Soror Maria do Céu

Soror Maria do Céu (1658-1753), tendo professado numa ordem religiosa, foi uma poetiza barroca de sabor quinhentista que cantou a efemeridade da vida. Mendes dos Remédios, em Escritoras de Outros Tempos (Coimbra, 1914), elaborou um pequeno estudo sobre esta autora. Obras: A Preciosa, Alegoria Moral(Lisboa, 1731-1733), publicada sob o criptónimo de Marina Clemência; Enganos do Bosque, Desenganos do Rio, em que a Alma Entra Perdida e Sai Desenganada (Lisboa, 1736); Aves Ilustradas em Avisos para as Religiosas Servirem os Ofícios dos seus Mosteiros, Lisboa, 1734).


ALGUNS POEMAS

CIDRA, CIÚME

É ciúmes a Cidra,
E indo a dizer ciúmes disse Hidra,
Que o ciúme é serpente,
Que espedaca seu louco padecente,
Dá-Ihe um cento de amor o apelido,
Que o ciúme é amor, mas mal sofrido,
Vé-se cheia de espinhos e amarela,
Que piques e desvelos vão por ela,
Já do forno no lume,
Cidra que foi zelo, se não foi ciúme,
Troquem, pois, os amantes e haja poucos,
Pelo zelo de Deus, ciúmes loucos.



MORTAL DOENÇA

Na febre do amor-próprio estou ardendo,
No frio da tibieza tiritando,
No fastio ao bem desfalecendo,
Na sezão do meu mal delirando,
Na fraqueza do ser, vou falecendo,
Na inchação da soberba arrebentado,
Já morro, já feneço, já termino,
Vão-me chamar o Médico Divino.

Na dureza do peito atormentada,
Na sede dos alívios consumida,
No sono da preguiça amadornada,
No desmaio à razão amortecida,
Nos temores da morte trespassada,
No soluço do pranto esmorecida,
Já morro, já feneço, já termino,
Vão-me chamar o Médico Divino.

Na dor de ver-me assim, vou desfazendo,
Nos sintomas do mal descoroçoando,
Na sezão de meu dano estou tremendo
No ris como da doença imaginando,
No fervor de querer-me enardecendo,
Na tristeza de ver-me sufocando,
Já morro, já feneço, já termino,
Vão-me chamar o Médico Divino.

Vou ao pasmo do mal emudecendo,
À sombra da vontade vou cegando,
Aos gritos do delito emouquecendo,
No tempo sobre tempo caducando,
Nos erros do caminho entorpecendo,
Na maligna da culpa agonizando,
Já morro, já feneço, já termino,
Vão-me chamar o Médico Divino.

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