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Recensões

Uma História de Desamor ou como me Apaixonei pelo Amor
de Graça Gonçalves

Há livros de vários sabores e tonalidades. Este volume guarda o gosto incerto da infância e um aroma a adolescência. A autora aveirense Graça Gonçalves põe-nos sob o olhar uma história transbordante de sensibilidade: o percurso de Guida pelo divórcio dos pais e a sua transladação da capital para um ambiente rústico e puro. Ao jeito de bildungsroman, Margarida cresce página a página, num tecido de relações onde se entrelaçam a ternura, a busca afadigada da compreensão e, sobretudo, um olhar perspicaz sobre o mundo dos adultos.

Em Guida, tudo é expectante: a vida procura-se e a vida procura-a. A jovem aprende-a com um mosaico de pessoas: a guerrilha com a «irmã» traz ao de cima a hipocrisia e o convencionalismo; as criadas ensinam-lhe o que é o estatuto; o avô António explica-lhe o mistério da poesia; o Professor, a importância dos regulamentos; Pedro, a paixão. Parece existir sempre uma linha muito ténue, às vezes imperceptível, a dividir dois hemisférios. Por um lado, a natureza e a inocência; na outra margem, o contra-peso da cultura e das normas. Entre estas duas margens, Guida vai crescendo, numa eterna e incorruptível fidelidade aos seus ideais, mas não isenta de tentações ou percalços. Choque a choque: o divórcio, a escola, a morte do avô, e, especialmente, o fim trágico de Pedro, porque é sempre doloroso quando os filhos morrem antes dos pais. Longe de se devorar de revolta, Guida encontra novas fontes de ternura e sensibilidade, e reforça as sua vontade irrendível.

O livrinho prima pelo tom coloquial, a lembrar Agulha em Palheiro de Salinger, ou Clarissa de Erico Veríssimo, livros que primam pela autenticidade só possível naqueles que falam como quem confidencia. Berlindes de emoções para a Guida, no último Verão antes da adultícia, e parabéns à autora por este fruto sem mácula.

João de Mancelos

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