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Recensões


Fábulas de Bocage
Daniel Pires (ed.)
Setúbal, Centro de Estudos Bocageanos, 2000

Fábulas de Bocage

Esta cuidada edição de quatro dezenas de páginas é constituída por uma interessante selecção de onze fábulas e um epigrama bocageanos. A transcrição dos textos é enriquecida pelas belas ilustrações de Julião Machado, resultando um trabalho de apurado gosto gráfico. A oportuna introdução (pp. 3-6) e a actualização do texto – tendo como base a edição comemorativa de 1905, confrontada com a edição original de 1799 e 1800 – são da responsabilidade de Daniel Pires.

Sendo um género cultivado desde a antiguidade clássica (Esopo) até aos tempos modernos (La Fontaine ou Curvo Semedo), o discurso poético da fábula, protagonizado por animais com atitudes e ditos antropomorfizados, adequa-se admiravelmente à veia satírica de Bocage, como nos lembra o organizador desta bela edição: "Curiosamente, Bocage só tardiamente cultivou a fábula, o que não deixa de ser surpreendente, pois trata-se de um género feito à sua medida, e sintonia com a sua proverbial irreverência e o seu espírito crítico". Duas edições de referência da obra poética bocageana (Obras de Bocage, Porto, Lello, 1968, pp. 1103-1155; e Opera Omnia, Lisboa, Bertrand, vol. IV, 1972, pp. 176-212) registam 28 fábulas, originais ou traduzidas de La Fontaine.

Curiosamente, tem-se assistido nos últimos tempos a um apreciável número de publicações onde sobressai a vida e obra de Bocage. Entre outras edições, destaquem-se três ou quatro de natureza diversa, a título de exemplo: primeiro, a de uma obra intitulada Fábulas e Contos para Crianças (Lisboa, Instituto Piaget, 2000), antologia contendo textos bocageanos; segunda, a teatralização da vida do poeta, Bocage, Ele Mesmo (Lisboa, Portugalmundo, 1999), na sequência de outras conhecidas dramatizações de tão atribulada existência; terceira, um estudo introdutório, de preocupações didácticas, intitulado Para uma Leitura da Poesia de Bocage (Lisboa, Presença, 1999), do autor desta recensão; por fim, um exercício de reescrita paródia de algums poemas de Bocage, da autoria do professor brasileiro (da Universidade de São Paulo), Francisco Maciel da Silveira, e incluídos em Palimpsestos. Uma História Intertextual da Literatura Portuguesa (Santiago de Compostela, Edicións Laiovento, 1997, pp. 23-25).

Daniel Pires (n. em 1951) é o dinâmico director do Centro de Estudos Bocageanos (CEB), a quem se devem, aliás, outros importantes trabalhos de divulgação da obra do poeta sadino, tais como: a organização e publicação da brochura da Exposição Biobibliográfica comemorativa dos 230 e dos 190 anos do nascimento e da morte de Bocage (Setúbal, Câmara Municipal de Setúbal / Biblioteca Pública Municipal de Setúbal, 1995); ou, com Fernando Marcos, a edição de uma pasta com 15 belos postais (sépia), sobre Bocage na Prisão (Setúbal, CEB, 1999). A sua actividade crítica e ensaística tem ainda outros temas de interesse, como se conclui das suas publicações sobre vários autores. Merecedor de destaque está o seu incansável trabalho de um Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa no Século XX (Lisboa, Grifo), já com dois volumes publicados (1º vol., 1900-1940; 2º vol., 1º tomo, 1941-1974). Ficamos, pois, à espera do seguimento deste importante serviço à cultura portuguesa, no domínio pouco estudado da sua imprensa periódica, bem como de outros trabalhos de divulgação ou de ensaio interpretativo sobre a obra poética do maior pré-romântico português.

Cândido Martins, Outubro de 2000

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