Manuel Maria Barbosa du Bocage

EPIGRAMAS


O pai enfermo e o doutor


Um velho caiu na cama;
Tinha um filho esculapino,
Que para adivinhações
Campava de ter bom tino.
O pulso paterno apalpa,
E receitar depois vai;
Diz-lhe o velho, suspirando:
"Repara que sou teu pai."


A moléstia e a receita

Para curar febres podres
Um doutor se foi chamar,
Que feitas as cerimónias,
Começou a receitar.
A cada penada sua
O enfermo arrancava um ai!
– "Não se assuste (diz Galeno),
Que inda desta se não vai."
– Ah! senhor! (torna o coitado,
Como quem seu fado espreita)
Da moléstia não me assusto,
"Assusto-me da receita."


Conselho a um impaciente

Homem de génio impaciente,
Tendo uma dor infernal,
Pedia, para matar-se,
Um veneno, ou um punhal.
– "Não há (lhe disse um vizinho
Velho que pensava bem),
Não há punhal, nem veneno;
Mas o médico aí vem."


A parca e o médico

– "Morte! (Clamava o doente)
Este mísero socorre."
Surge a Parca de repente,
E diz de longe: – "Recorre
Ao teu médico assistente."


Vingança do médico

Um médico ressentido
De certo seu ofensor,
Ante um amigo exclamava,
Todo abrasado em furor:
– "Para punir este indigno,
Este vil, tomara um raio."
Acode o outro: – "Há um meio
Muito mais fácil; curai-o".


O récipe

Pôs-se médico eminente
Em voz alta a receitar.
– "Récipe" (diz)... de repente
Grita da cama o doente:
– "Basta, que mais é matar."


O adeus do doutor

Um médico receitou:
Súbito o récipe veio.
Do qual no bucho do enfermo
Logo embutiu copo e meio,
– "Adeus até à manhã"
(Diz o fofo professor).
Responde o doente: – "Adeus
Para sempre meu doutor".


O letrado

Inda novel demandista
Um letrado consultou,
Que, depois de cem perguntas,
Tal resposta lhe tornou:
– "Em Cujácios, em Monóquios,
Em Pegas e Ordenação
Em Reinícolas e Estranhos

(Textos digitalizados por Gonzalo Navaza, 1997.)

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