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Recensões

Bruxas, Feiticeiras e suas Maroteiras de Alexandre Parafita (Texto Editora, 2003)

Por cortesia da Texto Editora, acaba de me chegar às mãos mais um livro de um dos mais profícuos autores de Literatura Infantil portugueses: Alexandre Parafita. O livro chama-se “Bruxas, feiticeiras e suas maroteiras”, está integrado na colecção “Contos e Lendas de Tradição Oral” e é enriquecido com belas e sugestivas ilustrações de Fátima Buco.

Recorde-se que este autor, há menos de três meses, havia publicado, também na Texto Editora, o livro “Diabos, diabritos e outros mafarricos”, e escassos meses antes, na editora Âmbar, o livro “A mala vazia”. Sempre lançado por grandes editoras (a estas duas, juntam-se também a Asa, a Porto Editora, a Plátano, a Impala, a Civilização, entre outras), os seus livros chegam facilmente a muitos milhares de leitores de todo o país. E as reedições sucessivas que têm são a melhor prova do agrado generalizado do público (o público que lê, obviamente).

Mas porquê este interesse crescente pelas obras de Alexandre Parafita? A meu ver, a resposta assenta em três razões fundamentais:

1 – A opção, em grande parte dos seus livros, pelas histórias revitalizadoras da tradição oral. Há nelas, geralmente, uma componente mítica, fabulosa, misteriosa, que fascina, em especial, as crianças. E Alexandre Parafita move-se como ninguém neste terreno, dada a sua condição de pesquisador e estudioso da literatura oral tradicional (faz parte, como investigador, do prestigiadíssimo Centro de Tradições Populares Portuguesas da Universidade de Lisboa).

2 – A estrutura e o estilo narrativos. A estrutura assenta num jogo coerente de combinação de estados e incidentes em que o trágico é, como diria Jolles, simultaneamente “proposto e abolido”, de forma a permitir que sobressaia o sentimento de acontecimento justo, tal como a criança o interpreta. E quanto ao estilo, é de realçar o jogo hábil e estimulante dos diálogos, a ludicidade das formas rimadas e o uso de toda uma estética literária muito enriquecedora no universo criativo da criança.

3 – A ética e a estética das mensagens. Alexandre Parafita é criterioso na selecção e na abordagem das mensagens que transmite aos destinatários da literatura infantil. E se, de um modo geral, vai de encontro, através delas, às grandes preocupações das sociedades modernas civilizadas (com as suas problemáticas ambientais e ecológicas, os valores da justiça e os direitos humanos, a dualidade do bem e do mal...), consegue também, de um modo muito especial, introduzir no universo perceptível da criança algumas marcas da idiossincrasia identitária de um povo, fazendo conviver coerentemente os saberes e os valores consagrados na tradição com a necessidade de uma re-significação perante os novos desafios da modernidade.

No livro “Bruxas, feiticeiras e suas maroteiras”, a consagração destes três princípios é ainda enriquecida com a graça e o humor inteligente das histórias narradas. E ao mesmo tempo o leitor fica a conhecer alguns dos “segredos” desses seres fantásticos que habitam o imaginário popular e, especialmente, o imaginário infantil: Que “a bruxa nasce, a feiticeira faz-se” e que “cá e lá, más fadas há”. Mas também que umas e/ou outras despejam o vinho das pipas aos lavradores, dançam nas clareiras nas noites de Sexta para Sábado, untam-se com “ungentos” misteriosos, voam em vassouras, transformam-se em galinhas, porcos e gatos, e fazem feitiços aos animais para que definhem. E pode ainda o pequeno/grande leitor, através destas narrativas, interpretar melhor alguns dos símbolos que as acompanham (a vassoura como objecto mágico das bruxas, a varinha de condão das fadas e a peneira das feiticeiras...).

São, afinal, histórias da tradição oral, que o autor recolheu, compilou e estuda no âmbito de um trabalho científico muito reconhecido, mas que agora reconta e recria em linguagem e estilo primorosamente ajustados ao gosto infantil. E também não é por acaso que o livro é dedicado a uma nova geração de contadores de histórias (Ana Santos, Ângelo Torres, António Fontinha, Cristina Taquelim, Fátima Vale, Horácio Santos-“Lalaxo”, Joaninha d’Almeida, Jorge Serafim, Luzia do Rosário, Patrícia Pereira e Pedro Daniel Pereira), a quem o autor apela para que façam regressar os contos “ao mundo mágico em que nasceram: a oralidade”. Porque o texto escrito, quer queiramos ou não, é apenas um registo recorrente nesta ânsia que temos de comunicar.

Armindo Mesquita em O Mensageiro de Bragança, 17/10/2003

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