, insosso e maçador, mas excelente trabalho.

Los gitanos poderiam ser personagens odiados, e com razão, por alguns, vistos com preconceito por outros, muitos por ignorância, na maioria por má-fé, mas não deixavam de ser quem mais fascinava a imaginação dos poetas, dos românticos e doutros enamorados da vida, capazes de sentir encanto nas coisas mais simples, mais primitivas, libertando-os das convenções sociais que escravizam o espontâneo. Era um estilo de vida que não estava ao alcance de qualquer um, uma inesgotável fonte de inspiração, com todos aqueles duendes, drama, mistério e sangue. Uma sensibilidade lírica, esplêndida de fantasia, que dava à vida uma dimensão mágica.

Mènage à Trois no Cegonheiro

Na perspetiva paya, o que se passava na Ciganalândia, onde os ciganos começavam paulatinamente a ser compreendidos e até admirados, era de índole fantástica, surreal, mais parecendo uma cena escapada de um quadro de Salvador Dalí.

Cada dia, o cenário suscitava novas conjeturas. Para os payos, era como se os ciganos vivessem ali perdidos na metafísica feyerebendiana em que tudo valia desde que desse vida. E dava. Mas aquele segundo casamento, em Lamares, com Azúcar Moreno a ser transportada num andor e Maruja, a primeira mulher, e o Krinistóri na frente a atirarem, primeiro flores e depois o púcaro ao ar, que se despedaçou em cinquenta e um cacos, que magicamente e de forma profética, pressagiava o que iria acontecer, escolheram todos as sombras dos freixos, menos um, que escolheu o sol abrasador, deixando os payos, principalmente a beataria, com as suas verdades absolutas, tremendamente chocados.

Foi como combustível atirado num incêndio. Reconhecia-se, contudo, entre a vizinhança que se havia elevado acima dos preconceitos, orgulhosa até por toda aquela súbita onda de alegria, em tempos tão deprimentes, que era um absurdo o que se pensava no resto da aldeia, incapaz de penetrar nos labirintos da alma cigana e, por consequência, predisposta a rotular os roma de forma negativa, agitando o povo, espalhando versões contraditórias. Dizia-se que as ciganas não estavam contentes com aquele cativo matrimónio a três, que isso era apenas o que convinha ao Krinistóri e não a uma verdadeira história de amor. Que Azúcar Moreno era uma interesseira que tinha seduzido um homem mais velho em troca de benesses pela utilização do seu corpo (o rácio homem-amantes era muito maior entre os payos do que entre os roma, mas era feito de forma dissimulada). Outras diziam que Azúcar Moreno tinha sido violada e casada à pressa, mas as suas cuecas empapadas em sangue negaram isso, expostas que estiveram durante duas luas, para que, se dúvidas houvesse, pudessem todos testemunhar, com os seus próprios olhos, as provas da sua virgindade.

 “Os desaforados costumes ciganos” e a excentricidade daquele estranho fenómeno não davam para disfarçar o mau estar entre os aldeãos mais conservadores e até o próprio padre. Um missionário de fé genuína e visão larga, habituado a ver de tudo um pouco por esse mundo fora, a viver entre diferentes culturas, pregando a irmandade entre os povos, que sempre defendera os ciganos, ficava agora admirado com coisas incompreensíveis que o perturbavam. Essa conceção de vida chocava frontalmente com a da vida paya.

As ciganas do cante jondo, odiadas pelas mulheres, dada a sua maneira de sentir, amadas pelos homens pela sua sensualidade, tinham por base da discórdia as práticas poligâmicas que, sem pudores, desafiavam o estabelecido numa relação a três, coabitando na mesma casa. A cíclica vida de Abraão, Sara e Agar.

 As beatas, murmuradoras da vida alheia, com um medo patológico das ciganas, eram das que mais se metiam ao barulho, principalmente numa altura em que os roma eram mais discriminados e até perseguidos “aquilo é um escândalo! É um pecado mortal! Não admiraria se qualquer dia fôssemos fulminados como Sodoma e Gomorra!” A forma desassombrada, com relações arcaicas dos tempos imemoriais, que nessa altura, sim, a situação faria mais sentido, fruto da escassez de homens, desaparecidos nas guerras, colocava todo o tipo de questões.

