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AVENTURAS DE UM NABOGADOR
de Onésimo Teotónio Almeida

Talvez porque a vida o obrigou a uma andarilhagem contínua, Onésimo Teotónio Almeida tem aproveitado as suas horas de viajante insaciável a escrever e a ler. Esses momentos, que parecem não ser úteis a ninguém, a não ser para dormitar e dar dois dedos de conversa com o companheiro sentado ao lado, ele não os desperdiça: pode dormitar de vez em quando, mas, sobretudo, lê e escreve. Do que lê dá a sua opinião e do que ouve e observa vai pensando-escrevendo.

São esses textos de saborosa andarilhagem que têm enformado os seus últimos livros, como: Que nome é esse, ó Nézimo? – e outros advérbios de dúvida; Viagens na minha era; Onze prosemas ( e um final merencório) e Livro-me do desassossego. Surge agora, através da Bertrand Editora, Aventuras de um Nabogador & outras estórias-em-sanduíche. Este novo título dá continuidade a uma espécie de aventura literária, já que, em termos formais, a maior dificuldade do leitor é abordar o barco deste «nabogador» e dizer, técnica e/ou cientificamente, que o livro é de contos, é de narrativas, é de crónicas, é de literatura de viagem. O autor diz que isso fica «ao gosto do freguês». Porém, com mais ou menos gosto, nada será mais difícil do que procurar reconhecer, nestes textos, a fronteira entre cada um dos géneros referidos. Na verdade, que isso fique ao «gosto» do leitor.

Assim, liberto de qualquer compromisso técnico-crítico, é momento de opinar sobre a variedade e riqueza de conteúdo temático deste livro, onde passam, pedagogicamente,

avalanches seguidas de saberes e de informação, passadas de forma displicente, mas sempre fundamentadas, datadas e de autoria revelada. E se são muitas as referências a intelectuais de todas as áreas do saber e às suas obras, não são menos as que contemplam gente anónima que se mostra pelos destinos do quotidiano e também pela diversidade de lugares (Tailândia, Caraíbas, Colômbia, Açores, Nova Inglaterra e tantos outros lugares europeus), a par de situações com tanto de inesperado como de previsível, com tanto de comum como de insólito, com tanto de normal como de surreal, numa abrangência de quase meio século.

Onésimo T. Almeida é um jogador de blagues semânticas, gostando de decompor, cirurgicamente, as palavras para lhes proporcionar, de seguida, outros e inusitados significados. Os títulos dos seus livros exemplificam isto mesmo e o seu discurso não foge a esses propósitos. Daí resulta uma escrita solta, bem humorada, desmonotizada, com o vernáculo necessário à desnecessidade das desculpas do autor pela mistura do inglês. Aliás, essas desculpas (também posso anedotar de permeio) fazem lembrar que duas línguas (uma estufada e outra recheada) enriquecem a ementa de qualquer dieta.

Aventuras de um nabogador & outras estorias-em-sanduíche não é um livro onde o humor se sobrepõe ao saber, mas é o livro onde Onésimo T. Almeida utiliza uma linguagem mais liberta de esconderijos morais. As próprias estórias necessitam desse tipo de linguagem para chegarem ao leitor. Mas, talvez seja por isso que o autor se sinta obrigado a declarar (desingenuamente, claro!): «Moral destas estórias: visto daqui, nenhuma.»

Este livro será tudo isto, mais o que a sua leitura provoca: alegria, boa disposição – enfim, prazer.

Álamo Oliveira

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