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Línguas de Fogo
João de Mancelos
Poesia Minerva
Coimbra, 2001

Línguas de Fogo
de João de Mancelos

Línguas de Fogo é uma poesia epigonal, no seu sentido mais rigoroso e mais nobre, em que os maiores se destacam. Entenda-se, portanto, epigonismo, como a foz de um rio de muitas nascentes, o resultado da assimilação de uma cultura milenar que de um rosto vai modelando outros rostos, numa criatividade sem fim.

Caminhando no sentido oposto ao plágio, João de Mancelos persegue a sua marca, o seu rosto poético, que quer definido no barro dessa cultura milenar, procurando a sua identidade, a cintilação de um genoma muito antigo. E assim consegue, numa poesia de presenças, a sua presença, a sua pessoalidade, espaço de criação, já acentuada, deixando-nos o sabor do diferente.

Do simbolismo, no seu conceito filosófico mais decantado, terá herdado o travejamento verbal da sua poesia. A palavra liberta-se da sua semântica estrutural normativa, para se colorir em novos sentidos, pela contaminação associativa temporal e espacial, física e anímica, dizível e indizível, penetrando nas " correspondências " pressentidas do universo. Estes, os caminhos para as leituras, do todo na parte, que se desmonta em planos vários, onde assomam, de uma maneira especial, os temas mais gratos ao existencialismo filosófico, o percurso humano pessoalizado, a angústia e a ânsia, o amor e a morte, o homem enclausurado no seu eu, a solidão, a nostalgia das emoções suspensas, o poema como lugar de partida e chegada, mas de vivência ainda.

O amor, motor da poesia, a sua eterna filiação, sempre justificado, quando passado por novas focagens, ainda que de ténues nuances, que pessoalizam, é o tema fulcral de Línguas de Fogo, à superfície ou submerso de/em outros sentimentos. O amor é o lugar dos conflitos existenciais, do prazer e da dor, da procura de si mesmo, da procura de um diálogo, entre o mundo interior do poeta e o mundo em que está embutido, inatingível, ou quase. Mas também sensível a um humanismo de solidariedade universal. O corpo é o seu suporte, diluído num erotismo sublimado, exigido por uma sensibilidade, que reporta à tangível inocência da adolescência. João de Mancelos, mesmo falando dos outros, de si fala. Como poderia deixar de o fazer, quem se posiciona numa linha existencialista, ainda que moderada? E por esta assimilação dos outros, nos revela o corpus cultural de algumas bicas da grande fonte.

Esta, uma leitura que se deseja aberta a outras leituras, o que abona a favor de uma riqueza poética.

Joaquim Matos, Pedrouços, 16 de Novembro de 2001

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