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António Manuel Venda: Crónicas da Floresta Virgem


Kohl and the Gang

Na sua última edição, o semanário «Expresso» trazia uma pequena notícia sobre dois líderes de grandes potências europeias, Helmut Kohl e Tony Blair. Segundo a notícia, o chanceler alemão, além de ser senhor de um enorme apetite e consequentemente de uma largura considerável, a ponto de o seu peso constituir um segredo de estado, além disso, também é danado para a brincadeira. Não em sentido figurado, porque não parece já muito dado a grandes aventuras, mas sim na verdadeira acepção da palavra. Kohl gosta muito de brincar. Vai daí, aquando da sua participação na cimeira entre a União Europeia e alguns países asiáticos, como amante da boa comida e da boa bebida, lançou um desafio público a Blair, o primeiro-ministro britânico. Dado que ia completar sessenta e oito anos precisamente num dos dias da referida cimeira, apostou que o seu homólogo das ilhas não haveria de ser capaz de encontrar uma garrafa do seu vinho do Porto preferido, nada mais nada menos do que «Quinta do Noval» de mil novecentos e trinta, o ano do seu nascimento. Se Blair desse com tal maravilha, abri-la-iam durante o jantar de gala da cimeira.

Estranhamente, o engenheiro António Guterres não foi tido nem achado para o caso. Nem Kohl lhe propôs apostas, nem Blair lhe pediu ajuda para encontrar o vinho português. Quem saiu para o terreno foram os funcionários do governo de Londres, com a espinhosa missão de voltarem com aquela que deveria ser, sem sombra de dúvida, uma raridade. A notícia não diz quantos efectivos a operação envolveu, mas devem ter sido muitos, a averiguar pelo facto de o assunto ter ultrapassado fronteiras. Mesmo assim, os diligentes funcionários não conseguiram encontrar um só exemplar do famoso vinho. Tanto que, vendo a aposta irremediavelmente perdida, começaram a entrar em pânico.

Finalmente, descobriu-se a razão do insucesso. Segundo anunciou um porta-voz do governo de Blair, tudo não passara afinal de uma brincadeira do anafado Kohl, simplesmente porque era mesmo impossível encontrar uma garrafa do famoso «Quinta do Noval» de mil novecentos e trinta. E o motivo era mais do que compreensível, não tinha havido colheita nesse ano. Kohl demonstrava assim a sua esperteza, tal como o seu corpo também sobredimensionada, esperteza essa que Hitler não desdenharia ter tido para não deixar o mundo só como deixou. Quem não desistiu foi Blair. De novo sem pedir ajuda ao dispensável engenheiro António Guterres, lá conseguiu descobrir – ele, quer dizer, os funcionários dele -, lá conseguiu descobrir, dizia, que em mil novecentos e trinta e um, o ano a seguir ao do nascimento do gigante Kohl, tinha havido colheita na tal quinta. E, melhor ainda, em toda a Grã-Bretanha foram contabilizadas pelos solícitos funcionários nada mais nada menos do que vinte e quatro garrafas. Ora, sem grandes demoras, foi desbloqueada a verba para que fosse comprada uma delas, para abrir no jantar de gala e calar um pouco a soberba de Kohl. E assim se salvou a honra britânica, senão completamente, pelo menos em parte. Blair e os seus pares fizeram tudo o que era humanamente possível.

Para isto são eleitos os grandes líderes. Para estas emergências existem os dedicados funcionários públicos.

António Manuel Venda, 17 de Abril de 1998.

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