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Crónicas


António Manuel Venda: Crónicas da Floresta Virgem


A Banda do Casaco

Quando já quase ninguém falava da PIDE, apareceu em Portugal um fantasma a trazer de volta as recordações de velhos tempos. Apareceu às escondidas, como os fantasmas sempre aparecem, quando menos se espera. Só que apareceu de dia, ao contrário do que apregoam os entendidos no assunto, talvez porque aos fantasmas daquela agremiação tenha o Diabo determinado o fado de aparecerem de dia. O fantasma do pide Rosa Casaco, quem sabe a mandado do Diabo, apareceu em Portugal para uma sessão de fotografias, depois de ter aparecido em Espanha para dar uma longa entrevista ao semanário «Expresso». Para cumprirem a promessa de total segurança no aparecimento, feita ao fantasma logo nos primeiros contactos no Brasil, nem o entrevistador nem tão-pouco o fotógrafo lhe deitaram as unhas de forma a entregá-lo à polícia portuguesa. Decerto nunca pensariam nisso, para não se igualarem ao pide que ao fantasma deu origem. Porque a verdade é que Rosa casaco, nos seus bons velhos tempos (bons, vírgula), não teria hesitado em faltar à palavra para apanhar alguém, como fez, por exemplo, com o general Humberto Delgado.

A visita do fantasma, no entanto, ao contrário do que se possa pensar, não foi um escândalo. Foi de uma enorme utilidade, e por diversas razões. Em primeiro lugar porque ajudou a desmistificar a ideia de que os fantasmas são maus, já que aquele fantasma, proveniente de um carniceiro da pior espécie, tinha mais ar de Hemingway já dos últimos tempos do que de outra coisa qualquer. Em segundo lugar, serviu para transmitir conhecimentos extremamente interessantes sobre um dos buracos negros do nosso universo histórico, sobre algo a que o sistema de ensino português só ao de leve se refere (convém lembrar que a última grande reforma desse mesmo sistema de ensino foi obra, imagine-se, de alguém que também já voltou como fantasma). Depois, deu para descansar os cinéfilos de todo o mundo, porque ficou provado que nenhum contingente da nossa polícia será contratado para integrar a equipa do Ghostbusters. Finalmente, e a Teresa Guilherme podia perfeitamente fazer um programa sobre isso, mostrou que em Portugal há jornalistas que têm bons contactos com o além - ou, melhor dizendo, e se calhar estragando os planos à Teresa Guilherme, apenas com o além-mar.

Rosa Casaco, o fantasma bom, conseguiu ser um sucesso. Conseguiu mais tempo nos órgãos de comunicação social do que qualquer outro fantasma, ou do que qualquer monstro de Loch Ness. Resta agora saber o que acontecerá se houver visitas de mais fantasmas. O que acontecerá quando um dia (terá de ser de dia, é claro), quando um dia aparecer o fantasma de Silva Pais, ou o de Barbieri Cardoso, ou mesmo o de Salazar, ou o de Caetano? Terão o mesmo destaque? Ou terão mais, devido à sua importância maior na altura em que andaram cá por este mundo? E se não forem bons, como o fantasma de Rosa Casaco? Que faremos se eles não tiverem passado pelo mesmo processo de reconversão por que Rosa Casaco parece ter passado? Confiaremos na nossa polícia, que já vimos que não pode aspirar a ser escolhida para o Ghostbusters? Ou recorreremos ao ministro da defesa, que para mal dos nossos pecados é mais outro do grupo que também está de regresso? Enfim, há sempre a hipótese de telefonar para Hollywood e pedir ajuda ao Dan Akroyd e à Sigourney Weaver.

António Manuel Venda, 06 de Março de 1998.

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