Projecto Vercial

Brás Garcia Mascarenhas


Pseudo-retrato de Brás Garcia Mascarenhas

Brás Garcia Mascarenhas nasceu na Vila de Avô, Oliveira do Hospital, junto à Serra da Estrela, a 3 de fevereiro de 1596, e faleceu a 8 de agosto de 1656 no mesmo local. Foi estudar para Coimbra, mas teve de fugir para Madrid perseguido pela justiça por ter cometido um crime. Viajou por vários países da Europa e fixou-se algum tempo no Brasil, regressando a Portugal na altura em que D. João IV é aclamado rei. Participou ativamente nas lutas pela independência contra o domínio filipino e, sendo acusado de alta traição, foi preso. Absolvido pelo rei devido à falsidade das acusações, termina os seus dias escrevendo a epopeia em vinte cantos e oitava rima Viriato Trágico (1699). Além desta obra, escreveu ainda Ausências Brasílicas e Labirinto do Sentimento na morte do Sereníssimo Príncipe D. Duarte, atualmente desaparecidas.





VIRIATO TRÁGICO (extractos)


OCASIÃO

CANTO PRIMEIRO

ARGUMENTO

Toca-se a causa da Romana guerra,
Que o brio Lusitânico oprimia,
Pinta-se o Templo da Ocasião, que encerra
De Luso a mais antiga Baronia:
Descreve-se Viriato, a vida, e serra,
Donde Pastor com súbita ou sadia
Os Romanos investe, os seus socorre,
Vencedor se retira, e Lísio morre.

1

Canto um Pastor, Amores, e Armas canto,
Canto o Raio do monte, e da campanha,
Terror da Itália, e do mundo espanto,
Glória de Portugal, honra de Espanha:
Triunfante da Águia, que triunfando tanto,
Tanto a seus raios tímida se acanha,
Que à traição, só dormindo, o viu rendido,
Porque desperto nunca foi vencido.


MILÍCIA ANTIGA

CANTO SEGUNDO

ARGUMENTO

Viriato trágico Pinta-se a militar Antiguidade,
Ganha o Luso a bagagem do Romano,
Dá a Servílio, e Sílvia liberdade,
Briséu recolhe, e socorre Albano;
Desce da Serra, como tempestade,
Vence o Questor, restaura o Egitano,
À Serra se retira brevemente,
Triunfa nela, e exercita a Gente.

3

Há dezanove séculos inteiros,
Que as Armas de Viriato floresceram;
E ainda agora em bons livros, e letreiros,
Se reprova, o que mal dele escreveram.
Tempo virá, que frustre lisonjeiros,
E lisonjeados, que favor lhe deram,
Cada qual com valor faça o que deve,
Porque de quem mal obra, mal se escreve.




ANTIGUIDADE

CANTO TERCEIRO

ARGUMENTO

Os Feines de Cádis duas vezes
Vencidos pelos fortes Lusitanos
A Espanha sem os Cartagineses,
E os Cartagineses aos Romanos.
Ajudado Aníbal dos Portugueses
Em várias partes vence os Italianos.
A ruína vingam do Império Peno
Baucio, Apimano, Cesaron, Canceno.



SURPRESA

CANTO QUARTO

ARGUMENTO

Descreve-se a Milícia Portuguesa,
E amor, que à pátria têm quem se desterra.
Entre a Gente do campo, e da aspereza
Há dissenções, sobre o deixar da serra.
Ganha-se a Bobadela por surpresa,
Dela se move contra Aufrágia a Guerra;
Depois de vários transes se restaura,
Libertando Crisalva, e Felisaura.

24

Antigamente sobre grão batalha
Grande Reino mui presto se perdia;
E agora em torno de qualquer muralha
Meses e anos aloja a Infantaria.
Muito trabalho dá, pouco trabalha
Em batalha campal a Artilharia,
Que logo se o contrário avança a ela,
E seu Dono se opõem a defendê-la.