– Não estarão elas a mandar-nos o recado: “mais vale um homem partilhado do que nenhum?” – perguntavam as menos bafejadas pelos deuses dos atributos, sem dilemas de consciência, ávidas de não morrerem intocáveis, como vieram ao mundo, que os homens, biologicamente diferentes, acabavam ainda por morrer mais cedo, pondo a nu uma questão sobre a natureza humana, que todos queriam saber, mas tinham medo de perguntar. “Ide, crescei e multiplicai-vos! Mas uma mulher pode fazê-lo uma só vez em cada nove meses e um homem nove vezes num só dia!”

Se bem que nos tempos que corriam parecesse uma coisa incompreensível, não racional, o tema continuava a ser um verdadeiro mistério, debatido até à exaustão. Era como se as regras de amor roma estivessem gravadas na memória, num invisível pergaminho sânscrito ou escritas nas estrelas. Três era o número da sorte, mènage à trois, como diziam os veteranos da primeira grande guerra, que tinham estado na França. É que lá, na pequena casa, o valor do metro quadrado devia andar pelo preço do ouro e a cama também seria um pouco curta, para elas dormirem com o cigano entalado entre as duas – qual emir de uma taifa de al-Ándalus! – com notáveis vantagens económicas, é verdade, mas com muita ciumeira reprovadora dos payos à mistura.

Contavam as beatas, nas suas intermináveis soberbas, aduladoras dos deuses arcanos, sempre à procura do aplauso da nova onda, que as ciganas, raça inferior, se deitavam tão bem sintonizadas uma com a outra, que a mais velha tentava acalmar a mais nova de forma matriarcal e carinhosa, com conselhos matrimoniais cúmplices, experiência de muitos anos a fazer cestas, “que da poda sabia ela”, filosofando-lhe altruísticas e reconfortantes palavras: “não importa quantas somos, mas como somos”. Ante o silêncio sepulcral de Azúcar Moreno, Maruja voltava à carga: “não te preocupes hija, que ele chega para as duas!”

Mas a mais jovem, recém-casada, em noites de núpcias e desejos para nunca mais acabar, com a rodagem ainda por fazer, não andaria lá muito satisfeita, pois estava na idade de dar o corpo ao manifesto, com níveis de estrogénio vorazes, apostada em deixar o seu legado histórico no povoado, não defraudar os deveres inalienáveis de uma mulher rom, justificar também aquela ilusão um nada pretensiosa, e até elitista, destruidora da hierarquia da antiguidade, de ser a preferida do Krinistóri.

Meteorito: A Pedrada de São Tiago

Então, as beatas de linha dura, na sua inconsciente luta por poder, autoridade, procura de segurança, marcavam posição. Até as mais sonsinhas, que à primeira vista pareciam não quebrar um prato, partiam a louça toda, na sua forma obstinada de decretar a sua própria realidade sobre os outros, como se a vida fosse uma fórmula estática, eterna, e não uma projeção humana baseada nas crenças, não poupavam as roma, atiravam-se a elas sem dó nem piedade numa colisão de forças que parecia replicar o que tinha acontecido ao asteroide, com os destroços a sobrarem para o povoado:

– Aquelas bruxas, rogadoras de pragas, leitoras da buena dicha, amaldiçoaram esta terra, transformando-a noutra Sodoma e Gomorra – dizia uma delas.

 Numa altura em que a xenofobia aumentava, aproveitavam a ocasião para largar o seu fel em sentenças brutas, pois era isso que o sistema gostava, com todo o tipo de premissas sobre causas e consequências da promiscuidade caló, como desejo de atingirem um fim. Não acabar com os ciganos era dilatar a sua angústia.

– É por isso que temos castigos vindos do Céu, tudo por causa dessas cabras. Raios, seixos e calhaus caiem-nos em cima, com grande estrondo, por sorte não mataram ninguém!

– Mas, olha, se a pedrada chegou de aviso para nós, para essas papa-fodas nem por isso, que não param com essas fornicadas que meteriam nojo até numa casa de mulheres da vida! – respondia a outra, referindo-se ao meteorito, um pedaço do antiquíssimo asteroide Vesta (o segundo maior do sistema solar, só superado por Ceres, transformado por acumulação de matéria, através dos tempos, num pequeno planeta), que havia caído, como uma bomba, ali mesmo, na eira do Ruivo, contígua à Ciganalândia, deixando a aldeia em alvoroço.

