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Recensões


Viagens na Minha Era
Onésimo Teotónio Almeida
Lisboa, Temas e Debates, 2001

Viagens na Era de Onésimo

Sincrónico e diacrónico, conversador inveterado (habituado ao "falatório público"), viajante infatigável ("devorador de paisagens"), homem de humor e humores, professor de cultura e culturas, Onésimo é Onésimo: idiossincrático, irónico, voyeur, incatalogável.

Onésimo Teotónio Almeida "escrevive" crónicas do quotidiano. Sou consumidor assíduo e atento dessas "petites histoires". Delicio-me com elas e nelas colho cultura, informação, conhecimento e boa disposição.

Há, na escrita deste autor, uma concepção hedonista que me agrada sobremaneira. E há qualquer coisa de raiz horaciana (aut prodesse aut delectare) e de estética barthesiana ("le plaisir du texte") que sempre apreciei neste escritor micaelense que é do Pico da Pedra e é cidadão do mundo.

Enquanto autor e narrador, Onésimo é útil e deleita e dá-nos prazer (hedone) e gozo. Ele diverte-se e diverte-nos, faz-nos rir e ri-se de si próprio, tendo como armas de arremesso uma sólida formação cultural, a ironia e o humor. Porque há um humor que escreve Onésimo. E uma mundividência que o caracteriza.

Estamos, por conseguinte, na presença de um escritor atento ao real e ao risível das coisas. Movimentando-se nos círculos luso-americanos e fora deles, há em Onésimo a capacidade de vibrar com as suas sensações e as dos outros e de tudo olhar com um espírito ao mesmo tempo crítico, irónico e dialético.

Vem tudo isto a propósito do seu último livro: Viagens na Minha Era (Temas e Debates, 2001) que reúne 68 crónicas (que ele chama de "dia-crónicas") e que foram publicadas na revista Ler, no Jornal de Letras e em outros periódicos entre 1997 e 2000.

Nesta obra, Onésimo fala de muitas e múltiplas experiências e vivências e lança olhares (críticos e minuciosos) sobre o comportamento dos seus conterrâneos, seus pequenos gestos, suas relações pessoais e inter-culturais. Isto é, fala de pessoas, coisas e acontecimentos de lá – a L(USA)lândia, de cá (Portugal, Açores) e dacolá (outras geografias do mundo), revelando uma atenção quase minimalista ao pormenor, ao instante, à situação, à citação, à historieta ou anedota. Tudo coisas que ele viveu, testemunhou, sentiu. Em todo o lado por onde tem viajado. Na sua vida familiar, profissional e social: em casa, nos congressos, nas conferências, nos simpósios, nos aeroportos, nos restaurantes, nas festas, nos encontros e reencontros, no campus universitário da Brown, etc.

Por outro lado, temos, por detrás destas saborosas crónicas, o professor universitário, o ensaísta, o estudioso, o intelectual que reflecte autores, livros, leituras e que questiona conceitos, valores e teorias. Sempre a estabelecer relações e comparações. E sempre com os Açores no coração.

Gostei desta escrita diarística e automática, deste registo espontâneo de imagens (o cronista capta o momento único e irrepetível do flash fotográfico), deste discurso directo, comunicativo e afectivo. E depois há aquilo que em Onésimo é uma constante: o processo criativo de formação das palavras, de neologismos, a partir de estratégias da composição e derivação.

Viagens na Minha Era aí fica a merecer a nossa melhor atenção. Um livro que se lê com prazer e proveito.

Victor Rui Dores, Horta, 24/02/2001

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