Carlos Olavo

Carlos Olavo (1881-1958) licenciou-se em Direito. Esteve na I Grande Guerra, sendo conhecido pelo diário que escreveu sobre a sua experiência numa prisão na Alemanha. Obras: Jornal d'um Prisioneiro de Guerra na Alemanha (1919), A Vida Turbolenta de Padre Agostinho de Macedo (biografia, 1939), Homens, Fantasmas e Bonecos (crónicas jornalísticas, 1954).




Jornal d'um Prisioneiro de Guerra na Alemanha


13 de Maio – O dia foi hoje marcado por dois acontecimentos de sensação. A barraca dos oficiais superiores e duas outras foram sujeitas a uma desinfecção rigorosa. Far-se-á amanhã o mesmo para as restantes barracas.

O que há, porém, de estranho no caso é que submeteram os oficiais, um dos quais coronel, a uma operação vexatória para a qual não havia remissão de nenhuma espécie. Por virtude dessa operação tudo quanto havia de floração capilar em qualquer região do corpo, recôndita ou não, desapareceu!

Eu revolto-me com a ideia de me sujeitar a uma tal imposição, caracteristicamente germânica, mas rio-me com a lembrança de que um companheiro meu de barraca, cheio de pelos como o Rama-Sama, vai ficar daqui a pouco alvinitente! É um verdadeiro fenómeno!

Eu disse-lhe há dias, no banho, para o consolar quando os outros o troçavam chamando-lhe a ninfa de Rastatt:

– V. é o verdadeiro tipo da espécie na sua plena virilidade. – Deixe falar os degenerados da Civilização!..

O outro acontecimento do dia foi uma sopa que apareceu ao jantar e que suscitou debates ardentes. Em primeiro lugar, sobre a sua composição houve duvidas profundas.

Uns sustentavam, especialmente os algarvios, que era sopa de atoninha, peixe da venerável família dos Atuns. Outros protestaram contra o sacrilégio de se chamar atum ao que era simplesmente carne de foca! Houve mesmo quem defendesse a ideia de que estávamos assistindo ao acontecimento histórico da dispersão das focas que estiveram no Coliseu. Efectivamente, em face daquela sopa, qualquer destas opiniões era facilmente defensável!

Em segundo lugar discutiu-se o gosto. Uns gostaram da sopa, outros acharam-na simplesmente repugnante. Daqui resultou a formação de dois partidos que se digladiam ali fora, sobre a relva.

O tenente Oom que é, como eu, partidário da sopa, grita para os seus adversários exprimindo o pensamento dos que gostaram:

– Eu estou disposto a comer ratos; o essencial é irem à desinfecção!


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