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António Manuel Venda: Crónicas da Floresta Virgem


A Alegre Quinta do Bill

Segundo um estudo recente, uma parte significativa dos norte-americanos acredita piamente que o seu país, ou melhor, o mundo (passe a sua imodéstia), é governado por extraterrestres. E que os cargos de destaque são ocupados por seres que se limitam a actuar segundo directivas, presume-se, vindas de cima. Mesmo assim ninguém parece preocupar-se muito. Os que não acreditam nisso estão descansados, pelo simples facto de não acreditarem. Quanto aos que acreditam, estão descansados porque nem imaginam como será possível combater tão fantástico domínio, daí que o melhor seja esquecerem. A aldeia cada vez mais global vai por isso vivendo o dia-a-dia ao sabor do vento e do correr das nuvens.

Bill Clinton, o presidente norte-americano, é obviamente um dos que tem um cargo de grande destaque. Mas, não contente com isso, parece que ainda se esforça por alcançar mais. De forma que não tem uma vida descansada. Por exemplo, ao mesmo tempo que ameaça Saddam Hussein pela enésima vez com o bombardeamento de Bagdad, é atacado internamente por muita gente. Os norte-americanos, que já tinham a mania de que eram os polícias do mundo, parecem agora querer ser também os polícias do próprio Bill Clinton. Ou melhor, os polícias do comportamento de Bill Clinton em privado (entenda-se, como é óbvio, no recato dos gabinetes da Casa Branca). O povo reprova o presidente, e os seus inúmeros inimigos aproveitam a onda. Pouca gente parece ter compaixão de um homem que, segundo se diz, para se meter com uma mulher como Paula Jones dá ideia de que ou é tarado ou anda mesmo necessitado. E fala-se ainda de outros nomes, com uma legião de advogados de Paula Jones, e não só, desesperadamente à procura das cem mulheres que se diz terem dormido com Bill Clinton (e não deve ser para perguntar se dormiram bem). Só que parece difícil encontrá-las. Considerando um inquérito também recente - mais um, porque tudo se passa no país dos inquéritos, dos modelos de curriculuns vitaes, das cartas de apresentação, dos manuais de sobrevivência, de gestão e até, imagine-se, de rápida ascensão, talvez mesmo até ao Céu, se é que o Céu fica do lado de cima –, uma percentagem esmagadora das mulheres norte-americanas recusa terminantemente a hipótese de dormir com Clinton. Ou a população feminina mudou de opinião, ou mente, ou mentem os boatos, ou então Monica Lewinsky, Dolly Kyle Browning (não confundir com a clonada ovelha Dolly) e Kathleen Willey, algumas das citadas até agora, não foram incluídas no inquérito.

Quem não deve ter sido interrogada, por não ser americana, é Ciciolina. Certamente ela teria aceite, ser interrogada e também, é claro, dormir com Bill Clinton. Aliás, no início da década, só para tentar acabar com a Guerra do Golfo, Ciciolina ofereceu-se para dormir com Saddam Hussein (Saddam não disse que sim nem que não). Por isso é lógico que aceitasse dormir com Clinton para resolver este complicado caso, ainda mais numa altura em que Clinton parece estar com o Golfo Pérsico debaixo de olho. Ou então dormir com Paula Jones – Ciciolina, não o presidente, que já está bem escaldado -, ou com os advogados desta (por sinal, a liderar o grupo está uma advogada), ou com as cem mulheres de Clinton, se é que existem mais do que as quatro ou cinco citadas, independentemente de terem sido também os extraterrestres a criá-las. Ou mesmo com o procurador-independente, que é outro dos que procura as cem mulheres. Esse senhor, além de inimigo pessoal de Bill Clinton – motivo pelo qual deve procurar as cem mulheres por razões processuais, dado que não há-de querer consentir misturas – esse senhor, dizia, chama-se Kenneth Starr (Star, mas com dois érres) e não se coíbe de usar os mais variados meios para obter provas contra o presidente. Provas de que este mente ao negar as aventuras extra-matrimoniais e o facto de ter levado Monica Lewinsky a cometer perjúrio. O procurador-independente já gastou cinco milhões de contos no caso, ele e a sua interminável equipa (aqui o líder é um homem, decerto para equilibrar as coisas), e vale-se do seu estatuto para recorrer a todas as artimanhas possíveis e imaginárias, de forma a conseguir a almejada destituição – escutas telefónicas, peças de roupa de Clinton e de Monica, juntas médicas, microfones em soutiens, enfim, tudo o que lhe possa trazer argumentos de acusação.

Há quem seja de opinião de que Bill Clinton está a ter estes problemas todos porque não o podem apanhar de outra maneira. Porque é um presidente que tem dado que fazer e que pensar à oposição e aos mais altos quadros de muitas multinacionais e coisas do género. Apanham-no assim com as calças na mão, talvez na expectativa de um impedimento presidencial levar Al Gore, o vice-presidente, ao topo da hierarquia da Casa Branca. Com Al Gore tudo seria mais fácil, deve pensar muita gente. Se calhar até Kenneth Starr, que não é um falhado crónico, pois já conseguiu apanhar alguns amigos e sócios de Clinton no caso Whitewater. Só não chegou ao presidente. Para a parte dos norte-americanos que acreditam que os extraterrestres estão por aí («eles andem aí», «they’re watching over, pal»), Bill Clinton e Kenneth Starr só podem ser mesmo uns bonecos telecomandados, uns paus mandados, ou mesmo uns paus telecomandados, como diriam Monica Lewinsky, Paula Jones, as outras todas e talvez até Ciciolina. Pelo menos de Clinton diriam. Mas Clinton, se é um boneco, é um boneco com estômago, porque é preciso ter estômago para resistir a tudo isto, mesmo com a ajuda da compreensiva Hillary, boneca ou não. Comparado com o que Clinton passa, muitos artistas de cá não passaram por nada, e se calhar até se lamentam por esse facto. Isso se não conhecerem bem as fuças de Paula Jones, por exemplo. E é assim, contam-se anedotas, os jornais e as revistas dão voltas e reviravoltas sobre o assunto, bem como os telejornais, os talk shows, os filmes e os documentários do National Geographic. Monica Lewinsky é quase mais conhecida em todo o mundo do que o papa. E também do que Fidel de Castro e Ciciolina. Bill Clinton já o era, assim como Saddam. Paula Jones parece que aumentou a conta bancária. E na Internet há não sei quantas centenas de sites sobre o assunto. Os extraterrestres devem ter mesmo muito sentido de humor, para se fazerem representar assim por cá.

António Manuel Venda, 06 de Fevereiro de 1998.

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