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Dicionário do Romantismo Literário Português
Helena Carvalhão Buescu (Coord.)
Lisboa, Caminho, 1997, 634 pp.

Dicionário do Romantismo Literário Português
de Helena Carvalhão Buescu (Coord.)

Na sequência de outros imprescindíveis dicionários — sobre Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós ou a Literatura Medieval galego-portuguesa —, a Editorial Caminho editou recentemente esta obra, que constitui um marco nos estudos sobre a Literatura Romântica em Portugal. O mérito maior cabe, naturalmente, à sua dinâmica organizadora, Helena Helena Carvalhão, que coordenou uma vasta e variada equipa de autores, com destaque para alguns reputados investigadores, a quem se devem os textos mais brilhantes deste dicionário: além da coordenadora, Maria Fernanda Abreu, Teresa Almeida, Artur Anselmo, Rosa Esteves, Maria de Lurdes A. Ferraz, José-Augusto França, Margarida Vieira Mendes, Ofélia Paiva Monteiro, Paula Morão, A. Machado Pires, Carlos Reis, Andrée Crabée Rocha, Ernesto Rodrigues, Vítor Aguiar e Silva ou Maria Leonor Machado de Sousa. Não é certamente por acaso que esta monumental obra é publicada com o patrocínio de duas prestigiadas organizações culturais: o Instituto Camões e o Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro.

Como se depreende do título, o objecto de estudo está claramente delimitado — Romantismo literário português —, quer quanto à sua natureza, quer quando ao âmbito cronológico. Assim, estuda-se a Literatura Romântica, excluindo outras manifestações artístico-culturais. Isso não invalida que a obra seja enriquecida, apenas a título ilustrativo, por um variado conjunto de cerca de quatro dezenas de reproduções de obras de pintores românticos portugueses, o que se revela uma opção louvável. Já quanto à delimitação peridológica, adopta-se a divisão unanimemente aceite para as fronteiras da Literatura Romântica, isto é, um período de cerca de meio século: desde a década de 1820, com a publicação das primeiras obras garretteanas assumidamente românticas, até à década de 1870, com a erupção revolucionária da nova geração coimbrã, responsável pela implantação da estética realista/naturalista em Portugal. Esta divisão epocal não impede que se tenham estabelecido oportunas relações fronteiriças, quer com a sensibilidade pré-romântica, quer com as primeiras manifestações da Geração de 70, aparecendo verbetes sobre Eça de Queirós, ou mesmo sobre Cesário Verde e António Nobre.

A estrutura organizativa deste utilíssimo dicionário é similar à de outras obras congéneres, embora com algumas peculiaridades. O objecto de estudo é constituído pela Revolução estético-literária do Romantismo, isto é, um dos mais influentes e complexos períodos da História da Literatura Portuguesa. Segundo o critério adoptado, devidamente exposto e fundamentado pela coordenadora no discurso prefacial, optou-se por um sistema de entradas sobre autores e temas, excluindo a autonomização de títulos de obras. Contudo, o detalhado sistema de índices remissivos de algum modo consegue suprir esta ausência, através de um útil e produtivo processo de remissão e cruzamento de informações.

A grande vantagem de uma obra deste tipo é a consulta fácil e produtiva sobre temas e autores de uma época muito rica. Com essa consulta, o leitor (aluno, professor, investigador ou simples interessado) acede a um amplo, sólido e resumido conjunto de informações. Para maior optimização da consulta por parte do leitor, a obra é enriquecida por um conjunto variado de índices: índice de entradas temáticas; índice de títulos citados, o mais longo de todos; índice das ilustrações, numeradas fora da paginação sequencial; e, por fim, índice de colaboradores, instituições profissionais a que estão ligados e respectivas colaborações.

Num trabalho desta natureza, não é nada fácil assegurar uma efectiva homogeneidade do discurso e sobretudo do estilo adoptado por cada um dos colaboradores. Este complicado objectivo parece-me amplamente atingido. Contudo, uma obra deste nível de exigência e com a estrutura de um dicionário, nunca está acabada, sendo sempre passível de aperfeiçoamento em futuras edições. Por conseguinte, fica-se sempre à espera de encontrar, em compreensíveis reedições, pequenas correcções, actualizações informativas e, sobretudo, novas entradas. É sempre tentador apresentar algumas sugestões, umas certamente exequíveis, outras nem tanto, por variadas razões, mas sobretudo devido ao critério adoptado. A própria coordenadora da obra e a sua equipa de colaboradores terão já certamente pensado em várias alterações e acrescentos.

