Álvaro Manuel Machado e Daniel-Henri Pageaux
Da Literatura Comparada à Teoria da Literatura
2ª ed. rev. e aum., Lisboa, Presença, 2001
de Álvaro Manuel Machado e Daniel-Henri Pageaux
Eis que é entregue ao público a segunda edição de Da Literatura Comparada à Teoria da Literatura, de Álvaro Manuel Machado e Daniel-Henri Pageaux, vinte anos depois da sua primeira, que teve duas tiragens esgotadas. Revista e ampliada por seus autores, essa última integra a coleção Fundamentos, da Editora Presença.
A introdução é evocativa da primeira edição e explicativa dos objetivos e intenções dessa segunda: «apresentar algumas questões específicas, cujo conjunto se chama Literatura Comparada e, a partir destas questões, propor perspectivas gerais que podem designar-se por Teoria da Literatura» p. 10. Os autores afirmam a sua decisão de manter a mesma proposta da edição anterior, de manual, isto é, um texto de discussão das questões básicas da disciplina e destinado, principalmente, ao estudante português. Daí a sua comunicabilidade no trato das questões, em meio a farta exemplificação (não obstante, quase sempre restrita às Literaturas Francesa ou Portuguesa).
Esclarecendo a concepção da Literatura Comparada, os autores relembram os seus preceitos preliminares «como disciplina de investigação universitária» : primeiro, «não se baseia apenas na comparação [..] mais amplamente trata sobretudo de relacionar»; segundo, «não há um método comparativista», exatamente pelo caráter de interdisciplinariedade da disciplina; terceiro, as orientações fundamentais de um programa de estudos: «conhecimento do estrangeiro, estudo teórico da «dimensão estrangeira» de um texto, de uma cultura; questões de poética comparada; enfim, a síntese que faz passar da Literatura Comparada à Literatura Geral ou Teoria da Literatura». p. 11
Com base nos referidos preceitos, o livro é estruturado, em duas partes: «Conhecimento do Estrangeiro» e «Da História Literária à Teoria da Literatura». A primeira parte, apresentada em quatro capítulos, ocupa-se de questões mais ligadas à especificidade da Literatura Comparada, segundo os autores: identidade cultural e orientações estrangeiras, as experiências da viagem, da imagem ao imaginário, da influência à recepção. A segunda parte aborda, em outros quatro capítulos: temas, mitos, elementos de poética, elementos de teoria. O livro apresenta, ainda, uma bibliografia geral, de orientação para leituras de aprofundamento.
Numa primeira vista, fica evidente a diferença estrutural entre as duas edições, pois que a primeira (Edições 70, 1988) compreende apenas quatro capítulos que, agora, foram ampliados e subdivididos, com base numa assumida concepção teórico-metodológica, como procurarei sinalizar a seguir.
O entendimento do que seja o comparativismo é apresentado, em crescendo, em relação à sua atualização conceitual. A idéia do comparativismo diretamente relacionado ao «estudo dos elementos estrangeiros que existem em todas as literaturas» p. 15 é, inicialmente (part. I, cap. 1, p.15), tratado em sentido restrito estrangeiro, de outra nacionalidade , até a concepção alargada que lhe empresta a influência dos Estudos Culturais ( part. II, cap 8).
Assim, a primeira parte é tematizada em torno do conceito de estrangeiro, em relação à Literatura Comparada. No capítulo «Identidade cultural e orientações estrangeiras» são abordados: «diálogos entre o nacional e o estrangeiro», a questão das traduções, enquanto prática em diversas épocas em consideração da «importância dos elementos sociais e culturais da tradução». Fica claro o entendimento do comparativismo enquanto comparação ou relação entre duas ou mais literaturas.
Passo a passo, Machado e Pageaux conduzem o estudante das questões literárias à reflexão dos problemas atinentes à prática comparativista. No segundo capítulo, «As experiências da viagem» interessam aos autores enquanto presença estrangeira no imaginário de um escritor. Nessa direção, ocupam-se das «dimensões históricas e culturais da viagem, e da «escrita da viagem». «Da imagem ao imaginário» (terceiro capítulo) discutem a problemática do imaginário e suas representações, que dão seqüência no capítulo onde enfatizam a importância do «estudo das imagens do estrangeiro num determinado texto» p. 48. Ocupam-se, ainda, dos «estereótipos, imagens e imaginário» e abordam os «elementos duma poética da imagem», além do «imaginário como modelo simbólico». Nessas discussões, os autores esclarecem e enfatizam a afirmação inicial de que a Literatura Comparada não tem um método mas, por sua interdisciplinariedade, pode-se dizer que tem um conjunto de métodos (p. 65). Concluem esse capítulo, sugerindo ao estudante um programa de estudo didaticamente sinalizado em cada etapa a cumprir.
