Álvaro Velho

Álvaro Velho (século XV-XVI) terá nascido no Barreiro em data incerta e participou como marinheiro ou soldado na expedição de Vasco da Gama à Índia. Segundo Valentim Fernandes, terá passado oito anos na Guiné (1499-1507). O diáro de bordo de Álvaro Velho, Roteiro da Índia, chegou até nós incompleto, desconhecendo-se o manuscrito original. A cópia encontra-se na Biblioteca Pública Municipal do Porto. O Roteiro da Índia, ou Roteiro da Viagem que em Descobrimento da Índia pelo Cabo da Boa Esperança fez D. Vasco da Gama em 1497, foi publicado no Porto em 1838. José Marques preparou uma nova edição, publicada em 1999.


ROTEIRO DA ÍNDIA

(extracto)

Em nome de Deus, Amém. Na era de 1497 mandou el-rei D. Manuel, o primeiro deste nome em Portugal. a descobrir, quatro navios, os quais iam em busca de especiarias, dos quais navios ia por capitão-mor Vasco da Gama, e dos outros: dum deles Paulo da Gama, seu irmão, e do outro Nicolau Coelho.

Partimos do Restelo um sábado, que eram oito dias do mês de Julho da dita era de 1497, nosso caminho, que Deus Nosso Senhor deixe acabar em seu serviço. Amém.

Primeiramente chegámos ao sábado seguinte à vista das Canárias, e essa noite passámos a julavento de Lançarote, e à noite seguinte amanhecemos com a Terra Alta, onde fizemos pescaria obra de duas horas, e logo esta noite, em anoitecendo, éramos através do Rio Oiro.

E foi de noite tamanha a cerração que se perdeu Paulo da Gama de toda a frota por um cabo e, pelo outro, o Capitão-mor. E, depois que amanheceu, não houvemos vista dele nem dos outros navios; e nós fizemos o caminho das Ilhas de Cabo Verde como tinham ordenado que quem se perdesse seguisse esta rota.

Ao domingo seguinte, em amanhecendo, houvemos vista da Ilha do Sal, e logo daí a uma hora houvemos vista de três navios, os quais fomos demandar; e achámos a nau dos mantimentos, Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias, que ia em nossa companhia até à Mina, os quais também tinham perdido o Capitão-mor.

E, depois de sermos juntos, seguimos nossa rota, e faleceu-nos o vento e andámos em calmaria até à quarta-feira seguinte. E, às dez horas do dia, houvemos vista do Capitão-mor, avante nós obra de cinco léguas; e sobre a tarde nos viemos a falar com muita alegria, onde tirámos muitas bombardas e tangemos trombetas, e tudo com muito prazer por o termos achado.

E ao outro dia, que era quinta-feira, chegámos à Ilha de Santiago onde pousámos na Praia de Santa Maria com muito prazer e folgar.

E ali tomámos carnes, e água e lenha; e corrigindo as vergas dos navios, porque nos era necessário.

E uma quinta-feira, que eram três dias de Agosto, partimos em leste e, indo um dia com sul, quebrou a verga ao Capitão-mor, e foi em dezoito dias de Agosto; e seria isto duzentas léguas da Ilha de Santiago. E em vinte e dois do dito mês, indo na volta do mar ao sul quarta do sudoeste, achámos muitas aves, feitas como garções, e, quando veio a noite, tiravam contra o su-sueste muito rijas como aves que iam para terra; e neste mesmo dia vimos uma baleia, e isto bem oitocentas léguas em mar.

A vinte e sete do mês de Outubro, véspera de S. Simão e Judas, que era sexta-feira, achámos baleias, e umas que se chamam focas, e lobos-marinhos.

Uma quarta-feira, primeiro dia do mês de Novembro, que foi de Todos-os-Santos, achámos muitos sinais de terra, os quais eram uns golfões que nascem no longo da costa.

Aos quatro dias do dito mês, sábado antemanhã, achámos fundo de cento e dez braças ao mais. E, às nove horas do dia, houvemos vista de terra; e, então, nos ajuntámos todos e salvámos o Capitão-mor, com muitas bandeiras, estandartes e muitas bombardas, e todos vestidos de festa. E em este mesmo dia virámos, bem junto com a terra, na volta do mar; porém, não houvemos conhecimento da terra.

À terça-feira viemos na volta da terra, e houvemos vista de uma terra baixa e que tinha uma grande baía. O Capitão-mor mandou Pêro de Alenquer no batel, a sondar se achava bom pouso, pelo qual a achou muito boa e limpa e abrigada de todos os ventos, somente de nordeste. E ela jaz leste-oeste, à qual puseram nome Santa Helena.

À quarta-feira lançámos âncora na dita baía, onde estivemos oito dias limpando os navios e corrigindo as velas e tomando lenha.


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