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Ex-Tratos de Água
Carla Ferreira
Lisboa, Edições Tema, 1998

Ex-Tratos de Água
de Carla Ferreira

Ex-Tratos de Água é a estreia literária de Carla Ferreira. Natural de Angola, Malange, Carla Ferreira tem orientado a sua actividade artística preferencialmente para a pintura.

Se o título de um livro deve, a um tempo, ser a síntese do que no dentro está e, no que não estando, encerra promessas que o trabalho poético pode vir a actualizar, então Ex-Tratos de Água é um título sibilinamente feliz. Na remetência para o que já foi, que o prefixo ex indica, e para a correnteza do tempo que a água figura, Carla Ferreira introduz-nos no universo que a poesia sempre tomou como seu: ex-trair ao tempo o momento que a criação poética desejaria eterno: «O poema é um baralho de segundos/cartas dadas aos silêncios/ dobrando no branco intransmissível/novelos de pele incessante;/contemporiza notas e acessos./O poema coexiste no duelo dardejante - ,/a imortal tortura solidificada no poeta!» (p.26).

A violência que, de alguma forma, o poema instaura no acto de se fazer é, com efeito, um dos tópicos que atravessa Ex-Tratos de Água. Não uma violência ruidosa, que no eco da sua voz poética procuraria re-conhecimentos imediatos, antes uma violência que se sabe incontornável na medida em que a absoluta coincidência da palavra com a realidade é impossível: «Cede-se ao contágio do papel/branco translúcido e maligno/onde delicado desliza/o rastreio desenfreado da alma.../Fóssil escrito a negro.» (p.13).

Desta iniciação poética de Carla Ferreira fica-nos a impressão de uma voz que faz trato com a poesia, que é capaz de retirar da linguagem chamamentos a que a poesia, no futuro, não saberá resistir:

«Vem até mim tu que vens de mim
que te acercas malícia transpirada
apresenta-te volátil ao meu momento
Molda-me versos líquidos e miragens
Caminha mudamente até mim
tu que te passeias em mim
quando palavras são ecos ferventes

vem banhar o deserto do meu sono

Abandona-me aos leitos
e à morte simulada dos sentidos

Deixa-me as chamas
as cinzas de cada fumo e do teu corpo

Doloridamente feliz
deposita-me na encosta do teu sono» (p.18)

Fernando Martinho Guimarães, Outubro de 1998

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