Marquesa de Alorna

D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre, Marquesa de Alorna (1750-1839) nasceu em Lisboa. Tendo o seu pai sido preso, acusado de participar no atentado ao rei D. José, Leonor, de oito anos, entrou com sua irmã para o convento de Chelas, vindo somente a sair após a morte do Marquês de Pombal. Casou com o Conde de Oeynhausen e viajou por Viena, Berlim e Londres. Enviuvou aos 43 anos de idade, vivendo com algumas dificuldades económicas, dificuldades estas que não a impediram de se dedicar à literatura. Adoptou na Arcádia o nome de Alcipe. Traduziu a Arte Poética de Horácio e o Ensaio sobre a Crítica de Pope. É considerada uma poetisa pré-romântica. As suas obras foram publicadas em 1844 em seis volumes com o título genérico de Obras Poéticas.

Bibliografia: Clara Rocha, As Máscaras de Narciso, p. 95. Marquês de Ávila e de Bolama, A Marquesa de Alorna, Lisboa, 1916. João Jardim de Vilhena, A 4ª Marquesa de Alorna (Alcipe), Coimbra, 1931. Hernâni Cidade, prefácio a Poesias e Inéditos, Sá da Costa, Lisboa, 1941.

Outras páginas sobre o autor:

  • Obras Integrais de Autores Portugueses do Século XVIII



  • SONETOS

    1

    Esperanças de um vão contentamento,
    por meu mal tantos anos conservadas,
    é tempo de perder-vos, já que ousadas
    abusastes de um longo sofrimento.

    Fugi; cá ficará meu pensamento
    meditando nas horas malogradas,
    e das tristes, presentes e passadas,
    farei para as futuras argumento.

    Já não me iludirá um doce engano,
    que trocarei ligeiras fantasias
    em pesadas razões do desengano.

    E tu, sacra Virtude, que anuncias,
    a quem te logra, o gosto soberano,
    vem dominar o resto dos meus dias.


    2

    Eu cantarei um dia da tristeza
    por uns termos tão ternos e saudosos,
    que deixem aos alegres invejosos
    de chorarem o mal que lhes não pesa.

    Abrandarei das penhas a dureza,
    exalando suspiros tão queixosos,
    que jamais os rochedos cavernosos
    os repitam da mesma natureza.

    Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
    ave, ponte, montanha, flor, corrente,
    comigo hão-de chorar de amor enredos.

    Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
    Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
    que eu derramo os meus ais inutilmente.


    3

    Vai a fresca manhã alvorecendo,
    vão os bosques as aves acordando,
    vai-se o Sol mansamente levantando
    e o mundo à vista dele renascendo.

    Veio a noite os objectos desfazendo
    e nas sombras foi todos sepultando;
    eu, desperta, o meu fado lamentando.
    fui coa ausência da luz esmorecendo.

    Neste espaço, em que dorme a Natureza.
    porque vigio assim tão cruelmente?
    Porque me abafa ó peso da tristeza?

    Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
    as mais delas são faltas de firmeza.
    Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!


    OUTROS POEMAS



    Sozinha no bosque
    com meus pensamentos.
    calei as saudades,
    fiz trégua aos tormentos.

    Olhei para a Lua,
    que as sombras rasgava,
    nas trémulas águas
    seus raios soltava.

    Naquela torrente
    que vai despedida,
    encontro, assustada,
    a imagem da vida.

    Do peito, em que as dores
    já iam cessar,
    revoa a tristeza,
    e torno a pensar.





    Como está sereno o céu,
    como sobe mansamente
    a Lua resplandecente
    e esclarece este jardim!

    Os ventos adormeceram;
    das frescas águas do rio
    interrompe o murmúrio
    de longe o som de um clarim.

    Acordam minhas ideias,
    que abrangem a Natureza;
    e esta nocturna beleza
    vem meu estro incendiar.

    Mas, se à lira lanço a mão,
    apagadas esperanças
    me apontam cruéis lembranças,
    e choro em vez de cantar.



    OFERENDA AOS MORTOS

    Aquele outeiro sombrio
    está de névoas coberto;
    escorre entre canas, perto,
    fraco e murmurando, um rio.
    Naquele negro pinhal,
    como tocha funeral,
    brilha modesta candeia,
    que ao pastor pobre alumeia
    com a luz embaciada.
    Vem por corvos arrastada
    a Tarde.
    A luz apenas das estrelas arde!...
    Que pavor
    espalha em todo o campo a minha dor!...

    Das frestas dos edifícios
    vergonhoso mocho voa,
    e com seus uivos atroa
    os Génios dos malefícios;
    saem Fadas peregrinas
    a dançar sobre ruínas,
    e vêm por entre perigos
    gnomos, trasgos, inimigos.
    Alumeia
    o pirilampo incerto esta coreia.
    Que pavor
    espalha em todo o campo a minha dor!...

    Estão todas apagadas
    as luzes da Outra-Banda;
    pelas praças ninguém anda,
    vagam as sombras caladas.
    Naquele triste convento
    dobra o sino sonolento;
    o ar cos sons esmorece.
    O horizonte empalidece:
    o vapor autumnal

    cobre-o de um véu fatal,
    sombrio.
    Suspira o vento e nasce o calafrio
    Que pavor
    espalha em todo o campo a minha dor!...
    (...)

    Com teu clarão moderado
    que objecto me estás mostrando,
    que me estás afigurando,
    crepúsculo descorado?
    Sombra majestosa e cara,
    que nas mãos da Parca avara
    enches todo o meu sentido!
    Es tu, Armínio querido?
    Se te retrata a saudade,
    apaga as cores a realidade.
    Entretanto,
    o teu túmulo lava este meu pranto.
    Que pavor
    espalha em todo o campo a minha dor!...

    Sobre o teu marmóreo altar,
    onde oculto me magoas,
    de plátano cinco c'roas
    venho hoje depositar.
    Recebe Armínio a mais pura;
    duas leve-as a ternura,
    de meu pranto comovida,
    a Márcia, a Lília querida;
    aos dois penhores
    dos nossos tristes, doces amores,
    condoída,
    of'reço duas, of'recera a vida.
    Que pavor
    espalha em todo o campo a minha dor!...

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