Visiones y Agonías, originalmente um conjunto de poemas e canções, foi escrito em Montevideo em 1977. É o primeiro livro de Héctor Rosales, publicado em Barcelona em 1979. En 1986 foi corrigido e aumentado pelo autor. No ano seguinte, o professor e poeta uruguaio Alfredo Fressia procedeu em São Paulo, Brasil, à primeira tradução para português do mesmo livro. Uma segunda tradução foi iniciada em finais de 1996 em Lisboa, a cargo do escritor e editor português Alberto Augusto Miranda. O Letras & Letras apresenta quatro poemas desse trabalho. Tanto a versão definitiva do livro como as suas traduções permanecem inéditas.
SAÍDA
Um manancial de trinados bebeu
o menino-ave, um manancial
suas tremurentas plumas
no início, seu amplo destino,
aquele voo feliz sobre os arvoredos.
O céu inesperado, o contrário
vento que tombou inocentes asas,
ofereciam na dor outra bebida,
outro espaço de navegações
erguidas do chão.
Observando o planeta, a traição
das perenes rotas fixas,
o menino-ave estreou a sua canção
esculpiu ao vento e saiu
por rios de ar e campos de sangue.
DEVE SER
Deve ser o trigo. A paralisia
dos cavalos na pradaria
inacessível. Soa, ressoa
uma voz fuzilada no caminho.
(Chamam-nos). Não sei quem
está escrevendo:
"cuidado com o riacho,
pode matar como um espelho".
Deve ser o trigo. A vencida
pele do vento: bronzes
outonais que não voam.
Passivo o espanto,
entre as folhas sem terra
nem linhagem.
"Fomes, fominhas
(chamam-nos):
não é este o campo,
nunca
o vosso campo".
GAIVOTAS
Este comprido cachecol de areia
que aquece o meu andar, estendido
ao pé dos líquidos umbrais,
tem asas.
Elas levam consigo os pesares
sonolentos que o verão reuniu
na sua casa. Anónima
então a alma, livre,
mais leve. Que ficou
de mim nesta fímbria?
Quando as ondas começaram
a vestir de luto as que tinham vindo
quietos o céu, seus cristais
noviços, brilhos, focos, faróis
uma dor recém-nascida
(a pequena plumagem
inteiriçada entre algas)
fez-me voltar
ao que fui antes.
OUTRA VEZ AGOSTO
Agosto são dois dentes
ao fundo de Lezica, frio
empenhado em meu olhar.
Removo o ano passado
quando frequentes eram meus passos
percorrendo a avenida. Repito
os empedrados domesticados
por tanta sola estudantil;
contemplo a mensagem do cimento:
livros acesos
pelos círios do inverno.
Os muros protegendo suas histórias,
a fiel fraternidade das plantas,
o sussurro do ar testemunho de outrora,
presenças que geram outras
presenças, o tempo cosendo
algibeiras na memória.
Agosto, dois rapazes,
aquele que levou o meu nome
por meses azuis, abismados,
e este, um estranho que retorna
às suas pegadas destemperadas.
Duas sombras acesas
pelos círios congelados.
Héctor Rosales, Cuatro Poemas en Portugués. Edición de Héctor Rosales, Barcelona, 1998. Tradução de Alberto Augusto Miranda. Reservados os direitos de autor.