EMULAÇÃO

CANTO QUINTO

ARGUMENTO

A louca Emulação se vitupera,
Louva-se a Tradição, e brevemente
Se mostra o que entre Douro, e Tejo era
Da nossa Lusitânia antigamente.
Com os Romanos há batalha fera,
Vence depois de rota, a nossa Gente;
Morrem Filo, Servílio, e Rosamido,
E se descreve o Templo de Cupido.

5

Competiam na Corte de Castela
Merecimento; e dinheiro certo,
E de ordinário se antepunha nela
Todo o rico risonho ao pobre esperto.
Tanto dar tanto pode empobrecê-la,
Que da Corte caminha a ser deserto,
Que donde falta o prémio a quem milita
Nem habita a razão nem gente habita.



TRAIÇÃO

CANTO SEXTO

ARGUMENTO

Esmalta-se a Coroa Lusitana
De Varões, que em seus Cismas a Ilustraram;
Pinta-se o Inverno, e cultura Hispana
Mostra-se a paz, que antigamente usaram:
Morre à traição a Gente Turdetana
Com Apimano e Baucio, a que enterraram
Viriato, Balaro e Vandermilo,
E Grisaldo, salvando a Órmia Eurilo.

10

Em todas as nações houve desgraças
De traidores, de inveja, e de interesse,
Que Reia mataram, que venderam Praças;
Não houve Português, que tal fizesse.
Em vão pobre Castela, estudas traças
De enganar, e atrair quem te conhece:
Elas te deram o que tens perdido
Porque achaste a Viúva sem Marido.




VINGANÇA

CANTO SÉTIMO

ARGUMENTO

A Céltica, a Vingança, o Templo antigo
De Marte se descrevem brevemente.
A Carpetânia dá cruel castigo,
Enquanto Galba foge à Lusa gente:
É posta por Vitélio em grã perigo,
Viriato a livra, fica-lhe obediente;
Vitélio a segue, e morre em grã cilada
Donde toda sua Gente é degolada.

7

Provada está contra a Romana Gente
A traição, de que usou com dobre trato;
Justiça há-de pedir sangue inocente,
Vejamos, que vingança faz Viriato:
Porque passando pressurosamente
A convocar o bélico aparato,
Por toda Lusitânia discorria
Publicando a traidora aleivosia.


FORTUNA

CANTO OITAVO

ARGUMENTO

Define-se a Fortuna, e se retrata
O corpo, gesto, e partes de Viriato,
Que o Questor em campanha desbarata,
E da Fama se pinta outro retrato.
Serralvo a muitos dos Romanos mata,
Catão de Galba acusa o dobre trato;
Vandermilo, e Balaro, a seus amores
Tornam, sentindo novos desfavores.

18

Mas não viu nem verá Pastor, que esteja
Como o nosso Pastor acreditado
Nem que a Pátria melhor ampare, e reja
Apesar de nascer desamparado.
Tempo é já que de nós descrito seja,
Não da sorte que o vemos retratado,
Se não como o descrevem os melhores,
E mais acreditados Escritores.


VALOR

CANTO NONO

ARGUMENTO

Depois de meia Espanha saqueada
Viriato de Pláucio se desvia,
Que por fugida a retirada,
Perde nela a melhor Cavalaria.
Vence Órmia a Filo, Flora é desprezada,
E depois morta, e rota a Infantaria
De Pláucio, cujo bélico aparato
Em batalha campal vence Viriato.

42

Viriato, que de alto considera,
Que em campo raso pelejar procura
Vencê-lo nele por astúcia espera,
Que sempre astúcia foi mãe da ventura.
Desce à campanha, os passos acelera,
Finge temor, e a grã valor conjura
Os seus, que marcham advertidamente
Na confiança do audaz Regente.



GOVERNO

CANTO DÉCIMO

ARGUMENTO

Sobre os campos de Ourique, e na Campina,
Que está junto a Viseu, os dous Pastores
Cláudio e Nigídio vêem sua ruína,
Grã despojo deixando aos vencedores.
Descreve-se Espanha a Neptunina
Costa, e quantos governos há melhores:
Três, Maurício, Lísias, e Deotaro
Morrem; Metelo faz um feito raro.

