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Recensões

No Après-Midi das Nossas Vidas
Lustosa da Costa
Brasil, UCF / Casa José de Alencar, 1997

Whisky, Mulheres e Talento: a Fortaleza do Brazuca

«Para me libertar do que vivo, vivo»

Antonio Porchia, Aforismos

O título é subliminar, mas suficientemente indiciante: No Après-Midi das Nossas Vidas é um volume sobre o tempo quando passa e o que dele se cristaliza em recordações. Em pouco mais de três dezenas de crónicas jornalísticas, resgatadas à efemeridade dos periódicos, Lustosa da Costa revisita casulos de memórias, pessoas idas e vindas e episódios próximos do género anglo-saxónico da «anecdote». São as constatações de um amante da vida que vê a coisa amada mingar-se mais em quantidade que em qualidade. A um lado, o desespero pela impiedade de Cronos; na outra riba, a arte mestra de envelhecer. Entre ambas, reside a certeza de que «é tempo perdido pensar em anular o que foi, o que nem ao Todo-Poderoso é possível, embora seja ilusão em que se embalam muitos mortais. O que foi , foi. Está incorporado à história, mesmo nos machuque, mesmo nos doa. Assim, não adianta ficar olhando para trás feito a mulher de Lot» (p. 43).

Num estilo coloquial, porém intervalado de erudição e filosofia de vida, o cronista modela episódios curiosíssimos em que ora o humor, ora a saudade são as especiarias predominantes, pedras da calçada de um «bon vivant» que deu mais de quarenta anos ao jornalismo e continua a debruçar-se apaixonadamente sobre as lições do existir e sobre um caleidoscópio de temas que, não sendo muito diversificado, é tratado com minúcia e bom escopro. O autor fala-nos das mulheres (e não é parco em citar nomes); recorda os dias moços de «flirt» (p. 17); elogia a bebida e da benevolente colaboração de um fígado-destiladeira, a quem só de quando em quando concede tréguas; da tristeza de ver como ao invés de no célebre episódio de Os Lusíadas é hoje o reino das águas que entra em Baco e não o oposto; e não se esquece de confessar que é mais «gourmand» do que «gourmet» (p. 45).

Todas estas digressões ocorrem num tempo em que o politicamente correcto se arquitecta em ditadura, em que até os hambúrgueres viraram verdes, as mulheres deram o braço a um feminismo às vezes agressivo, e a lei seca ameaça ser o 11º mandamento. Porque feitos com inocência, estes pequenos prazeres transgressores são deliciosos (o brazuca diria «gostosos») e homenageiam a próprio vida.

L. C. tem a humildade de saber que existem erratas coladas às páginas da vida, mas não prescinde do humano direito de errar, que Chaplin tanto elogiou. Os princípios e a ética, o mordaz e a gozação, as preocupações e as batalhas, esses ficam registados em títulos tão sugestivos como «Odiar é bobagem», «É fundamental manter o casamento» e «Há mais amigos que tempo». Quando se tem este ideário, quem precisa de anti-rugas? São dardos directos ao coração, estes textos – para ler, reler e saudavelmente enganar o próprio tempo.

João de Mancelos, Janeiro de 1999

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