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Francisco de Sá Meneses


Francisco de Sá Meneses (1600?-1664) nasceu no Porto, desconhecendo-se o local de falecimento. Professou em São Domingos de Benfica, já no final da vida, e tornou-se de algum modo conhecido com a epopeia em doze cantos e em oitava rima Malaca Conquistada, publicada pela primeira vez em 1634 e reeditada em 1658 e 1779. Esta obra baseia-se na narração do mesmo acontecimento feita por João de Barros, sendo Afonso de Albuquerque o herói principal. Obras: Malaca Conquistada (Lisboa, 1634); Canção em Aplauso da Gigantomaquia de Manuel de Galhegos (Lisboa, 1628), Soneto em Louvor do templo da Memória do Mesmo Poeta (Lisboa, 1635), Soneto à Fama Póstuma de Lope de Vega (Madrid, 1636).




MALACA CONQUISTADA


CANTO I

Canto as armas e o grande Lusitano
Que, desde a ocidental extrema parte,
Aonde o Sol se levanta do oceano
Levou das Quinas santas o estandarte
E (castigado o pérfido tirano)
A cidade ganhou, por força e arte,
Do áureo reino, e trocou com pio exemplo
A profana mesquita em sacro templo.

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CANTO V

Feitas as cerimónias religiosas,
Do Rei e companheiro despedido,
Rompendo Afonso as águas flutuosas
Chega a Coulão e foi bem recebido,
Que posto que com cartas cautelosas
Do Samorim o Rei foi persuadido
Que lhe fizesse guerra, não bastaram,
E, a pesar seu, as pazes se juraram.

E qual de Eson o filho valeroso
Que fez do frígio Arícte a conquista;
Oferecido ao caso perigoso
Que enfim com o favor de Amor conquista;.
Do Mar vencida a fúria, co'o precioso
Velocino tornou a cara vista
Do pai: tal Albuquerque à pátria torna
E já de louro a ilustre fronte adorna.

De aromas, drogas, perlas carregadas
As grandes naus, tornou à foz do Tejo,
Donde lhe foram de Manuel premiadas
Obras que se igualaram co'o desejo.
E tornando a mandar novas armadas
O grande Rei em venturoso ensejo,
Por companheiro de outro herói valente,
Torna a mandar aos berços do Oriente.

Passa o cerúleo pego acompanhando
(Obediente a seu Rei) o varão forte,
Ilustre, e por idade venerando,
Aquele Cunha, assombro de Mavorte.
No comprido caminho trabalhando
Contra eles a Fortuna e Tempo, a morte
Por muitas vezes ante os olhos viram
E os males que oferece o mar sentiram.

Passado o proceloso mar, a terra
Os hospedou com feros inimigos,
Com as armas nas mãos prontos à guerra
Que prometia mil mortais perigos.
Porém eles, mostrando quanto erra
0 que despreza tê-los por amigos,
Cidades abrasando desfizeram,
Reinos e tributários reis fizeram.

Foi o rigor primeiro executado
Na deliciosa Angoxa ao fogo dada
Porque o Xeque de vã soberba armado
A paz não quis de tantos desejada.
Roto o agareno povo acobardado,
Dava-lhe alcance a gente bautizada,)
Dous ali, esposo e esposa, os mais seguiam,
Mostrando que de amar-se só viviam.

Do curto passo da querida esposa
Não se adianta o sarraceno amante,
Mas donde vive amor, que rigorosa
Morte há, que dê temor, nem mal que espante?
A gente fugitiva e temerosa
Seguia ao mesmo Marte semelhante,
O invicto Jorge da Silveira, vidas
Tirando, dando ao Inferno almas perdidas.

Deste encontrada por ditosa sorte
A namorada cópia, qual no monte
Se oferece a defensa da consorte
Selvage touro de arrugada fronte, .
Tal firme o amante oferecido à morte,
Salva-te, disse, amiga, só se conte
Que executa o inimigo em mi sua fúria
E o Céu estorve que te faça injúria.

Ela responde: Mal partir-me posso
Sem ti, que és alma que este peito animas,
Do bem, faltando tu, me desaposso,
Que em ti consiste se teu bem me estimas;
Não dividirá a morte este amor nosso
Se a vida, por salvar-me, desestimas:
Morramos juntos, seja igual a sorte,
Que a vida me será contigo a morte.

Dizendo assi, nos delicados braços
Aperta o do amor seu querido objeito,
Qual ter costuma entre amorosos laços
A vide amante o frondoso olmo estreito,
Ou qual com tenacíssimos abraços
Do firme arrimo penetrando o peito,
Labirintos tecendo a hera prende
0 muro por quem sobe e de quem pende.

Os extremos de amor e alta firmeza
Viu Silveira, e com alma compassiva,
Felice amante, disse, a vida preza
Para que tanto amor eterno viva;
Busca piedoso abrigo na aspereza
Da terra, enquanto for a sorte esquiva,
Nunca o permita ó Céu (perdoe Marte)
Que tão estreito amor por mi se aparte.

Vou (responde o pagão) porém rendido;
Varão forte, em quem vejo alta bondade,
E à piedade que usaste, agradecido
O Céu use contigo de piedade.
E se algum tempo menos afligido
Permitir que eu te veja, esta vontade
Que em meu peito por ti cativa fica,
De agradecido afeito verás rica.

Canto V, 20-31


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