81

Enquanto, inda assombrado navegava,
E Cádis lagrimosa o recebia,
Viriato a Campanha saqueava,
E do despojo os seus enriquecia.
De terra em terra triunfando andava,
Pirâmides de monte em monte erguia
Com bandeiras contrárias por memórias
De tantas, e tão célebres vitórias.


PROSPERIDADE

CANTO UNDÉCIMO

ARGUMENTO

Sobre a Serra da Estrela faz Viriato
Sua fama voar sobre as estrelas:
Festas de tão magnífico aparato,
Como ela em si viu, não virão elas:
Altivo Colicéu, pomposo ornato
Cavaleiros estranhos, damas belas,
Espectáculos mil em terra, e agora
Se cantam, rematando o canto em mágoa.

82

Que eram Dictaleão, Minuro, Aulaces,
Cabeças de Vaceos, Belos, e Tícios,
Que atraídos de seus feitos audaces
Vem servi-lo em seus marciais exercícios;
E querem logo a seus olhos, e faces,
Na justa dar de seu valor indícios;
E entrados nela, sem que se dilatem,
Prosperamente mais de trinta abatem.

RESULUÇÃO

CANTO DUODÉCIMO

ARGUMENTO

Trezentos Lusos vencem mil Romanos,
Serralvo só a muitos desbarata;
São cativos seiscentos Lusitanos,
Donde o Templo do Medo se retrata:
As mulheres os livram de seus danos,
Morrem Alarco, e Silo; Órmia se mata:
Pela vingarem, Carpetânia abrasam,
Metelo pena, os quatro amantes casam.

1

Resoluções de amor, e Marte canto,
Gentis donzelas, mui atentamente
Escutai este lagrimoso canto
Merecedor de mais altiva mente.
Quem contra vós na rua, praça ou canto
Injustas queixas dá, murmura ou mente:
Se dei algumas a provar me esforço,
Que há em mulheres varonil esforço.



CONSELHO

CANTO DÉCIMO TERCEIRO

ARGUMENTO

Vinga-se a morte de Órmia no Castelo.
Que de sua tragédia viu o ensaio:
Dá mau conselho Aulaces a Metelo,
E dá Metelo bom conselho a Caio.
Viriato por não poder vencê-lo,
Abrasa meia Espanha, como um raio:
Lis bela com astúcia pensada,
Se casa, e fica Cloride infamada.

31

Ante Viriato humilde se apresenta,
E lhe diz: Grã Monarca Lusitano,
Cuja prosperidade o Céu aumenta
tanto à custa do crédito Romano;
A ti me traz, a fúria da tormenta,
Que no mar passo do fraterno dano,
Mais que em meus desamparos, e inocência,
Fiada em tua liberal clemência.


RETIRADA

CANTO DÉCIMO QUARTO

ARGUMENTO

Enquanto Fábio anda em romarias,
Lhe degola Viriato a melhor gente;
Assalta-o por descuido das Vigias,
Retira-se Viriato felizmente.
Mostra o Vulgo encantado entre águas frias
Naia de bela a Cláride inocente;
E Viriato na caça, que apetece,
Pera sonhar portentos, adormece.

25

Marcha Viriato, marcha a crueldade,
O raio, a destruição, o fogo, a ira.
Porque tudo executa sem piedade
Em toda a parte a que as armas vira
Fábio a quem chega a pública verdade,
Aonde implora a Hercúlica mentira,
Blasfema a devoção, parte indignado
Chega corrido, e sofre magoado.


SONHO

CANTO DÉCIMO QUINTO

ARGUMENTO

Vê sonhando as futuras Monarquias
Viriato de Godos, e Romanos,
Árabes, e Espanhóis, que em fantesias
Sonolentas se vêem os bens, e os danos.
Venturas, desventuras, profecias,
Que há da restauração dos Lusitanos,
Seu antigo valor, e novo estado
Lhe conta um solitário magoado.

24

Os bosques, em que está, vê deleitosos
A Ceres loura e a Flora jardineira,
Vê nascer entre os rios caudalosos
Nobre Vila em península guerreira,
Que com três edifícios sumptuosos
Ponte, Castelo, Igreja, honrando a Beira,
Enobrece Dinis, segundo Brigo,
Novo Restaurador do reino antigo.