Finalmente, no quarto capítulo da primeira parte, intitulado «Da influência à Recepção», abordam o conceito de recepção, principalmente à luz da concepção de Jauss (1967) e Iser (1970). Ainda, discutindo as terminologias fortuna crítica e recepção, interessa-lhes ressaltar «dois elementos essenciais da recepção crítica de obras estrangeiras: 1 «A recepção crítica de obras estrangeiras só pode compreender-se plenamente a partir do quadro de um estudo consagrado aos sistemas de representação do estrangeiro assimilados, num determinado momento histórico, por uma cultura considerada receptora» p.70 2 O discurso crítico constitui-se «uma visão dentre muitas outras do estrangeiro» p. 71. Com base nessas considerações, enfatizam o princípio da crescente complexidade do estudo, referindo os seus vários níveis. Encerram esse capítulo com um exemplo pontual: «a recepção de Camões em França». Toda essa primeira parte toma, assim, a idéia do estrangeiro como fio condutor de base conceitual do comparativismo.
Se a primeira parte ocupa-se das influências e recepção crítica e a reflexão sobre o texto literário e o seu contexto, a segunda parte do livro, «Da História Literária à Teoria da Literatura» vai se ocupar de aspectos inerentes à própria obra, ou seja, vai realizar interrogações sobre a poética. Capítulos específicos sobre poética são dedicados a temas e mitos, e a seguir sobre poética, numa perspectiva geral.
A discussão de Tema, enquanto elemento intrínseco da obra, ocupa o quinto capítulo do livro (primeiro da segunda parte) entre «conceito controverso» e «variações temáticas». No sexto capítulo, a discussão sobre Mitos abrange «do mito antropológico ao mito literário» e «percursos míticos», parte exemplificativa com o objetivo de «ver como se pode proceder a um estudo literário do mito» p. 106. Em seqüência, «Elementos de Poética», o sétimo capítulo, que se estende em discussão teórica ao oitavo e último. Muito embora Machado e Pageaux tenham ao longo do livro revisto e ampliado idéias e exemplos, é mais marcadamente nesses dois capítulos finais onde a re-visão se faz mais evidente, inclusive em alargamento do conceito de comparativismo.
Ainda, no sétimo, procedem à discussão da morfologia literária, da literatura como sistema, da poética e sua relação com as ciências humanas, já aí ampliando a idéia de estrangeiro tomada na primeira parte, quando retomam a Literatura Comparada agora concebida «como sendo o estudo da presença do estrangeiro num texto, numa literatura, numa cultura» p. 125; mas não só: ampliando o conceito de espaço (geográfico, social, cultural), alargam campos. Na perspectiva da nova história, propõem repensar tempo e espaço, assim como entendem a imprescindibilidade de se considerar a antropologia, a lingüística e a semiologia nas novas abordagens. Afirmam que a Literatura Comparada «pode e deve assegurar este indispensável alargamento do campo de investigação» p.126. Nesse entendimento, admitem «elementos comparativistas no interior de uma mesma literatura, duma mesma nação, partindo-se do princípio de que o processus literário revela, a nível lingüístico, social, cultural, escolhas e clivagens, dimensões características da alteridade» p. 130. Nessa ampliação de horizontes, processam a ampliação, também, do plano de estudos que, ao longo do livro, vêm sugerindo ao leitor: acrescenta-o, agora, de novas questões, perspectivas e elementos como a problemática do Outro, a questão da identidade cultural.
Nesse ampliar do direcionamento, conduzem o último capítulo Elementos de Teoria discutindo em «história, crítica e teoria» a questão do cânone e o problema da periodologia geracional; ainda «da crítica à teoria», para, finalmente, proporem a elaboração de um quadro teórico e discutirem «ideologia, estética e imaginário». Finalizam o livro com a reconceitualização da Literatura Comparada, enquanto «uma disciplina tridimensional»: a «nível histórico, nível estético, nível teórico» p.155; além disso, a afirmação de que ela «vive do exercício alternativo de três práticas: o estudo da dimensão estrangeira, a comparação entre textos e a elaboração de modelos mais ou menos teóricos», buscando conciliar encontro e diferença, segundo Machado e Pageaux, «duas palavras-chave da Literatura Comparada» p.157.
Esta nova edição do livro Da Literatura Comparada à Teoria da Literatura, sem dúvida, na sua proposta de texto base (estudo-manual), constitui-se imprescindível consulta para estudantes e interessados nos estudos comparativistas: pelas informações que traz, pelas reflexões que faz, pelas propostas e planos de estudo que apresenta, como também pela bibliografia básica que sugere.
Maria de Lourdes Netto Simões, Lisboa, Março de 2001