Do Neoclassicismo aos Pré-Românticos

No dizer de Rodrigues Lapa, o século XVII representa a época do frade literato. A literatura estava impregnada de ideias religiosas, subordinada ao espírito severo e unificador da Contra-Reforma.

O século XVIII é a época do jurista literato (Garção, Cruz e Silva, Tomás Gonzaga, Tolentino, etc.). A literatura aparece agora impregnada de ideias políticas, que predominam largamente sobre os ideais religiosos. Um espírito de rebeldia e inovação percorre o século, quer no campo filosófico e científico, quer político, religioso e, consequentemente, literário. Há uma dupla reacção, quer contra o barroco, concretizada na fundação das Arcádias, quer contra o atraso cultural do país, expressa nos escritos dos Estrangeirados e concretizada na reforma do ensino promovida pelo Marquês de Pombal e na criação das Academias, notáveis centros de investigação e cultura. As Arcádias pretendiam, antes de mais, a reforma da mentalidade portuguesa, encargo esse que seria da responsabilidade dos intelectuais e que se deveria efectuar especialmente através da poesia e do teatro. A sua arma de base para atingir tal objectivo era a crítica. E esta, no domínio literário, voltou-se contra a futilidade, os artifícios inúteis do barroco. Os escritores arcádicos procuraram fazer regressar a literatura aos bons modelos do classicismo. Escrevem-se sonetos, canções, elegias, odes e outras formas tipicamente clássicas. Este regresso tinha um fim nacionalista, pela renovação do vocabulário (de uso diário) e da temática (de fundo nacional), purificando a linguagem da crescente «francesia».

O lirismo arcádico conseguiu ser retrato de algumas realidades morais e sociais do seu tempo. No século XVIII a burguesia, com a Revolução Francesa, afirma-se como força política e económica dominante. A cultura dá passos no sentido da sua democratização. A poesia, até aqui acostumada a ser acarinhada nos salões aristocráticos para distracção dos seus frequentadores, desce agora para a rua, faz-se boémia, democratiza-se e torna-se expressão da vida do indivíduo e da sociedade que o envolve.

Entretanto, no final do século, a turbulência e a inquietação da vida, o gosto pelo isolamento, pelos lugares inóspitos, pela ausência de luz, pelo terror, pelo sofrimento, são um sentir pré-romântico expresso numa forma ainda neoclássica. Bocage, pondo o seu ardor na defesa da liberdade, ideal da Revolução Francesa, é um exemplo frisante da inquietação e indisciplina da alma pré-romântica.


O CONTEXTO

Nos finais do século XVII e no século XVIII dão-se na Europa duas revoluções que representam a afirmação da burguesia como força política e económica dominante em alguns países europeus. No espaço de tempo que medeia estes acontecimentos, decorre o chamado «Século das Luzes», a época do Iluminismo, caracterizada por uma profunda crítica das instituições e princípios até então reinantes: o regime feudal-absolutista, a intolerância religiosa, a supremacia da fé e da tradição sobre a razão e o progresso.


O ILUMINISMO NA EUROPA

O Iluminismo é o resultado da revolução filosófica, científica e técnica iniciada com o Renascimento e que no século XVIII começa a dar os seus frutos práticos.

TEXTO 1: «Pela palavra iluminismo designa-se um esforço de renovação cultural, de natureza sobretudo política, realizado no curso do século XVIII, que tinha em vista, por uma actualização de conceitos, de normas e de técnicas, uma maior eficiência na ordem social, e se subordinava à concepção nova do progresso humano. A designação provinha, como é óbvio, do significado de iluminação como esclarecimento, e com isto se prende a designação daquele século como o das luzes. Os fomentadores desse esforço foram, consequentemente, os iluministas. O seu aparecimento tem raízes na renovação filosófica operada pelo racionalismo cartesiano, pelo experimentalismo baconiano, pelo fisicismo newtoniano, pelo sensorismo lockiano, etc., por um lado; por outro, tem-nas na obra dos renovadores da ciência jurídica, sobretudo nos construtores do direito das gentes (Puffendorf, etc.). A confiança que o Iluminismo teve nas bases em que acentou era afinal o resultado a que se chegara numa discussão célebre, a da Querelle des Anciens et des Modernes, quando vingou a ideia da supremacia da cultura moderna sobre a dos antigos, pela conclusão de que eram os modernos os depositários das experiências milenárias, enriquecidas pelas experiências recentíssimas. Os iluministas foram os que procuraram a aplicação para essa soma de tanta experiência.»

António Salgado Júnior, in Dicionário da Literatura Portuguesa (dir. de Jacinto do Prado Coelho)

TEXTO 2: «A revolução filosófica e técnica iniciada com o Renascimento dá os seus frutos práticos em grande escala no século XVIII, época em que a burguesia se afirma como força política e económica dominante.

