Álvaro Feijó

Álvaro de Castro e Sousa Correia Feijó (1916-1941) nasceu em Viana do Castelo e faleceu em Coimbra. Estudou em Coimbra, onde, com outros, fundou o grupo de poetas «Novo Cancioneiro» de tendências neo-realistas, de que faziam parte Fernando Namora, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, etc. Colaborou na revista O Diabo, também de tendências neo-realistas. Obras poéticas: Corsário (1941) e Os Poemas de Álvaro Feijó (1941).




ALGUNS POEMAS

DO ALTO MAR

Tripulação!
às gáveas e às enxárcias;
ao leme e aos cordames;
atenta à tempestade
que anda no Mar
e vai
no nosso coração.

Tripulação!
Ajuda a tempestade...
Deixa ruir o mastro da mesena!
Lança à boca das ondas o sextante!
Deixa ao sabor das vagas o navio!
Não tenhas pena!

Quando haja só convés ao raso de água:
Tripulação...
Atenta.


Coimbra, 1939



A NAU PERDIDA

Pobre, lá vai! Que rombo no costado!
Como a água a penetra aos borbotões!
Açoita-a, em fúria, o Mar. Adorna ao lado.
Anda à mercê das vagas, dos tufões!
Mas segue, segue em frente. O vento a ajuda!
Galga nas ondas, que doidinha, olhai!...
Julga-se, ainda, a nau que dantes era,
por levar, no porão, uma quimera,
por ir, do vento na refrega aguda,
ovante e sem saber per'onde vai!

Julga-se, ainda, a nau que dantes era...
– o que passa não torna ..
Na pobre nau perdida
a água entra e a adorna.
Vai sendo, aos poucos, pelo mar sorvida.

Na agonia estrebucha. Num desejo
de vida e luz, arfante, desesperada,
busca furtar-se ao comprimente beijo
do Mar que a envolve. – Após, é o Mar e nada...

Doirado como um astro,
haste esquecida em campo onde as mondas
colheram tudo, o topo do seu mastro
fica esperando ainda sobre as ondas.

Na rota pelo mundo
– ao deus-dará na vaga azul e infinda –
nós vamos – nau perdida em Mar profundo –
joguetes do tufão;
mas conservando, ainda,
na última Esperança a última Ilusão.

Outubro de 1937




DIÁRIO DE BORDO

Letra a letra,
hora a hora,
linha a linha,
marquei no Diário de Bordo
as fases da viagem.

Dias e dias no embalar das vagas,
sem que um bafo de brisa poluísse
o abandono tentador das velas;
expedições forçadas, abordagens;
fome e sede de carne, nos jejuns
de cem dias de Mar;
velhos contos de bordo, em noites podres,
sem lua e sem estrelas;
o escorbuto na alma, apodrecida
à espera dos combates;
os rateios da presa recolhida
e, ao fim,
a Ilha dos Amores de qualquer porto
onde as mulheres se vendem.
E tudo foi, profundamente, inútil.

Livro de Bordo de Corsário, deixa
que o tempo apague a tua prosa inútil
e escreve a história imensa
daquela frota em que tu vais partir
– como pobre navio auxiliar –
à demanda e à conquista
do Novo Continente!

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