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Recensões

José Cândido de Oliveira Martins, Fidelino de Figueiredo e a Crítica da Teoria Literária Positivista, Lisboa, Edições Instituto Piaget, 2007  (col. Teoria das Artes e Literatura; 684 págs.).

Fidelino de Figueiredo (1889-1967), durante mais de meio século, desde a conclusão, em 1910, do seu Curso de Licenciatura em Ciências Histórico-Geográficas, até aos últimos anos da sua vida, ensombrados por dolorosa doença, foi um intelectual, um historiador, um teorizador e um crítico literário, um pensador e um professor universitário que, em Portugal, na Espanha, nos Estados Unidos da América e no Brasil, desenvolveu uma intensa, fecunda e modernizadora actividade em múltiplos domínios das ciências humanas, desvelando inéditos horizontes e abrindo novos caminhos na estética, na filosofia da literatura, na teoria da crítica e da história literárias, na história da literatura portuguesa, na camonologia e na literatura comparada.

Episodicamente seduzido pela política, durante o consulado de Sidónio Pais, e depois envolvido, em 1927, no chamado golpe dos Fifis, movimento de oposição ao governo saído da revolução de 28 de Maio de 1926 – envolvimento que originou a sua deportação para Angola e um subsequente e breve exílio em Espanha, donde regressou após a sua amnistia –, Fidelino de Figueiredo foi um intelectual que nunca dissociou a literatura da comunidade histórica, social e cultural em que se enraíza e em que se desenvolve, que assumiu sempre a sua responsabilidade ética e cívica, mas que soube também sempre, sem dogmatismos de qualquer espécie, analisar, interpretar e valorar a obra de arte literária na esfera da sua autonomia própria. O seu profundo sentimento nacional não o impediu de ser um espírito cosmopolita, atento e receptivo às novidades epistemológicas, teóricas e metodológicas no campo da estética e da investigação literária em geral, um universitário que ensinou na Universidade Central de Madrid, na Universidade da Califórnia (Berkley), na Universidade Nacional do México, na Universidade do Brasil e, sobretudo, na Universidade de São Paulo, onde formou uma admirável plêiade de discípulos e admiradores (Soares Amora, Cleonice Berardinelli, Segismundo Spina, Massaud Moisés).

Distanciando-se do Positivismo dogmático de Teófilo Braga e do filologismo erudito de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, leitor e admirador desde cedo de Benedetto Croce, de quem traduziu e prefaciou em 1914 o Breviário de Estética, conhecedor dos novos rumos das ciências do espírito traçados por pensadores como Rickert e Windelband, Fidelino de Figueiredo rompeu com o modelo da razão positivista, assentes no determinismo mecanicista dos factores biológicos, sociais e históricos, na acumulação elefantíaca de factos e numa estéril erudição. Nem sempre, no seu labor de historiador, de crítico e de teorizador literário, Fidelino de Figueiredo terá logrado alcançar os seus objectivos, mas é indubitável que, nas quatro primeiras décadas do século XX, ninguém como ele, no domínio dos estudos literários em Portugal, foi um espírito tão moderno e tão inovador.

A tese de doutoramento que José Cândido de Oliveira Martins elaborou e apresentou à Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa é um estudo inteligente, sólido e rigoroso do pensamento e da obra de Fidelino de Figueiredo. Fundado no conhecimento exaustivo da bibliografia activa de Fidelino de Figueiredo, beneficiando das informações colhidas sobre o pensamento e a actividade docente e investigadora do Mestre durante uma estadia como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em particular no seu Centro de Estudos Portugueses, tendo trabalhado assiduamente na “Biblioteca Fidelino de Figueiredo” doada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, José Cândido Oliveira Martins contextualiza com segurança e pertinência a obra inovadora do autor de Pirene, utilizando uma bibliografia passiva muito rica e actualizada. Um dos grandes méritos desta tese consiste na análise, a partir dos textos de Fidelino, de questões fulcrais da teoria da literatura da primeira metade do século XX e de algumas problemáticas nucleares, sob o ponto de vista histórico-literário, periodológico, comparativista e antropológico, da literatura portuguesa.

Nas últimas décadas, caiu sobre a obra de Fidelino de Figueiredo, sobre a sua obra e o seu labor pioneiro, um injusto esquecimento. O presente estudo de José Cândido Oliveira Martins, graças à informação tão rica e graças às suas análises tão bem fundamentadas e argutas, contribuirá decerto para a redescoberta pelos leitores portugueses e brasileiros de um intelectual cimeiro da cultura portuguesa do século XX.

Vítor Aguiar e Silva

Prof. Catedrático da Universidade do Minho

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