Virgínia Victorino

Virgínia Villa Nova de Sousa Victorino (1898-1967). Poetisa e dramaturga portuguesa do século XX. Esteve no Brasil, a convite de Getúlio Vargas, em 1937. A sua obra mais famosa é Namorados (1918), que teve catorze edições. Outras obras: A Volta (peça teatral em três actos representada, pela primeira vez, no Teatro Nacional de Lisboa, a 13 de maio de 1931).

SOBRE VIRGÍNIA VICTORINO

(EXTRACTO DE UMA CARTA)

Uma amiga, muito gentil, a quem demonstrara meu interesse pela obra de sua famosa conterrânea Virgínia Victorino – ao regressar de uma das suas habituais viagens a Portugal, trouxe um magnífico presente, além de detalhes surpreendentes a respeito daquela poetisa lusa do início do século.

O presente inestimável – um livro – é o exemplar número 195 (um dos primeiros mil volumes editados) da peça teatral em três actos, denominada A Volta. Esta peça foi representada, pela primeira vez, no Teatro Nacional de Lisboa, a 13 de maio de 1931 e foi um dos espectáculos teatrais de maior sucesso naquela época. O livro é o número 2 da Colecção Afra, na qual a Editora (Livraria Rodrigues – R. do Ouro, 186/8, Lisboa) planejara incluir somente autores de extraordinário talento. Como os demais exemplares, este volume está autografado pela autora.

De tudo isso, veio-me a certeza, agora, do "c" no sobrenome da escritora e o conhecimento, novo para mim, de sua qualidade de teatróloga.

Tomei ciência, ainda, pela contracapa do livro, de que a terceira obra literária da referida colecção é, também, de Virgínia Victorino – Namorados, contendo os seus deliciosos sonetos.

A título de curiosidade, minha jovem amiga repassou-me um episódio relatado por uma tia sua, contemporânea da escritora (e a quem devo também agradecimentos pela aquisição do livro). Soube esta senhora, no seu tempo de moça, em Lisboa, da existência de um grupo de mulheres intelectuais (do qual fazia parte Virgínia Victorino), cuja conduta, tida como «avançada demais» por uns, e até mesmo «libidinosa», por outros, escandalizava a sociedade da época. Essas «feministas» cometiam todas as espécies de provocação aos padrões tradicionais.

Quando tive a oportunidade de ver Virgínia Victorino em pessoa (convidada especial do Presidente Getúlio Vargas), tive a chance de olhá-la bem (segundo o cerimonial, os estudantes em desfile tinham que virar o rosto para os figurões). De porte mignon, apesar do tailleur à la Dietrich, nada tinha de masculinizada. Dessa estadia dela no Brasil, guardo um recorte envelhecido (acho que de um exemplar de O Malho), em que a poetisa aparece ao lado de Olegário Mariano, seu cicerone possivelmente. Ela aparece na foto de tailleur branco, sapatos bicolores, chapéu desabado sobre os olhos, cabelos à la garçon, bem da época.

Carmen Sylvia



NAMORADOS

ALGUNS SONETOS

DESPEITO

Digo o que noutro tempo não diria:
Foi tudo um grande sonho enganador...
Nego o passado, e juro que este amor
Só existiu na tua fantasia...

Sinto a volúpia da mentira! A dor
Não transparece. Nego... Que alegria!
Fiz crer ao mundo inteiro, por magia,
Que és de todos os homens o pior...

Nunca me entonteceu esse sorriso...
E, vê lá tu, se tanto for preciso,
Nego também as cartas que escrevi!

Quero humilhar-te, enfim... Mas não entendo
Porque me exalto e choro e te defendo,
Se alguém, a não ser eu, diz mal de ti...


ORGULHO

És orgulhoso e altivo, também eu...
Nem sei bem qual de nós o será mais...
As nossas duas forças são rivais:
Se é grande o teu poder, maior é o meu...

Tão alto anda esse orgulho!... Toca o céu.
Nem eu quebro, nem tu. Somos iguais.
Cremo-nos inimigos... Como tais,
Nenhum de nós ainda se rendeu...

Ontem, quando nos vimos, frente a frente,
Fingiste bem esse ar indiferente,
E eu, desdenhosa, ri sem descorar...

Mas, que lágrimas devo àquele riso,
E quanto, quanto esforço foi preciso,
Para, na tua frente, não chorar...


TRISTEZA

Nos dias de tristeza, quando alguém
Nos pergunta, baixinho, o que é que temos,
Às vezes, nem sequer nós respondemos:
Faz-nos mal a pergunta, em vez de bem.

Nos dias dolorosos e supremos,
Sabe-se lá donde a tristeza vem?!...
Calamo-nos. Pedimos que ninguém
Pergunte pelo mal de que sofremos...

Mas, quem é livre de contradições?!
Quem pode ler em nossos corações?!...
Ó mistério, que em toda parte existes...

Pois, haverá desgosto mais profundo
Do que este de não se ter alguém no mundo
Que nos pergunte por que estamos tristes?!


RENÚNCIA

Fui nova, mas fui triste... Só eu sei
Como passou por mim a mocidade...
Cantar era o dever da minha idade,
Devia ter cantado e não cantei...

Fui bela... Fui amada e desprezei...
Não quis beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade...
Devia ter amado e não amei...

Ai de mim!... Nem saudades, nem desejos...
Nem cinzas mortas... Nem calor de beijos...
Eu nada soube, eu nada quis prender...

E o que me resta?! Uma amargura infinda...
Ver que é, para morrer, tão cedo ainda...
E que é tão tarde já, para viver!...

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