DIVERSÃO

CANTO DÉCIMO SEXTO

ARGUMENTO

Com paz fingida, que a Popílio trata,
O diverte o Monarca Lusitano,
E depois em campanha o desbarata,
Donde salva Apuleio a Coriolano.
Com diversões a Guerra se dilata,
Em que se vence outro Pretor Romano:
Com assolações várias se discorre
A Bética, e Grisaldo em Cádis morre.

9

Viriato, que se acha tão frustrado,
E tão perto do próspero inimigo,
Sem exército seu, nem coligado.
Que o tire com honra do perigo,
Por se não retirar mal reputado,
As espáduas volvendo a tanto Amigo,
Nem se arriscar a ser acometido,
Enquanto se não acha apercebido;



ROTA

CANTO DÉCIMO SÉTIMO

ARGUMENTO

Pompeu rompe Viriato, que ciente
Se retira mais cauto, que medroso;
E animando outra vez a rota Gente
Torna presto a vencer ao vitorioso.
Ganha a rebelde Utica felizmente,
Castiga os Batestanos rigoroso;
É Messalina origem de seu dano,
Salva a Cloride bela Coriolano.

12

Branca, e púrpura estava toda Espanha
De ossos, e sangue, seco, e derramados,
Sem haver nela campo, nem montanha,
Que não fosse um sepulcro de soldados.
Acesa a guerra, estéril a campanha,
Desterrada a cultura, os bens roubados,
Parecia um teatro de Mavorte
Negro painel, de macilenta morte.


REPUTAÇÃO

CANTO DÉCIMO OITAVO

ARGUMENTO

Fábio com grande Exército Romano
Se encontra com Viriato na corrente
Do Bétis, em que o forte Lusitano
O irmão lhe fere, e mata muita gente.
Morrem Curio, Serralvo, e Coriolano;
Persuade Aulaces Messalina absente,
Que se saia da Ilha, em que desvela,
E desposa-se Eurilo com Lisbela.

13

Bastou só que Viriato experimentasse
Pequeno desar dela irrepreensível,
Pera que logo Roma imaginasse,
Que o podia vencer sendo invencível.
Antes que Febo no Equinócio entrasse,
Entrou na Espanha um Exército incrível,
Nunca tão grande o viu, nem tão luzido,
Do Cônsul Fábio Máximo regido.



SÍTIO E SOCORRO

CANTO DÉCIMO NONO

ARGUMENTO

Em Campo aberto a Gente Lusitana
Com grande estrago ao Cônsul desbarata;
Socorrido depois cerca Erisana,
E vendo-se perdido, pazes trata:
Por afrontosas à Nação Romana,
Presto o vínculo delas se desata;
Rompe a Guerra depois com dobre trato
O perjuro Cipião, frustra-o Viriato.

37

Vinha o robusto Marte Lusitano
Atrás de todo o Exército arrogante
Posto a cavalo entre Briséu, e Albano,
Que assistindo-lhe vão um pouco avante
De ponto em branco armado ao modo Hispano
Alta a Viseira traz, fero o semblante,
Empunhando o bastão, que tanta gente
Por amor, e temor segue obediente.



TRAGÉDIA

CANTO VIGÉCIMO

ARGUMENTO

Pujante marcha o Lusitano ousado,
Que em a Roma passar se determina.
Nos altos Pirinéus se acha cortado,
E as férteis faldras deles arruina.
Em sua tenda à traição é degolado
Mata-se o matador, e Messalina
Fazem-se exéquias dignas de memória
Queima-se o corpo, e dá fim a História.

5

Mal acabaram Heróis tão famosos,
Sobre a fortuna os ter favorecidos,
Padecendo tormentos afrontosos,
Uns por Tiranos, outros por vencidos.
Igual na morte, e feitos valerosos
Foi Viriato aos mais esclarecidos;
Na origem dela não, se não me engano;
Porque não foi vencido, nem tirano.

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