Gomes Eanes de Zurara

Crónica do Conde D. Duarte de Meneses

CAPÍTULO I

Começasse a estorea que falla dos feitos que fez o jllustre e muy nobre caualleyro dom Duarte de Meneses, Conde que foy de Vyana, Alferez moor delRey E capitam por elle na uilla dAlcacer em Africa. A qual foy prymeyramente ajuntada e scripta per Gomez Eanes de Zurara professo caualleyro e comendador na ordë de Christus. Cronista do døto senhor Rey e guarda moor do tõbo de seus regnos.

Duas rezoões muyto alto e muyto excellëte princepe me constrangyã scusar de comprir uosso mandado quando me da Aueyro screuestes mãdãdo que leixasse todallas cousas em que entom por uosso seruiço era ocupado que eram assaz grandes e proueitosas aos naturaaes de uossos regnos, principalmente ao rregimento de uosso tombo, que aallem do bem comuü perteence muyto a uosso seruiço. Me trabalhasse logo de ajuntar e screuer os feitos do conde dõ Duarte de Meneses uosso alferez moor e capitam ë a uilla dAl[ca]cer. E isto creo eu muyto alto princepe que serya por que nom auya muytos dyas que o uirees acabar suã uida antre os mouros por defensom de uossa pessoa na serra de Benacofu quando a ssegunda uez passastes em Africa, pollo qual querendo obrar como cõuem a tal e tam grande princepe queriees buscar todollos modos por que seu tam assijnado seruiço o qual nom podya seer mayor [4r] que poer sua uida por defender a uossa ca segundo døto de nosso senhor mayor Amor nom ha que poer homem sua alma por seu amygo, nom soomente ficasse uyuo antre os homeës em todollos segres vijndoyros, mas ajnda fosse causa pera os uossos socessores amarem e honrarem aos descendentes daquelle conde. Ca assy como aquelle duque do pouoo de Deos mandou aos Judeus que tomassem doze pedras do Rio de Jurdam e que as lançassem ë nembrança da mercee que lhes Deos fezera em os passar aa terra da promissam. E per conseguïte elRey dom Ramyro em o pryuylegyo dos vodos que ofereceo ao apostollo Santyago, fez screuer a mercee que recebera ë seer liure da sogeiçom dos mouros quando a Espanha caasy de todo era perdida. Assy quis uossa alteza que tam assijnado seruiço nom passasse sem perpetua nëbrança por que aallë do grande louuor que a memorya daquelle conde por ello merece obrigassees uossos socessores, fazerem aos seus pera sempre honra e mercee. E desy por que aquelles seus descendentes se esforçassë muyto mais na uirtude pera fazerem cousas dignas de hõra e de louuor, como a memorea dos passados seia exëplo assy pera os presentes como daquelles que ham de vïjr. Hüa das duas razoões muyto alto princepe era o conhecimento que tenho de mjnha rudeza e pouco saber, como Sam Jeronymo diga que os fracos engenhos nom podë sofrer grandes matereas. E Tullyo que nom abasta fazer boa obra mas fazella bem. E quanto eu consijraua que o auto he mayor e mais nobre tanto me achaua menos desposto pera fazer naquella perfeiçõ [4v] que deuya, ca posto que eu per graça de Deos tenha algüa desposiçom pera uos seruyr em outras cousas, como de mynha mocidade sempre fiz, pera o comprimëto daquesta bem conheço que nom som abastãte. A ssegunda por scusar reprensoões de que a natureza pella mayor parte sëpre toma fastyo, ca segundo reza Valleryo no titollo da glorea, nom ha hy onestidade posto que seia grande que nom seia tocada de doçura de louuor, pois qual sera tam sancto que nõ auorreça o sseu contrairo. Sancto Rey era Davit e muyto conhecya dos segredos de Deos e como cousa a elle muy odyosa lhe pedya que o liurasse das lïgoas mordazes e reprensores , como se screue no primeyro salmo do cantico graao. E nom menos Sam Jeronymo em todollos prollegos que screueo por entruduçõ dos liuros da bryuya, pois que deuo eu fazer muyto alto princepe que aallem de minha grande jnorancya per mÿ assaz conhecida tenho tãtos spreitantes que ainda eu bem nom tomo a pena na maao pera screuer, ja começã de condanar mjnha obra, huüs por cuydarem que se dyra menos delles do que lhes sua enganosa afeiçam faz cuydar que merecem, outros pensando, que quanto se elles mais agrauarë de meu screuer tanto o pouoo auera rezom de cuydar que elles sõ dignos de mayores merecymëtos e que de sse nõ screuerem delles grandes cousas que foy mais por fraqueza de meu screuer que per fallecimento de seu trabalho, e o que peor he que taaes uy eu queixosos de mÿ que eu sabya certo que nom soomëte nõ erã dignos de honra nem de louuor, mas ante de doesto e reprensõ. [5r] Mas pera estas duas rezoões muyto alto princepe tenho eu outras duas scusas nõ sey quanto seram ualledoyras. A primeyra uosso mandado, que sooes em terra meu principal senhor ca se todos uossos naturaaes som theudos e obrigados de o cõpryr e guardar eu muyto mais cujas migalhas me criarom, e os beneficios aleuantarom do poo em que nacy. A ssegunda o grande conhecymento que tenho de uossas eroycas uirtudes e grande saber, que nom soomëte soportarees meus fallecimëtos mas ainda tomarees encarrego de me defender das seetas dos que nom sabem senom mal fallar, aos quaaes com rezõ se pode responder, o dicto de huü antijgo pueta que diz, leixë o mal dizer, por que nõ conheçã os seus maaos feitos. E todauya someto mjnha obra princi palmente a uosso juizo e dos mais uirtuosos, aparelhado como diz Agostinho a sseer ensinado sequer de moço de huü ãno ca uossa alteza sabe que se uosso mandado nom fora presunçom nõ fezera mouer a pena folgada, pois tijnha sabido que a fracos mëbros ligeyra carrega parece grande, pero nom pude nem posso negar a uosso mandado o que mjnha fraqueza poder uossa alteza receba a uõtade com que se fez por ëmëda do fallecimento da obra.


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