A queda do howardito teria sido um dos acontecimentos mais importantes do historial do povoado, se tivesse existido, na altura, consciência do que havia realmente acontecido.

Só mais tarde, quando atraiu a atenção do Museu de História Natural de Paris, o acontecimento pôs Vilarelho nas bocas do mundo. O Museu da cidade luz aproveitou-se da situação para ficar com um pedaço da pedra e o roubo teve grande repercussão na aldeia. A explicação, em termos científicos, também não se apresentava nada fácil para os tempos que corriam. Surgiram, então, as explicações mais gratificantes, respondendo a correntes ideológicas, que mais convinham à época, e o imaginário popular já tinha interpretado as várias teorias, entre elas a de que teria sido uma pedra atirada pelo padroeiro São Tiago, descontente com a proverbial poligamia dos ciganos: “gente que nunca fez nada na história, não passando de um bando de fornicadores, ladrões, salteadores, feitos de salamaleques e corações falsos”, forma de vida que se vinha prolongando no Cegonheiro.

Noites de Kama Kurta

Sendo originários da Índia, duvida-se, contudo, que estes Filhos do Pôr do Sol tivessem conhecimento do livro indiano dos arranhões, das mordidelas e da música, o Kama Sutra, compilação de Vatsyayana, concebido nos confins da cultura védica, como uma arte para fazer a felicidade e o amor perdurarem. Ainda assim, rumorava-se, entre as beatas mais fundamentalistas, que enquanto uma das roma possuía o cigano, a outra inflamava o erótico espetáculo com palmas e cante jondo, de forma que, no calor da noite, à hora do flamenco, a vizinhança ficava acordada à espera do momento pecaminoso, em que o demónio incendiava o corpo das ciganas, coisa nunca comprovada, mas não de todo impossível, o que a ser verdade até inspiraria as payas da vizinhança, com uma espécie de curso de Kama Sutra acelerado, cujas performances, segundo queixa legítima dos machos, estavam longe de ter a paixão, a energia e o poder de fogo das calós.

– Elas estão possuídas pelo diabo! Ninguém se aguenta tanto a cavalo de um homem, a não ser que haja ajudas externas. Nem elas devem ter tanta energia, cevadas não andam com caldos de fiolho ou com a porcaria do balchú (toda a carne que aparecesse estufada com legumes) que comem! – dizia uma delas, enquanto a outra ouvia entusiasmada para adicionar.

– Qualquer dia, com as suas exigências em crescendo, ainda acabam com o pobre do Krinistóri, que o desgraçado tem que manter um olho na que faz de burra e o outro no traseiro da cigana! Então nas noitadas de lua cheia... nem se fala. Mais: se elas não puxam cada uma para seu lado, teimosamente, como os bois do Jeirinhas, nem deixam de ter a voracidade das cabras do Chiquinho, São Tiago ainda nos atira com uma fraga do tamanho daquela em que o seu cavalo branco pousou as patas, fungando por aí abaixo, à mesma velocidade e pelo mesmo buraco no céu por onde ele se escapou para a guerra santa contra os mouros de Alvorinha. E imagina porquê?

 As beatas, com a memória detida no tempo, exalando nostalgia pagã, viviam convencidas que traziam a verdade no bolso, que podiam fazer o que lhes dava na real gana, pois sabiam como ninguém expiar os seus pecados, livrar-se de todos os males. Tinham uma aversão de ajuda ao próximo quase patológica, aí mesmo onde Deus outorgava muitas das suas bênçãos e graças, mas em contraponto serviam-se da oração ou do auto flagelo de joelhos ensanguentados, percorrendo o povoado durante a procissão da próxima festa do padroeiro, pensando que com a mortificação ganhariam mais mercês do que viver a vida na sua plenitude: convivência, ajuda mútua, cortesia, gratidão...

A resposta estava bem estudada pela companheira:

– Sempre a mania dos homens... a sua obsessão em ter mais do que uma mulher ao mesmo tempo! Mas... espera aí... então em que ficamos? – concluindo com uma sussurrada e tímida pergunta ao ouvido – Afinal, São Tiago não apareceu em Compostela?

(em desenvolvimento)

O Nueiba, maio de 2015

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