Entre outras sugestões, deixo apenas algumas possíveis entradas para novos verbetes, propostas de importância desigual, que me ocorrem de momento: 1) Teorias Literárias (no Romantismo português), a partir sobretudo dos textos doutrinários de autores nacionais (prefácios, posfácios e outras reflexões estético-críticas), de modo a completar o insubstituível artigo já existente sobre as Teorias Literárias (no Romantismo francês, inglês e alemão), da autoria de Vítor Aguiar e Silva, a fim de salientar a recepção e "nacionalização" dessas influentes e modelizadoras teorias estrangeiras; 2) Leitura romântica, que abordasse o impacto sociológico-cultural dos hábitos de leitura neste período, nomeadamente femininos, embora já exista um verbete sobre Público-Leitor; 3) Literatura de Naufrágios, que saliente a recepção e particular influência da História Trágico-Marítima na criação e imaginário românticos, complementar do sugestivo e abarcante verbete sobre a presença do Mar na literatura deste período, que a própria Helena Carvalhão Buescu já redigiu; 4) Sonho na Literatura Romântica, temática sobre a qual existe um ensaio clássico de Albert Béguin, centrado nas literaturas alemã e francesa (L'Âme Romantique et le Rêve); 5) Fantástico romântico, aprofundando o artigo mais geral sobre os Géneros Literários, e não se confundindo também com os verbetes dedicados ao Maravilhoso ou ao Espectro por M. Leonor Machado de Sousa; 6) Lirismo confessional, com tão justificada individualização como a entrada, já existente, para a Narrativa intimista e confessional.

Pelo que fomos anotando, a obra coordenada por Helena Carvalhão Buescu veio preencher, decididamente, uma enorme lacuna no panorama da literatura crítica sobre o Romantismo português. É, assim, uma imprescindível e actualizada base de informações sobre as temáticas mais relevantes do Romantismo literário português. Entre muitos outros méritos, este dicionário demonstra a maturidade alcançada pelos Estudos Literários em Portugal, além de uma louvável vontade de contribuir para a modernização e actualização do ensino da Literatura Portuguesa, desde os níveis mais elementares do básico e secundário até ao superior. Neste sentido, revela-se um inestimável contributo e, por isso mesmo, uma presença obrigatória nas estantes de qualquer escola, ou na biblioteca particular de todo o professor de Literatura Portuguesa. Pessoalmente, como professor de Literatura Portuguesa do séc. XIX, não deixarei de recomendar vivamente este Dicionário do Romantismo Literário Português a todos os meus alunos.

Em suma, conscientes do enorme trabalho que uma obra de tal magnitude implica, nomeadamente ao nível da planificação, coordenação e execução, e avaliando genericamente o que se espera de uma obra desta natureza, só nos resta felicitar o belíssimo trabalho que Helena Carvalhão Buescu coordenou com diligente empenho. Esperemos que o seu exemplo contagie outros investigadores, a fim de podermos contar, nos próximos tempos, com imprescindíveis instrumentos de trabalho como este sobre outros períodos da História da Literatura Portuguesa.

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* Helena Carvalhão Buescu é Professora Associada da Faculdade de Letras da Univeridade de Lisboa. Entre outros relevantes trabalhos sobre a Literatura Portuguesa, Literatura Francesa, Literatura Comparada (área que que apresentou o seu Doutoramento) ou Teoria da Literatura, é autora das seguintes obras: Incidências do Olhar. Percepção e Representação, Lisboa, Caminho, 1990; A Lua, a Literatura e o Mundo, Lisboa, Cosmos, 1995; Em Busca do Autor Perdido, Lisboa, Cosmos, 1998. Além destes ensaios e de artigos dispersos por várias revistas nacionais e estrangeiras, editou ainda, na colecção de "Textos Literários" da Ed. Comunicação: Uma Família Inglesa, de Júlio Dinis (1985) e Lendas e Narrativas, de A. Herculano (1987). Recentemente, publicou ainda uma incursão no campo da criação poética, com uma obra intitulada De Onde Nascem os Rios, Lisboa, Presença, 1998. Colaborou ainda na edição das obras completas de Manuel Teixeira Gomes (Bertrand).

J. Cândido Martins

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