Filinto Elísio

Filinto Elísio

Filinto Elísio (1734-1819), pseudónimo do Padre Francisco Manuel do Nascimento, foi um dos mais importantes poetas do Neoclassicismo português. Apesar de ser clérigo, lendo livros racionalistas franceses proibidos pela Inquisição, teve de fugir para França, exilando-se em Paris em 1778. Estabeleceu relações de amizade com o poeta Lamartine. As suas poesias foram publicadas em Paris em onze volumes entre 1817 e 1819, seguindo-se uma segunda edição em Lisboa de vinte e dois volumes entre 1836 e 1840. Além de poeta era tradutor, vertendo para português os Mártires de Chateaubriand, as Fábulas de Lafontaine e Púnica de Sílio Itálico.

A obra de Filinto Elísio tem sido estudada por Fernando Alberto Torres Moreira, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (tese de mestrado com o título O Epigrama em Filinto Elísio – Um Género para um Poeta, 1995).

Têm vindo a ser publicadas desde 1998 as Obras Completas de Filinto Elísio. Fernando Moreira, professor da UTAD, com o apoio do Ministério da Cultura e do Instituto Português do Livro e da Leitura, coordenada actualmente a reedição das mesmas. Foram publicados até ao momento 4 volumes (Filinto Elísio: Obras Completas, colecção Clássicos da Literatura Portuguesa, Braga, Edições APPACDM, 1998-1999. Edição de Fernando Moreira).

Outras páginas sobre o autor:

  • Obras Integrais de Autores Portugueses do Século XVIII



  • DOIS POEMAS


    A LÍNGUA PORTUGUESA E A LATINA

    Já me fizeram cargo os meus censores
    de ter muito latim portuguesado.
    Mais honra me fizeram que eu mereço.
    em dar sobejo preço os tais senhores,
    dar sobeja importância a quatro trovas
    que nuns borrões lancei por desenfado.
    e à luz dei só por míngua de dinheiro.
    Mas, pois tão alto vai esse arruído,
    permitam-me acudir por meu cliente.
    Se cunho português dei a latinas
    vozes, e é crime pôr-lhe cunho alheio.
    réus desse crime são quantos escrevem
    depois de tantos séculos na Europa,
    que co roubado estafo dos Romanos
    cobriram a nudez desses vasconços.
    que com vil lodo a face enxovalhavam
    da terra, a sáfios bárbaros sujeita.
    Réu quero, como Camões, ser desse crime
    voluntário e não dar francês bastardo.
    qual dá da nova seita o soez cardume.
    Sujeita a antiga Europa à antiga Roma,
    falou polida a língua vencedora;
    vencidos os Romanos pela bronca,
    hiperbórea relé, Sicambros, Cimbros,
    nós, Lusitanos, com farragem goda
    logo a latina tela entretecemos;
    e, não contentes inda, a bordadura
    de engasgado mourisco lhe cosemos,
    coa franja multicolor de tantas línguas,
    quantas não deu Babel, no louco arrojo
    de querer ter mirante sobre as nuvens.
    Convinha povoar as terras ermas
    das gentes que segou a fronte avara
    dos belicosos reis conquistadores.
    Chamaram-se de incógnitas províncias
    povos de estranhas línguas, que o tecido
    da nossa com mais tinta alagartaram
    Eis que começa de apontar na Itália
    das boas letras a bem-vinda aurora.
    Acorrem de um e de outro reino a ela
    os moços, de ciência cobiçosos:
    abraçam com ardor as doutas línguas
    e vêm contentes derramar seu lustre
    pelo escuro sertão do pátrio idioma.
    Resta agora entender se foi acerto
    nos que a língua tão rude nos poliram
    co romano esmeril, tornando-a ao grémio
    da perdida opulência, ou se deixá-la
    no vândalo paul, suevo ou gado.
    Quem não diz que mais val desbastar hoje
    do bárbaro falar a língua lusa.
    introduzindo os termos da latina
    que o vasconço primevo desbastara,
    que estragá-la com vozes alforrecas:
    babugem que nas ribas portuguesas
    lança a lição de sécios bonifrates,
    que de alheio país só balbuciam
    geringonça bastarda, mal intrusa?
    Muitos que hoje escrevem franceseiam;
    francesear agora é tão absurdo,
    quanto o fora nos séculos latinos
    vandalear, falar suevo ou godo.
    Francesear em língua portuguesa
    se atrevem quatro tolos vangloriosos
    de uns laivos, que puseram mal assentes
    na Face maternal, que se envergonha.

    Obras, vol. IV, Arrazoado



    CONTO

    Saiu da Samardã certo pedreiro,
    faminto de ouro, em busca da fortuna.
    Embarca, vai-se ao Rio, deita às Minas
    e lida e fossa e sua, arranca à Terra
    o luzente metal, que o vulgo adora.
    Vem rico à Samardã: vinhas, searas,
    casas, móveis, baixela compra fofo;
    brocados veste, vai-se nos domingos
    espanejar à igreja, acompanhado
    de lacaios esbeltos. Vem o Cura
    saudá-lo coa água benta; os mais graúdos
    do lugarejo a visitá-lo acorrem;
    para ele os rapapés, as barretadas
    se apostavam de longe, a qual mais prestes.
    Falaram-lhe os vizinhos, e a gazeta
    na célebre Paris, cidade guapa,
    onde todo o estrangeiro, nobre ou rico,
    vai fazer seu papel. Ei-lo azoado,
    que deixa a Samardã, que se apresenta
    na capital francesa; roda em coche,
    alardeia librés, passeia Louvres,
    Versalhes, Trianões. Volta enfadado
    à sua Samardã. – «Gabam tal gente
    de polida?! Oh, mal haja quem tal disse!
    Corri casas, palácios, corri ruas;
    não vi um só, nem grande, nem plebeu,
    que ao passar me corteje co chapéu!»

    Obras, vol. III

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