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Elogio da Conversa
Theodore Zeldin
Tradução de Ana Falcão Bastos
Lisboa, Gradiva, 2000

Elogio da Conversa
de Theodore Zeldin

Já conhecíamos elogios da leitura, da sesta ou outros. Quando, porém, se constata que as pessoas falam cada vez menos, não sabem conversar ou não têm nada para dizer, então é oportuno apresentar um elogio da conversa. Num tempo de isolamentos e mutismos, urge sensibilizar para as virtudes da boa conversa, não da conversa fiada com os tradicionais e vazios lugares-comuns. O autor desta cativante proposta é um professor universitário inglês. Os seis breves capítulos resultam de outras tantas conversas emitidas pela BBC.

Começa por relembrar que a natureza e temas da conversa foram evoluindo ao longo dos tempos e das culturas. Há conversas que podem alterar significativamente a nossa maneira de ver o mundo, como há outras que mudaram o curso da História. Há uma enorme variedade de conversas: estéreis e fecundantes, eruditas e fúteis, moderadas e tagarelas, melancólicas e alegres, sinceras e hipócritas, ingénuas e embaraçosas, em voz alta e à boca fechada, serenas e exaltadas, etc. Conversa-se com os outros, connosco próprios, com as estrelas ou as árvores. Conversa-se com os escritores que lemos ou com os músicos que ouvimos, com as musas ou com Deus.

Salienta-se, neste domínio cultural, o notável papel das mulheres na evolução da conversa. Elas demonstraram que se pode falar delicadamente das emoções, sem as piadas de mau gosto ou a brutalidade do obsceno. Abriram assim caminho à revalorização da conversa amorosa. Em geral, os homens têm dificuldade em falar com as mulheres, sentem-se intimidados. "Segundo um relatório da Universidade de Stanford, 50% dos homens americanos sentem-se nervosos na companhia das mulheres e o namoro é uma arte em extinção por os homens recusarem ser acusados de assédio". É, pois, tempo de redescobrir as virtualidades da conversa amorosa.

Há pessoas que parecem ter nascido com um dom natural para conversas fluentes, espirituosas, cativantes. Comunicam com facilidade, expressam-se com vivacidade mental, contagiam pela simpatia, seduzem pelo humor. Mas há também os tímidos e introspectivos, bem como os de diálogo lento; e ainda os que monopolizam uma conversa com maior ou menor dose de verbosidade e exibicionismo. Mais do que partilhar informações, confessar sentimentos ou impingir ideias, a conversa é muitas vezes uma aventura sem desfecho previsto. As palavras trocadas desafiam-nos, levam-nos por caminhos absolutamente inesperados.

No ambiente íntimo e familiar, no meio profissional ou na vida em sociedade, a conversa descontraída, séria ou espirituosa tem um papel absolutamente insubstituível. Proporciona momentos de partilha, de diálogo, de prazer. Ajuda a crescer em maturidade, gera confiança, resolve conflitos, abre horizontes. Pode tornar o ambiente de trabalho menos enfadonho e frustrante, mais atraente e humano. Uma boa conversa alivia o stress, quebra a rotina, desanuvia tensões, alimenta a amizade, alarga horizontes culturais.

O espaço familiar deve transformar-se, especialmente no fim do dia, num verdadeiro "porto de abrigo, onde nos podemos descontrair e ser livres". Pode ser a melhor escola da importante arte de conversar. Os períodos de refeição, por exemplo, devem ser momentos de conversa descontraída e amigável entre todos – saber como foi o dia de cada um; satisfazer as curiosidades como se satisfaz o apetite; partilhar pontos de vista como se partilha a comida.

Os mais pessimistas olham de um modo catastrófico para as novas tecnologias, desde os rápidos meios de transporte aos mass-media, como a televisão. Seriam eles os responsáveis pela crise ou morte da conversa. Outros, mais optimistas, contra-argumentam: as modernas tecnologias, como os computadores, até podem proporcionar novas formas e novos temas de conversa.

No romance Memorial do Convento, de José Saramago, há uma bela afirmação segundo a qual a conversa das mulheres e o sonho sustêm o mundo. E como não recordar, neste contexto, o interessante texto de Montaigne, "Da Arte de Conversar", incluído nos seus célebres Ensaios? É lá que encontramos este sábio conselho: "O mais proveitoso e natural exercício de nosso espírito é, a meu ver, a conversação". E logo adiante, estabelece o contraste entre uma cultura livresca e o saudável e proveitoso hábito da conversa: "A frequentação dos livros é uma actividade calma e fraca, que não entusiasma, enquanto a conversação ensina e exercita, ao mesmo tempo". Enfim, dois belos exemplos de apologia da conversa, que o autor inglês naturalmente não cita.

Falar é bom! Converse! Conversar é uma forma superior de inteligência, e uma arte que se pode ensinar e aprender. Talvez o autor pudesse ter aprofundado mais vários temas desta salutar apologia da conversa. Como méritos, destaque-se a leveza do texto, sem cair na receita fácil de um guia da conversação; as sugestivas ilustrações, enriquecidas no final com tópicos para outras tantas conversas.

Cândido Martins, Outubro de 2000

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