É então que a ciência mecânica se constitui como um corpo completo, abrangendo o mundo numa visão global, que vai desde a física (Newton) à psicologia (teoria da combinação das sensações: Locke, d'Holbach). Homens de letras como Voltaire divulgam esta concepção científica do mundo. É então também que começa a haver consciência do papel da máquina na produção, o qual se concretiza na aplicação da energia do vapor na indústria têxtil inglesa.

Como consequência do progresso científico e técnico, desenvolve-se em determinados grupos sociais uma confiança optimista nas possibilidades do Homem, visto não já como uma criatura degradada pelo pecado original, mas como senhor da Natureza e suas leis, que ele abrangia pelo conhecimento e podia modificar pela técnica. Viu-se a possibilidade de aumentar a riqueza, de diminuir o esforço humano, de tornar a vida mais confortável e até de transformar a sociedade, abolindo os hábitos irracionais, as desigualdades cuja legitimidade a razão não reconhecia. Acreditou-se que a divulgação da ciência, isto é, das "luzes", bastaria para dissipar a escuridão das superstições, consideradas como a principal causa dos sofrimentos do Homem. É a esta confiança no poder da ciência para modificar a condição humana que se chama "iluminismo". "A Natureza e as suas leis", escreve o poeta inglês Pope, "estavam escondidas na treva: faça-se Newton, disse Deus, e tudo então brilhou." Os grupos sociais interessados na técnica e no comércio são naturalmente os que melhor acolhem a mentalidade científica. São eles também que, lutando contra a influência política da aristocracia hereditária e fundiária, que se mantinha sob as monarquias absolutas, estimulam as críticas à ordem social vigente implícitas ou explícitas no iluminismo: a negação das desigualdades, a afirmação de que a sociedade é o produto do arbítrio e da iniquidade e deve ser racionalmente reformada. A teoria do contrato social, que já fora exposta por Locke, encontra em Rousseau um eloquente divulgador; e Voltaire populariza a ideia de que pela violência e astúcia, certos indivíduos ou classes exploram em seu proveito a credulidade ou inércia das maiorias.

Alguns soberanos, educados dentro da nova mentalidade e compreendendo as vantagens materiais das novas técnicas, interessados também no desenvolvimento industrial e comercial, de cujos lucros participavam com a burguesia, tornam-se agentes activos do iluminismo. Contam-se entre estes chamados "déspotas ilustrados", que puseram o poder real absoluto ao serviço de vastas reformas institucionais, económicas e culturais, Catarina da Rússia, Frederico II da Prússia, ambos amigos e correspondentes de Voltaire, e Carlos III de Espanha.»

António José Saraiva e Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa


O ILUMINISMO EM PORTUGAL

A intolerância inquisitorial provocou a fuga de muitos intelectuais e letrados portugueses para o estrangeiro, colhendo aí as novas ideias e iluminando de lá as trevas do nosso atraso.

De todos os emigrados, porém, que mais contribuíram neste século para a agitação das ideias em Portugal e lutaram para arrancá-lo do marasmo cultural, o maior de todos foi Luís António Verney. Na primeira metade do século XVIII, Portugal começou, sob a acção de D. João V, a aproximar-se do movimento cultural europeu. Este rei solicitou Verney a dar a sua colaboração à reforma pedagógica que então se projectava, «iluminando» a nação portuguesa com as luzes adquiridas longe dela. Desta missão resultaram, além de compêndios de Teologia, Lógica e Metafísica, as dezasseis cartas reunidas sob o nome de Verdadeiro Método de Estudar. Este livro, que marca o fim do reinado da escolástica em Portugal, foi escrito para atacar as instituições pedagógicas, jesuíticas e medievais, que ainda subsistiam em Portugal, e para propor a sua substituição. Igualmente ataca a poesia gongórica.

Esta luta travada por Verney leva à vitória das novas ideias no reinado de D. José. Com as rédeas do Governo nas mãos, o Marquês de Pombal expulsa os jesuítas e entrega a responsabilidade do ensino aos Padres do Oratório, que introduziram o moderno espírito científico nas Universidades.

No campo da literatura, o século XVIII foi de combate ao barroquismo. A poesia aproxima-se mais das formas, expressões e técnicas que fizeram do século XVI a Idade de Ouro da nossa literatura. É o chamado Neoclassicismo.

O baluarte da estética neoclássica foi a Arcádia Lusitana, à qual pertenceu Correia Garção, fundada em 1756 com a preocupação de restabelecer, segundo um dos seus membros, a boa poesia e a verdadeira eloquência pelo meio da mais severa crítica. Segundo os princípios estéticos da Arcádia, a arte deve ser uma imitação, na qual o poeta não deve perder os Antigos de vista, mas «pode largar velas à sua fantasia e voar até descobrir novos mundos». O lema desta associação era «cortar tudo o que for inútil».


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